Horizonte da Cena

Crítica teatral belo-horizontina em perspectiva

Vitória Brunini
LabCon / UFMG

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Por Camila Meira, Larissa Costa, Naide Sousa e Vitória Brunini*

*Estudantes do quinto período do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Era um sábado pela manhã, pós-feriado da Independência do Brasil, quando esperávamos em frente à fachada do Café Benzadeus, na esquina da Rua da Bahia com a Augusto de Lima, região central de Belo Horizonte. O ambiente do local refletia o clima da capital mineira: uma manhã tranquila e ensolarada, com os sons urbanos ofuscados pela serenidade. Quem reside em uma cidade grande sabe o quão difícil é vivenciar momentos semelhantes a esse. Às dez horas da manhã, entramos no simpático estabelecimento escolhido pela equipe do Horizonte da Cena, site de crítica teatral criado em 2012 e que, no segundo semestre de 2018, foi o nosso objeto de pesquisa para esta reportagem.

Até chegarmos àquele momento aguardado pelo grupo, o convite para realizarmos a pesquisa sobre o site foi previamente feito a Clóvis Domingos, editor-assistente e crítico. Como aquele seria o primeiro encontro presencial, não havia muita certeza de quem exatamente encontraríamos. Logo, a ansiedade apresentava-se através de nossos olhares, sempre atentos a qualquer nova pessoa que entrasse no café. Nos sentamos e pedimos uma água e, após alguns minutos, dois homens sentaram-se em uma mesinha logo atrás de nós. Passado o nervosismo, identificamos Clóvis e nos apresentamos.

Clóvis já estava acompanhado de Diogo Horta, um dos críticos colaboradores do projeto. A dupla logo nos informou que esperavam mais algumas pessoas chegarem para darem início à reunião e, aproveitando deste momento, apresentamos, brevemente, a proposta desenvolvida pelas quatro estudantes de Jornalismo. Com os olhares solícitos de Clóvis e Diogo, o clima de nervosismo foi substituído pela tranquilidade.

Aliás, não foi a primeira vez que nos atentamos à solicitude da equipe: desde o primeiro contato, todos nos pareceram muito animados em apresentar a iniciativa, o que nos deixou mais seguras em colocar nosso projeto em prática. Nossa conversa foi interrompida com a chegada dos outros dois integrantes da reunião, Marcos Alexandre e Daniel Toledo, mais dois dos críticos colaboradores do site. E assim, a reunião começou, de fato.

A cena crítica do site

O Horizonte da Cena apresenta-se como um site independente e destinado à crítica teatral, voltado principalmente às peças apresentadas na cena artística belo-horizontina. Criada por Soraya Belusi e Luciana Romagnolli, a iniciativa conta com três integrantes fixos: as fundadoras e Clóvis, que trabalha como editor no projeto; além de uma grande equipe de críticos que se disponibiliza a produzir conteúdo para o site.

Embora apresentem-se apenas como colaboradores, a equipe de críticos participa assiduamente da produção de textos e possui grande espaço de atuação no site. “[…] Isso a gente ainda tá resolvendo. O Diogo e o Marcos falam que são apenas colaboradores, mas eles estão super atuantes no negócio. Pra não assustar muito, você fala: ‘não, eles colaboram de vez em quando’, mas eles estão mandando texto todo mês”, comenta Clóvis.

De forma geral, desde o começo de 2018, o site tem postado pelo menos quatro novos textos ao mês, numa média de um por semana. Junta, a equipe planeja as datas de entrega das críticas que serão posteriormente publicadas por Clóvis nas plataformas do projeto (site e Facebook).

“A gente tenta combinar assim: os fixos, pelo menos uma vez por mês, mandam um texto, e os colaboradores mandam quando eles quiserem, de dois em dois meses. Mas aí isso varia; às vezes a pessoa escreve mais de um texto e manda, e o colaborador às vezes tem mais textos do que o crítico fixo, por exemplo” Clóvis Domingos

A equipe ainda se abre para eventuais convidados, os quais não fazem parte da rotina de postagem do site, mas manifestam o desejo de contribuir ou são chamados para uma colaboração por quem já integra o projeto. Clóvis comenta esse interesse em convidar mais pessoas para produzir conteúdos para o Horizonte, pois contribui para a diversidade de interesses e peças presentes nas críticas.

