Por um arco-íris de oportunidades (parte 2)

Biamichelle Miranda, Daniela Andrade, Jeliel Mendes e Laura Zanotti

Leia aqui a primeira parte do artigo.

O enfrentamento dos obstáculos impostos às pessoas LGBT é consonante com a busca da ThoughtWorks por uma sociedade mais justa social e economicamente, o que se traduz em ações que buscam a diversidade internamente, bem como impacto externo.

Transcidadania

Em parceria com o programa TransCidadania em SP, em fevereiro de 2016, a ThoughtWorks desenvolveu algumas atividades com uma turma piloto de Alfabetização Digital, adotando uma abordagem de jornada individual, princípios de autonomia, responsabilidade e solidariedade.

Sempre buscando compreender as barreiras, dificuldades e inseguranças quanto ao uso de tecnologia vividas pelas pessoas participantes, tivemos sessões dedicadas para que ThoughtWorkers e participantes se conhecessem, construindo de forma conjunta os objetivos de jornada, com pontos de interesse e necessidades específicas de cada participante; tais quais: acesso a redes Wi-Fi, configurações e melhor utilização de contas de email, conhecimento de teclados, clipboard, armazenamento, processamento e memória RAM, navegação na internet, entre outros.

O trabalho teve reflexo até mesmo nas atividades do programa TransCidadania independentes do projeto com a ThoughtWorks, já que, de acordo com a coordenação do programa, as beneficiárias que participaram mostraram-se mais envolvidas nas demais atividades, além de conseguirem desenvolver com mais facilidade suas atividades diárias que envolviam conhecimentos digitais.

Vídeos Populacao T

Pensando na larga parcela da população que conhece pouco e tem dúvidas sobre travestilidades e transexualidades, a ThoughtWorks produziu em 2016 a série de vídeos População T, uma série de vídeos curtos com informações objetivas visando sanar dúvidas recorrentes quando o assunto é identidade de gênero, orientação sexual, transexualidade, travestilidade.

Transerviços

Idealizado e desenvolvido pela desenvolvedora Daniela Andrade, com o apoio da ThoughtWorks, o Transerviços é uma plataforma que proporciona oportunidade para que profissionais travestis e transexuais ofereçam seus serviços para empresas que buscam não apenas profissionais para preencher uma vaga, como também reduzir as barreiras do preconceito no mercado de trabalho e ampliar a diversidade em seus próprios ambientes de trabalho.

O site funciona como uma estante virtual de trabalhadores dos mais diversos perfis. O Transerviços é um desdobramento do Transempregos, cujo foco é disponibilizar vagas de empregos formais, e ambos tem como objetivo comum a empregabilidade da população de trans e travestis especificamente.

Ser trans na TI

“Minha grande preocupação na vida sempre foi, onde vou trabalhar? Apesar de ser privilegiada por ter uma família que posso contar, ainda sim a sociedade é algo que tenho que enfrentar diariamente. Sempre foi uma luta enfrentar certos ambientes, principalmente o escolar pela repressão e cobrança dos padrões normativos, isso dificulta uma pessoa trans concluir seus estudos e trabalhar de forma igualitária com todos seus direitos respeitados. Nunca presenciei uma pessoa trans trabalhando em nenhum lugar, e isso sempre me fez pensar muito sobre o que eu iria fazer da minha vida, pois não acreditava que um dia eu iria poder apenas trabalhar.

Durante minha chegada a Belo Horizonte, me senti obrigada a ter que esconder minha identidade de gênero para poder me inserir no mercado de trabalho, durante 4 anos passei trabalhando e vivendo uma vida dupla até que senti a necessidade de externalizar e viver de acordo com meus sentimentos e vontades, e mesmo enfrentando muita transfobia e desrespeito, conclui 8 anos de trabalho.

