Qual é o sexto gosto e porque ele te deixa gorda

Bianca Garcia
IO Publishing
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9 min readJun 17, 2015

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(Me deixa gorda também, você não está sozinha nessa!)

Embora cada vez mais a epidemia de obesidade esteja tomando corpo (com o perdão do trocadilho), é público e notório que suas maiores vítimas são as mulheres. Isso ocorre pois, além dos padrões de beleza irreais impostos pela chauvinista indústria da moda (que aparentemente só agora notou que meninas morrem de anorexia e bulimia e tantas outras "ias" na esperança de cada vez ficarem mais parecidas com um cabide), nós mulheres realmente temos uma estrutura fisiológica que propicia o acúmulo de gorduras em áreas estratégicas, visando proteger o embrião da futura prole. Não importa se você quer ou não ter filhos, a ciência demonstra que sua configuração XX já te faz mais "cheinha". Aparentemente isso só não funciona para aquela sua prima que come muito, de tudo — principalmente gordices — e não engorda. Sim, também tenho uma dessas.

Pretendo falar um pouco mais a respeito de quais questões afligem as mulheres com relação à auto-imagem versus peso em outros textos. Fica para outra ocasião. Mas, creia em mim, as mulheres sofrem SIM, e sofrem desde mais cedo do que você possa imaginar.

Mas, se ser gordo causa tanto sofrimento, não seria mais simples fazer uma dieta e resolver logo a questão? Claro que a gente poderia optar por abordagens cirúrgicas, como alteração do trato digestório, ou farmacológicas, como o consumo de drogas que inibem o apetite e são hiperestimulantes (te fazendo faxinar às 3 da manhã, se exercitar até a exaustão, mas te dão nojo daquele pão de queijo quentinho da sua padoca favorita).

Que gordinho nunca ouviu daquela tia pentelha que é só “fechar a boca” para emagrecer?

Optei por falar da dieta, por essa característica ilusória de ela ser baseada apenas na vontade individual e por não depender de intervenção cirúrgica, pois a “tunada” no seu sistema digestório para emagrecer é vista por esta que vos escreve como um "jeitinho" no processo de emagrecimento. "Jeitinho" pois, como aponta este estudo, ajuda, mas não resolve completamente a questão.

Dietas: comprando um tijolinho no paraíso

Quem nunca depositou suas esperanças de atingir o peso ideal naquela nova dieta do momento? Os primeiros dias são até que pitorescos, com todas as mudanças e novas regras. Mas não tarda para que o flerte inicial se transforme em desilusão e rancor.

Por que diabos é tão difícil fazer dieta? Como dizem em inglês nos círculos de emagrecimento, se diet — dieta — fosse bom, não começaria com die — morrer.

Foto: Divulgação/ Database Center for Life Science/ commons.wikimedia.org

Se você é como eu, a imagem de ter que restringir sua alimentação ou eliminar dela elementos que lhe são caros realmente te faz relativizar toda uma existência. De que adianta viver 100 anos se só vai dar para comer alface?! Exatamente! Não vale. E é precisamente aí que nosso córtex pré-frontal, responsável pelas mais sofisticadas funções cognitivas e àquelas relativas a planejamento futuro e regulação moral, pode nos ajudar. Gosto de dizer que o córtex pré-frontal é aquele que nos ajuda a ficar na dieta e guardar dinheiro, pois nos auxilia a contrabalançar a equação: prazer imediato X satisfação futura.

Foto: Divulgação/ Blausen.com staff/ commons.wikimedia.or

Antagonistas do córtex pré-frontal em nossas relações disfuncionais com a comida tendem a ser as estruturas cerebrais responsáveis pela expressão de estados emocionais: o chamado sistema límbico.

Para tornar essa interação neurofisiológica mais interessante, pensei no pequeno diálogo que acontece dentro da sua cabeça quando você chega em casa de um dia difícil no trabalho. (Os neurofisiologistas que me perdoem, caso incorra em alguma supersimplificação dessa interação):

Córtex Pré-Frontal: Nossa, dia difícil. Mas não devo sair da dieta. Vou fazer um bifinho grelhado com salada.

Sistema Límbico: Sério? Nem tenho vontade disso. Quero cheesebacon.