A origem da cena

De alguma forma, seja por interesse pessoal ou por escolha profissional, todos os participantes do Horizonte da Cena já pertencem ao ramo artístico e teatral e são respeitados nesse metiê. O site não existe como principal fonte de renda — o que, ao longo dos anos, tornou-se um desafio e fonte de questionamento para a equipe -, mas foi concebido a partir do desejo de criar um espaço para tratar sobre artes cênicas de forma mais aprofundada, livre e menos jornalística.

“A origem é a Luciana e a Soraya. Nós três trabalhávamos no jornal O Tempo, no caderno de cultura. […] Mais ou menos um ano depois da criação do site, elas precisaram de mais alguém, porque não poderiam fazer coberturas de festival. Elas me chamaram e aí começou a ficar um projeto mais coletivo” Clóvis Domingos

Hoje trabalhando como editor-chefe do projeto, Clóvis Domingos possui longa formação teórica e artística: é formado em Teatro Universitário pela UFMG e em Direção Teatral pela UFOP. Na UFMG, também fez seu mestrado e doutorado em Artes da Cena. Atualmente, faz seu pós-doutorado em Arte, Performance, Intervenção Artística em Espaço Público e Teatralidades Contemporâneas, novamente na Universidade Federal de Ouro Preto.

Clóvis ainda integra o Obscena — coletivo artístico de pesquisa independente e de intervenção urbana teatral, além de trabalhar como crítico em outros projetos, como em portais de festivais, catálogos de espetáculos e impressões de dramaturgias de espetáculos (com estes, sim, trazendo retorno financeiro e sendo uma de suas fontes de renda).

Clóvis Domingos, editor-chefe do Horizonte da Cena, em nosso segundo encontro, no Café Magazine (Foto: Larissa Costa)

Já nosso contato com uma das fundadoras do site, Soraya Belusi, foi diferente dos dois encontros presenciais realizados com Clóvis e outros membros da equipe. Um dos principais motivos foi a dificuldade de conciliar a agenda tanto do grupo quanto da jornalista. Nossa conversa com a jornalista durou alguns dias, através de mensagens no WhatsApp que iam desde palavras breves até áudios de mais de um minuto.

Soraya Belusi formou-se em Jornalismo pela UNI-BH, no ano de 2002. Ainda na Universidade, fez uma disciplina de teatro lecionada por Wilson Oliveira — “grande nome da cena artística mineira”, segundo a própria. Soraya nos conta que, na matéria, as atividades pautavam-se na produção de críticas e reportagens sobre teatro, além da montagem de cenas.

“Eu me apaixonei por este mundo. Além disso, o Wilson me incentivou muito na cobertura de teatro, pois segundo ele era uma demanda da cidade [de Belo Horizonte]. […] Então, no quarto período da faculdade, eu decidi fazer uma formação como atriz no Teatro Universitário. Não que eu quisesse ser atriz, mas eu tinha a vontade de me especializar na área”, diz.

Em 2004, trabalhou na cobertura de teatro do caderno Magazine, do jornal O Tempo, onde ficou por quase 10 anos. A escolha em deixar a cobertura jornalística de teatro veio em 2012, com a fundação do Horizonte da Cena junto a Luciana Romagnolli. Mestre em Artes pela UFMG, atualmente Soraya trabalha no SuperFC, coluna de esportes do jornal O Tempo.