Fiquei alguns meses em busca de um novo trabalho, e durante essa procura me deparei com a oportunidade de um lugar onde eu poderia ser apenas eu e ser respeitada por isso. Trabalhar na ThoughtWorks tem sido um exercício de redescoberta social e pessoal. Social por viver em um modelo de convivência totalmente diferente da realidade fora da empresa, e pessoal por sentir que aqui eu posso ser e falar abertamente sobre quem eu sou sem olhares e pensamentos incriminatórios.

É bem diferente idealizar e lutar por respeito, compreensão, reconhecimento, espaço e direitos e ter a experiência de viver tudo isso aqui, que é o mínimo que já deveria existir em outras empresas e esferas da atual sociedade. A ThoughtWorks me proporciona além de desenvolvimento profissional, um rico compartilhamento de idéias e oportunidade de mostrar o quanto podemos compreender, aprender e conviver com diversas pessoas, idéias, vivências e desejos diferentes que existem pelo mundo. É muito bom saber o quanto isso pode ser aproveitado diariamente para melhorar o mundo em que vivemos, e que tudo isso só contribui no trabalho, criando um ambiente cada vez mais justo, tendo a liberdade de expor o que se pensa e o que se sente.”

(Laura Zanotti, office admin, ThoughtWorks BH)

“Para mim é simples, ou trabalho na TW ou não trabalho. Lembro que esses dias vieram falar em Great Place To Work, no meu caso é Only Place to Work. Não existe isso de empresa que abra as portas para travesti ou trans fora aqui, apenas abrem porém deixam de lado políticas de bem estar, sensibilização e aceitação de pessoas trans e travestis, se não fazem isso para aceitarem mulheres cis, como esperar que façam algo para trans, que para a maioria é muito mais um custo do que um investimento.”

(Jeliel Mendes, desenvolvedora, ThoughWorks Porto Alegre)

“Possuo mais de 18 anos na área de TI, tenho histórias de discriminação em absolutamente todos lugares que trabalhei na vida. Salta aos olhos o fato de ser uma área predominantemente composta por homens brancos cisgêneros heterossexuais e classe média, conto nos dedos das mãos com quantas mulheres desenvolvedoras trabalhei em toda minha carreira, com quantas pessoas negras, com quantas pessoas de minorias sociais.

Aliás, já no técnico e na faculdade, eu percebia que seguiria sozinha, sendo sempre a única mulher transexual de todos lugares que trabalhei. Precisei sempre estar provando a todos que eu era no mínimo duas vezes mais capaz, nunca tive o direito de errar, pois se eu errasse, errava comigo toda a comunidade de transexuais; já que é geralmente o que fazem com pessoas de minorias discriminadas, em contraposição aos erros dos homens cisgêneros brancos heterossexuais, que se erram, a conduta é individualizada e não se presume que todos os demais fazem o mesmo.

Cansei de passar por processos seletivos que se restavam infrutíferos à medida que descobriam que eu era transexual. Tudo corria muito bem até eu contar que era trans — obrigatoriamente, já que só consegui recentemente a mudança judicial dos meus documentos. Da última vez que fiquei sem trabalho, vendo homens brancos cis héteros se desempregando de dia e arrumando outro à tarde, foi quase um ano desempregada. Cansei de ver homens inclusive com menos bagagem escolar, menos qualificação profissional conseguirem a vaga e eu não. Por isso digo que a sociedade acaba empurrando-nos para a prostituição, sendo a única profissão que a grande maioria acha possível nos encaixarmos.

Como fui expulsa da casa dos meus pais, por ser transexual — e aqui eu digo que a primeira grande violência que sofremos é dentro de casa — há muitos anos não tenho parentes com quem contar em momentos de necessidade, todos deram as costas para mim. Também por esse motivo fundamento que precisamos estar sempre mais preparadas que a maioria, mais estudadas, à frente de todos, pois há um excessivo peso que colocam em nossas costas.

