Foto: Rafael Moura

A Liberdade Vigiada da Prostituição

O Tabuleiro
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6 min readNov 4, 2015

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Felipi Ferreira

O mundo trabalha com três sistemas chamados legais para o exercício da prostituição. O Abolicionismo, o Regulamentarismo e o Proibicionismo. A maioria dos países, como o Brasil, adota o Abolicionismo. Por esta visão, profissionais do sexo são vistas como vítimas e só exercem a atividade por meio de coação de um terceiro, sendo agenciador ou até mesmo explorador, que receberia parte dos lucros obtidos pelo trabalho da mulher.

Nesse tipo de sistema, a ilegalidade está próxima dos trabalhos do empresário, ou quem organiza as ações, pois não há qualquer proibição em relação a alguém negociar sexo e fantasia sexual. Assim, a corrupção fica facilitada neste caso.

Em 1942, entrou em vigor o atual Código Penal do Brasil — que para muitos é antiquado e há anos está parado no congresso para reforma.

O governo brasileiro reconhece os profissionais do sexo desde 2002 quando a categoria entrou na Classificação Brasileira de Ocupações e, desse modo, permite a requisição de aposentadoria pelo Instituto Nacional Social (INSS).

No ano de 2012, o Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) propôs a emenda e o Projeto de Lei, conhecido como Gabriela Leite, que tem como objetivo dar total independência aos trabalhos com profissionais do sexo e, assim, acabar com intermédios do ramo. A proposta da PL traz exemplos de países como Alemanha, Bélgica e Holanda que regularizam a prostituição de mulheres com idade acima de dezoito anos. Outro ponto abordado no projeto é regulamentar a ação dos bordéis de expressar o direito do cidadão de agir de acordo com sua vontade, sem denegrir ou escandalizar parte da sociedade.

“Um movimento e um grupo de mulheres prostitutas me procuraram para que eu defendesse o trabalho delas”, afirmou o Deputado Federal Jean Wyllys, em audiência ao Congresso Nacional. Na visão do deputado isso aconteceu porque ele trabalha com ações para o movimento gay, infantil e até religioso.

Foto: Rafael Moura

Gabriela Leite

Nascida em São Paulo, em 1951, Gabriela Leite veio de uma família de classe média e se tornou a principal militante dos direitos das prostitutas no Brasil, ela é reconhecida internacionalmente. Na década de 70, a paulistana trocou o curso de sociologia para se tornar profissional do sexo e lutar pela igualdade trabalhista em diversas cidades brasileiras como Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Líder em suas atividades juntamente com outras prostitutas, Gabriela iniciou o trabalho nacional de organização da categoria, a partir da desconstrução de representações socialmente aceitas sobre a prostituição, o que a fez buscar o reconhecimento da profissão.

Já nos anos 80, Gabriela promoveu os primeiros encontros nacionais das prostitutas e passou a fazer parte do movimento internacional. Após as atividades, criou o jornal Beijo da Rua, para fazer circular os novos discursos e afirmar como sujeitos sociais as “mulheres da vida”. Incentivou ainda o a luta contra a Aids, incorporando a saúde como direito, instrumento de cidadania e de controle social de políticas públicas.

Nos anos 90 fundou a ONG DAVIDA, que intervém na sociedade por meio de ações culturais e de comunicação como serestas, bloco de carnaval e apresentações teatrais, além de estudos, pesquisas e documentação. Para financiar projetos da ONG, em 2005, criou a grife Daspu.

Autora também do livro ‘Filha, mãe, avó e puta’, adaptado ao teatro e cinema, foi candidata a deputada federal pelo Partido Verde em 2010, defendendo o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, a união civil homossexual, o direito ao aborto e a regulamentação da prostituição. Não foi eleita.

Direito à prostituição no Brasil

A Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Barbosa, eleita no Congresso Brasileiro do Órgão que ocorreu na segunda semana de outubro de 2015, acredita que a mulher tem o direito de ser livre ao ponto de buscar o seu sustento da maneira que quiser e como quiser. “O problema e a luta que temos no país em relação ao direito da mulher se prostituir é que não discutimos isso de forma séria há 10 anos. A última vez ocorreu em um seminário em que a própria Gabriela Leite, homenageada em um Projeto de Lei sobre o assunto, estava conduzindo as conversas. Acredito que elas podem trabalhar, sim, e de uma maneira respeitosa, sem preconceitos ou abusos”, destacou.