Soraya Belusi na Copa do Mundo de 2018 (Foto: Reprodução/)

“Em 2012, a Luciana decidiu sair do jornal O Tempo […] e eu já estava querendo me dedicar mais à pesquisa acadêmica na área do Teatro. Somado a tudo isso, ela me fez a proposta da gente ter um projeto de crítica na internet” Soraya Belusi

O rompimento inicial das fundadoras com a cobertura jornalística tradicional é um ponto interessante acerca do projeto Horizonte da Cena: embora intitule-se como um site de crítica teatral, a equipe não se enxerga como produtora de conteúdo jornalístico. Essa afirmação partiu da própria criadora do site, Soraya Belusi.

“[…] A gente não faz crítica jornalística no Horizonte da Cena. E foi por isso que precisávamos romper com a estrutura clássica do jornal, fazer um conteúdo que não cabe no jornal, né? Então foi uma mistura de necessidade e opção. Hoje, a nossa relação com a crítica [no site] é muito mais como pesquisadoras do que como jornalistas.”

De fato, quem entra no site e lê apenas uma das diversas críticas já consegue enxergar a proposta do projeto: críticas longas, profundas e que fogem ao taxacismo de “bom” ou “ruim” presente na crítica tradicional e mercadológica.

A nova cena na internet

Mas esse uso do espaço online para produções não tradicionais não é um diferencial só do Horizonte da Cena, e sim um fenômeno que é cada vez mais visto e que se expandiu com a internet e a popularização desta. Para Priscila Natany e Vanessa de Paiva, no artigo Análise da crítica teatral e suas influências nos espetáculos a partir do jornalismo cultural, as transformações sofridas em jornais e revistas foram os principais motivos para que diversos profissionais buscassem outros meios para publicarem seu conteúdo, como o ambiente virtual:

“O anseio de referir-se a tudo, as pressões para o predomínio dos assuntos de grande audiência e o empenho na divulgação e na criação de um guia de consumo tomaram as páginas antes destinadas aos debates de ideias. As críticas foram ficando cada vez mais curtas e superficiais. Segundo Daniel Piza (2004, p.41) outra característica, iniciada na década de 1990, que contribuiu para o esvaziamento das críticas na imprensa, foi a presença cada vez maior de assuntos que não fazem parte das chamadas ‘sete artes’ (literatura, teatro, pintura, escultura, música, arquitetura e cinema), como moda, gastronomia e design.”

Para as autoras, a internet surge como um modo que permite fugir às limitações espaciais da imprensa. Além disso, o ambiente organizacional e caótico das redações dissolve-se, transformando a tenebrosa deadline e os rígidos critérios de noticiabilidade em espaços para a produção de pensamento e, acima de tudo, que fogem da “atribuição de estrelas”.

Projetos como o Horizonte da Cena não impõem ao público se este deve ou não assistir a uma peça, se esta é boa ou ruim, mas buscam refletir e questionar o fazer-artístico. A internet também traz consigo a possibilidade de um conteúdo mais especializado e, consequentemente, dá margem à pluralidade de pensamentos e formas de escrita.

Ao mesmo tempo que o site não se auto-denomina como jornalístico, é importante destacar que alguns valores-notícia presentes na crítica jornalística seguem intactos no site. Assim como é pontuado por Priscila Natany e Vanessa de Paiva em seu texto, a proximidade geográfica ainda é muito importante, afinal, como é visto no Horizonte, grande parte das críticas são de peças realizadas na capital mineira.

Além disso, a amplitude do evento (análise de peças que estão na grade de grandes festivais e que possuem grande público) e o enfoque em grupos teatrais com renome local e nacional ainda são pontos em comum em grande parte das críticas desenvolvidas pela equipe.

Apontando as divergências entre o trabalho do Horizonte e o fazer jornalístico, Clóvis também cita os pontos de encontro entre as duas atividades.

“Isso [meu trabalho de crítica] não seria num primeiro momento, ao meu ver, extremamente jornalístico, mas o jornalismo raspa.” Clóvis Domingos

O uso de fontes jornalísticas para construir suas críticas, a presença de jornalistas na equipe, as escolhas estéticas de alguns desses membros para escrever, e o uso posterior de muitas das críticas do projeto como material de divulgação pelos grupos criticados são elementos conjuntos aos quais Clóvis atribui a presença do jornalismo no Horizonte da Cena.