Antes de entrar na Thoughtworks eu estava bastante decepcionada com a área de TI, depois de tantos anos sofrendo múltiplas violências profissionais, desde assédio moral à discriminações explícitas, de tal forma que foi uma grata surpresa em minha carreira e minha vida estar nessa empresa. A primeira coisa que me chamou a atenção foi a quantidade de pessoas de minorias discriminadas, fiquei boquiaberta. Depois o espaço que existe para que sejamos quem somos sem que nos apontem como inferior.

Cansei de perceber da maioria dos homens que trabalhavam comigo ao longo da minha carreira um desconforto com a minha presença, era preciso estar o tempo todo se ocupando não apenas em desenvolver um trabalho com mais competência que todos eles, como também em esconder ou omitir a minha vida. Na Thoughtworks percebo que não só isso é desnecessário, como as diferenças são celebradas. Evidentemente não é uma empresa perfeita, estamos em constante processo de aprendizagem e evolução, e tampouco acredito que a perfeição exista; mas posso dizer sem quaisquer dúvidas que se trata da empresa mais inclusiva que já trabalhei na vida.

Aliás, inclusive a questão do desenvolvimento e plano de carreira é algo real. Em muitos dos lugares que trabalhei eu ganhava menos que os homens que executavam as mesmas tarefas que eu, com o mesmo cargo. Sabemos bem como o mercado de trabalho em sua extensão é injusto com as mulheres, mas na Thoughtworks há uma constante busca por aprimorar os mecanismos de contratação, promoção e desenvolvimento das mulheres que aqui trabalham.

Levei bastante tempo desde que entrei para perceber que tudo aquilo era real, e ainda que eu seja uma pessoa feliz trabalhando na Thoughtworks, pois sem sombra de dúvidas essa empresa foi um ponto fora da curva em toda minha carreira, eu temo pelo fato de estarmos falando da exceção à regra ao comparar as demais empresas de TI, ao comparar o que aqui fazemos com o que tantas outras não fazem, apesar de propagandearem o contrário.

Sonho que daqui a algumas gerações não tenhamos uma área de TI dominada por homens brancos cisgêneros, mas que essa área espelhe a diversidade da sociedade.

Sonho com o dia em que transexuais possam ter outra opção de trabalho que não a prostituição, para isso construo meu nome dia a dia, para isso dei e dou uma considerável parte da minha vida: para lutar por uma sociedade mais justa, mais humana, menos preconceituosa, mais plural.

Sonho com o dia em que pessoas como eu, com graduação e bagagem profissional não vejam todas as portas se fecharem pelo simples motivo de possuir uma identidade de gênero divergente da maioria, sonho com o dia que a transfobia não destrua nossos sonhos, não nos negue oportunidades, não nos faça acreditar que essa área não é para nós, por inclusive não nos vermos representadas”.

(Daniela Andrade, desenvolvedora, ThoughtWorks SP)

As oportunidades para pessoas transexuais e travestis não devem ser vistas apenas como forma parte da política de inclusão e diversidade das empresas, mas como uma resposta à necessidade de contribuirmos para uma sociedade mais justa em oportunidades para todas as pessoas.

Nossa experiência na empregabilidade trans na TI tem nos mostrado que existem homens e mulheres trans e travestis buscando oportunidade na TI há mais de 10 anos, colecionando “não’s” pelo simples fato de não negarem sua existência, por não tratarem sua identidade de gênero como um corte de cabelo que pode ser mudado por conta de uma entrevista de emprego. Não pode. Não deve. Não dá.

A educação ainda deixa lacunas na vida de centenas de travestis e transexuais. E o mercado de trabalho formal amplia essa distância. Entendemos que somente as ações combinadas poderão iniciar um processo de reparação dessa lacuna, que o ódio, o descaso e o preconceito criaram. Porém, um passo que se dá individualmente para desenvolver oportunidades, apoiar iniciativas, sensibilizar nossa comunidade, com modelos concretos de ações e exemplos reais de pessoas que são impactadas por elas, servem como exemplo para apontar como empresas similares a ThoughtWorks tem e devem contribuir para uma sociedade muito mais justa social e economicamente.

É possível!

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