Córtex Pré-Frontal: Mas comecei a dieta ontem… não vou atingir a meta se detonar hoje.

Sistema Límbico: Mas seu chefe brigou contigo, você está super cansada e o bife que você quer grelhar está congelado, vai demorar horas para você comer!

Córtex Pré-Frontal: Ah, vamos tentar, posso descongelar no microondas, lavar o alface, o tomate e fazer uma saladinha bonitinha…

Sistema Límbico: Cheesebacon! Cheesebacon! Cheesebacon!

Córtex Pré-Frontal: Puxa… estou tão cansada… e chateada…

Sistema Límbico: Cheesebacon com bacon extra?

Córtex Pré-Frontal: Não, normal mesmo.

Mas, porque nosso córtex pré-frontal entrega os pontos assim tão fácil?

É simples: porque nossa força de vontade é finita. Como? Isso, ela é finita e nem é tão grande assim, ou seja, manter uma dieta restritiva tem efeitos sobre esse estoque de força de vontade, por conta do próprio funcionamento do nosso cérebro. Em outras palavras, a atividade cerebral no centro responsável pelas emoções tende a prevalecer sobre a atividade do córtex de planejamento. Assim, adivinhe: fome (há!), cansaço e tristeza influenciam diretamente na sua capacidade neurológica de planejar suas refeições de maneira a garantir seu sucesso na dieta e de resistir às tentações.

Mas se nossa tomada de decisões é sujeita a tantos contratempos, será que a dieta não poderia ser um pouco mais prática e intuitiva?

Bom, aí temos outra questão, que é a aparente seleção aleatória de alimentos para assumirem papéis de vilões e mocinhos no mundo das dietas, o que implica que nós gordos ficamos quicando de um lado para outro, ora evitando o ovo, ora evitando carne vermelha, ora baseando nossa alimentação só neles. Mesmo assim, quando insistimos, conseguimos efeitos com as dietas mágicas, mas ao chegar ao platô e parar de emagrecer, desistimos, ganhamos mais e mais um pouco de peso, porque ninguém merece sofrer esse tanto de restrições.

Ora, mas se somos gordos, é porque nosso estilo de vida: nossos gostos alimentares, nosso nível de exercício e nossa relação com a comida, não são saudáveis, certo? As duas últimas são temas para conversas futuras. Hoje vou tratar de: porque salivo ao pensar em cheesebacon e não ao pensar em escarola crua sem sal.

Papilas gustatórias: as raízes do mal

E aqui venho, como arauto do apocalipse, compartilhar com você, leitora, que a culpa pode ser das suas papilas gustatórias e o sexto sabor que foi descoberto recentemente pela ciência. (Ufa! Deu até um alívio agora, não?!)

Mas, o que são essas papilas?

Foto: Divulgação/ NEUROtiker/ commons.wikimedia.org

As papilas gustatórias [1] (antigas papilas gustativas) são indentações mucousas que hospedam os botões gustatórios. Esses botões gustatórios são esférulas que reúnem de 50 a 150 quimiorreceptores de gustação. Em outras palavras, as papilas gustatórias são a ponte entre os estímulos vindos dos alimentos (ou de qualquer coisa que você resolva comer, ou colocar na boca) e seu sistema nervoso central. A fim de transformar os elementos da comida na sensação do sabor, é necessário que nosso corpo faça um processo de transdução, ou seja, a transformação do estímulo externo nos potenciais de ação (PAs) que são a linguagem do cérebro. De acordo com sua composição química, cada tipo de sabor é "traduzido"por um quimiorreceptor diferente. E é aí que a questão fica complicada para nós que gostamos daquela fritura por imersão.

O papel evolutivo do sabor teria a ver com a homeostase, ou seja, com a manutenção das condições para que o organismo se mantivesse vivo (temperatura, acidez, quantidade de oxigênio no sangue, entre outros). Sabemos que a distribuição e concentração das papilas que fazem a transdução dos sabores são geneticamente determinadas.

Assim, os sabores influenciariam na autorregulação do organismo e reposição de elementos faltantes. Por exemplo: o reconhecimento do sabor salgado teria como objetivo manter o equilíbrio eletrolítico, reconhecer o sabor azedo nos ajudaria a ingerir ácidos essenciais para a digestão das proteínas, o doce e o unami (ou temperado) permitem que reconheçamos açúcares e aminoácidos necessários para o fornecimento de energia para o organismo e, finalmente, o sabor amargo pode indicar possível toxicidade, e pode gerar rejeição pelos mecanismos reflexos[idem]. Esses eram os cinco que conhecíamos até agora.