De acordo com a atual representante das Mulheres Trabalhadoras no Brasil, a situação da prostituição vai muito além de se beneficiar financeiramente com as atividades sexuais. “Acredito que o Brasil tem problemas muito maiores do que a prostituição. Por exemplo, a mulher que é casada e não pode se divorciar pro medo da reação do marido ou de como a sociedade vai encarar a atitude dela. Ela é obrigada a conviver com um homem e ter relações com ele mesmo sem sentir esse prazer? Isso é muito mais grave do que alguém trabalhar da maneira que quer, sem destruir ou desmoralizar outro cidadão”, completa.

No entanto, vale ressaltar que a CUT não endossa o discurso pró-legalização da profissão, porque, na visão da entidade, o projeto é machista e acabaria colocando a mulher numa situação de submissão frente à chefia da prostituição no Brasil.

Para o especialista em direito civil, Dr. Luís Duarte, a regulamentação, além de dar o direito de escolha de trabalho, dá acesso à proteção estatal e seguridade social. “Elas devem buscar seus direitos, até porque dá o poder do Estado exercer o controle de eventuais excessos e cometimentos de crime, como a exploração do profissional do sexo, prostituição infantil, dentre muitos outros males ligados a atividade”, relata.

O advogado ainda lembra que a garota de programa deve ser vista como, além de trabalhadora, alguém que está exposta a enfermidades. “Com essas ações, o Ministério da Saúde pode agir de forma integrada para fornecer auxílio especifico junto ao sus para tratar especificamente os riscos aos quais as profissionais estão expostas” conclui.

Foto: Rafael Moura

Luta contra o preconceito

Para a mulher brasileira, a luta pela igualdade social, política e trabalhista vem sendo uma pauta forte e notável nos últimos anos e a busca pelo direito de se prostituir se mostra cada vez mais forte. Para a garota de programa Priscilla Ribeiro, 22, que está no ramo há quatro anos, o preconceito é algo já considerado comum no meio social e, com a regulamentação, a situação da profissional do sexo tende a piorar. “Ninguém está nessa vida por que gosta, ninguém gosta de ter relação com milhares de pessoas diferentes, mesmo em troca de dinheiro”, afirma.

Priscilla acredita que a profissional que tem o direito de ser autônoma pode enfrentar diversos problemas como a falta de segurança, apoio financeiro e a disputa com transexuais. “Além disso, o preconceito vai continuar, até por que não tem como fugir disso. Algumas garotas até tentam levar uma vida dupla, mas isso é impossível. Querendo ou não, todos sabem quem realmente somos”, lamenta.

A profissional do sexo ainda rebate as representantes do movimento feminista, que acreditam que a prostituição é um meio de exploração do corpo da mulher. “A prostituição não é alimentada pelo machismo, a prostituição É um fruto perfeito e saudável do patriarcado, continuado para manter mulheres aonde elas devem estar: sob dependência masculina, se machucando sem reclamar”, ironiza.

Prostituição no mundo

O chamado Regulamentarismo trabalha de modo político com a profissão reconhecida e regulamentada. Para as profissionais, pode se dizer que há vantagens e desvantagens.

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Estas são regulamentações muito conservadoras, em que a mulher se submeta a exames periódicos, o que não é exigido para outras profissões ou a de que só exerça a atividade em locais determinados. Porém, a possibilidade de ter um contrato de trabalho, seguridade social, inclusive aposentadoria, garantias legais que estão inclusas nos países que fazem parte desse sistema de trabalho, como o Uruguai, Bolívia e outros Sul — Americanos. No caso europeu, não é necessário a prática de exames de saúde.

O Brasil já foi Regulamentarista e as prostitutas eram fichadas por seus Distritos Policiais respectivos.

O Proibicionismo, por sua vez, é adotado por pouquíssimos países, mas como sistema vigente nos Estados Unidos, por meio de sua indústria cultural, é muito conhecido. Para este sistema, na teoria, a prostituta, o dono da casa de prostituição e até cliente são puníveis pela lei. Porém, não é o que acontece atualmente, de acordo com a grande mídia e programas televisivos divulgados até mesmo pelo país, com novelas, séries e filmes.

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