CRÍTICA: Os Bons Rapazes, de Shane Black

Gosling e Crowe reinam no mundo da pornografia.

João Silva Santos
Jump Cuts
4 min readMay 29, 2016

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O panorama das comédias americanas hoje em dia é estagnante: podemos sorrir, até gargalhar, mas sabemos sempre que já ouvimos aquelas piadas noutro filme qualquer. É um antro constante de repetição que acabamos por engolir à falta de melhor oferta, e chegamos ao ponto de pensar que esse tipo de comédia é tudo o que o cinema tem para nos oferecer.

Por isso é de desconfiar quando nos chega algo como Os Bons Rapazes. O novo filme de Shane Black, sobre dois detetives privados na Los Angeles dos anos ’70, aparece com a piada já na ponta da língua, apanhando a audiência de surpresa com um desastre rodoviário e mamas de silicone logo na primeira cena. E o filme segue a partir daí sem parar para recuperar o fôlego, com mais e melhores graçolas nos momentos mais inusitados.

O casting de Russell Crowe e Ryan Gosling nos papéis principais é talvez o fator que mais contribui para o sucesso de Os Bons Rapazes como uma das melhores comédias dos últimos anos: nota-se um esforço por parte de ambos no que toca ao humor corporal e às expressões faciais que por si só sacam gargalhada atrás de gargalhada da audiência, que vai para além da realização de Shane Black e do que está explícito no guião.

Crowe e Gosling encarnam as personagens de John Healy e Holland March de cima a baixo; Gosling com o seu bigode ridículo de ator pornográfico, e Crowe com a sua barriga protuberante capaz de fazer rir pelo simples facto de existir. A performance, a aparência, as roupas; todos os elementos e pequenos detalhes destes dois protagonistas caracterizam-nos e humanizam-nos aos olhos da audiência, e por essa mesma razão têm tanta piada.

No entanto, é a filha da personagem de Gosling que rouba o filme. Angourie Rice, uma relativa desconhecida em Hollywood, enfrenta sem medo o calibre veterano de atores como Crowe e Matt Bomer, acabando por ofuscá-los com o enorme carisma natural da sua interpretação. Muito dele vem da forma como Black escreveu a personagem — uma criança que cresceu depressa demais por ter um pai mais infantil do que o que devia -, mas o que está na página não cria uma personagem tão bem formada quanto Holly March se não tiver a expressão magnética de uma atriz como Rice. Se continuar assim, só lhe esperam grandes coisas na terra do cinema.

Infelizmente, há uma “segurança” narrativa que Os Bons Rapazes não consegue esconder. Enquanto que o último filme original de Shane Black, Kiss Kiss Bang Bang (2005), vivia do malabarismo inesperado de um enredo absolutamente genial, Os Bons Rapazes recosta-se no banco de trás para nos levar por situações mais ou menos comuns, sem grande do ímpeto bruto que o neo-noir com Robert Downey Jr. e Val Kilmer nos ofereceu. A comédia e as personagens são o que salvam o filme de uma trama vulgar de crime, e a conclusão relativamente deprimente que Black encontra para ela desaponta por não satisfazer a promessa inicial de uma viagem mais alucinante pelo mundo da pornografia de Los Angeles.

É pena, porque o resto do filme respira o ar nauseabundo da década de ’70 como poucos conseguem replicar. Aspetos como o set design e até as localizações onde Black enfia as suas personagens (entre elas: manifestações ecológicas, exposições de automóveis da época e estreias de filmes pornográficos) exprimem uma era sedutora da história americana, absolutamente alta classe e irreconhecível para o zé povinho cá eira, mas apesar disso fascinante pelo quão alienígena parece mesmo para quem viveu naquele tempo, ou para quem está farto de ver filmes do género.

Os Bons Rapazes peca por ser mais convencional do que o que devia, mas as piadas são tão boas, as personagens tão engraçadas, e o espírito dos anos ’70 tão irreverente, que é impossível não sair do cinema com um sorriso de orelha a orelha.

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