E o sexto é responsável por reconhecer gordura.

Isso mesmo! Gordura. Imagine que aquela crocância gorda do milanesa tem sua própria linha de comunicação com seu sistema nervoso central. Pois é. Também fez sentido para mim. Evolutivamente, podemos pensar que reconhecer gordura fomentaria a ingestão de alimentos que favorecem o acúmulo de energia para consumo em momentos de estiagem, certo?

Pois é. Não funciona assim. Aparentemente, o sabor gordura não apresenta o mesmo mecanismo regulatório que os demais: a "vontade" de determinado sabor tem como função a ingestão de elementos em falta no organismo enquanto que a "saciedade" nos dá o sinal de que a necessidade foi devidamente satisfeita.

Dados sugerem que quanto maior a ingestão de gordura, menor nossa sensibilidade ao gosto, o que, por consequência, favorece sua maior ingestão, que, de novo, diminui nossa sensibilidade ao gosto, que, por sua vez, … bom, você já entendeu.

Também se suspeita que a elevada ingestão de gordura influencie no mecanismo que dá o sinal de satisfação, e que este também sofra adaptação (sim, antes a gente comia uma fatia de bacon e ficava satisfeita e, depois de um tempo, precisamos de duas, três, e assim sucessivamente).

Resumo da ópera: quanto mais você come gordura, mais quer comer e mais demora para ficar satisfeitoa. E, sim, isso pode ter a ver com a distribuição genética dessas papilas na sua língua.

Que horror!

Não, mas ainda não é hora de culpar sua maldita herança genética! O mesmo estudo sugere que a redução do consumo de gordura pode reativar a sensibilidade e — com sorte — reverter o ciclo. Essas são hipóteses, mas acho que fazem um certo sentido. De qualquer maneira, esse momento inicial vai exigir muito do seu córtex pré-frontal. E como vai, já que — se você estiver obesa — é possível que seu consumo de gordura seja alto e sua sensibilidade a ela seja baixa. A redução inicial no consumo de gordura pode parecer um choque, mas pode ser a solução para o ciclo de sofrimento.

E #comofaz?!

Sabemos que não dá para escapar da genética, mas podemos tentar hackear algumas coisas. O início vai ser duro, mas dá para sofrer menos. Compartilho com vocês algumas das ações diárias que estão me ajudando na jornada. Vamos lá:

  • Escolher algo que faça sentido para você: seguir uma dieta baseada em berries no Brasil é pedir para dar errado. É bacana falar com pessoas que estão no processo e ver o que tem a sua cara e a cara da sua rotina. Diminuir o cheesebacon e a cerveja já vai ser um baita pepino. Pense em algo que não seja torturante (afinal de contas, a vida tem que dar prazer. Gustativo também!).
  • Não deixar o planejamento ao acaso: sei que é difícil, mas quanto menos trabalho nosso sistema de decisões tiver em momentos de sobrecarga, melhor. Faça o possível para ter algumas refeições bacanas na manga para os momentos de cansaço e/ou tensão e/ou tristeza, ou todas as anteriores.
  • Arrumar uma/ um companheira/ companheiro para a jornada: nada como poder reclamar em grupo! Xingar aquela pessoa magra que come só cheesebacon, compartilhar como foi difícil não pedir a décima cerveja no happy hour, armar planos maléficos imaginários contra aquela pessoa que sempre leva batatinha para o trabalho e abre no meio da tarde, na hora do cansaço e da fome. Ter companhia no processo é legal. Legal porque, conforme o caminho vai ficando mais fácil, vocês vão partilhar sucessos. E quando o caminho ficar mais difícil, você vai lembrar que não está sozinha nessa jornada.

Juntas, podemos vencer essas papilas gustatórias do mal!

  1. LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. Atheneu, 2004.

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Bianca Garcia
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Doutoranda na FFLCH/USP com investigações da interface entre neurociência e o ensino de inglês para crianças e fundadora da Espiral Consultoria Linguística.