Um horizonte de colaboradores

Em nossa conversa por telefone, Soraya afirma que o Horizonte da Cena sempre teve colaboradores, mas foi apenas em 2017 que a equipe decidiu ampliar e oficializar o leque de críticos-colaboradores do site: “A demanda da classe teatral belo-horizontina, em relação à crítica teatral, sempre existiu. Mas, a partir do século XXI, essa cena teatral de BH começou a fervilhar muito. E eu e Luciana não éramos suficientes para dar conta do Horizonte da Cena, porque o Horizonte nunca nos deu um rendimento, então não conseguíamos dedicar full time”.

A demanda do site aliou-se à vontade da equipe em incentivar a formação de novos críticos na capital mineira; para isso, as criadoras não só construíram parcerias com críticos-colaboradores como também produziram — e ainda produzem — oficinas de crítica teatral.

Em nosso segundo encontro, agora no Café Magazine (localizado na Rua Rio de Janeiro, no centro da cidade), Clóvis confessa que nunca chegou a participar de uma oficina de crítica teatral antes de integrar o Horizonte. Hoje, além das oficinas do site, o crítico também ministra atividades em parceria com outros projetos, como um realizado com o SESC Vitória (ES).

No caso do Horizonte da Cena, as oficinas têm duração mais compacta e menos imersiva, geralmente feitas após um espetáculo que todos os participantes tenham visto, priorizando a reflexão do crítico ao invés das técnicas de escrita da crítica teatral.

Além das oficinas, o site também produz encontros denominados Diálogos Horizontais — espaços nos quais a equipe conversa e reflete com o público e com a classe artística mineira acerca do cenário teatral da cidade. Promovidos uma ou duas vezes ao ano, Clóvis dá mais detalhes sobre a ação: “A gente já fez no SESC, já fez no Cine Horto Galpão, e é aberto para o público em geral e para os artistas. A ideia é mapear alguns espetáculos e, a partir do desejo das pessoas que vão lá, fazemos uma conversa crítica sobre os espetáculos”.

Encontro do último Diálogos Horizontais, ocorrido em setembro/2018 (Foto: Clóvis Domingos/Arquivo pessoal)
Foto do Diálogos Horizontais #3, realizado em setembro de 2017 no Sesc Palladium (Foto: Reprodução/Instagram)

O último encontro do Diálogos Horizontais aconteceu em setembro, época na qual Belo Horizonte sediava o Festival Internacional de Teatro de 2018 (FIT). O Horizonte realizou a cobertura do evento e, de acordo com Clóvis, a iniciativa partiu mais de um interesse mútuo da equipe do que de uma obrigação. “No geral, a gente é convidado a cobrir um festival e ganhamos pra isso, como trabalho”, completa Clóvis.

Dois dias após o encerramento do festival, o grupo promoveu o encontro no Galpão Cine Horto, onde debateram sobre os três espetáculos mais vistos pelo público presente no FIT. Dando preferência de fala à audiência, a equipe do site também elencou as críticas e os pontos positivos de todo o festival. O encerramento se fez com a participação de curadores do FIT, que ali também estavam para receber o feedback dos artistas e do público.

Um horizonte de poréns

Como vimos, a internet reorganizou completamente o mundo de trabalho jornalístico, dando mais liberdade e pluralidade aos profissionais. Entretanto… nem tudo são flores.

Foi o que pontuou Roseli Figaro e Claudia Nonato no texto Novos “arranjos econômicos” alternativos para a produção jornalística (2017), com a popularização da internet e das mídias sociais, os jornalistas tornaram-se multifuncionais e polivalentes, isto é, eles precisam não só desempenhar diversos tipos de funções como também utilizar-se disso a seu favor em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

No texto, as autoras ainda destacam que são poucos os trabalhos que possuem registro na carteira de trabalho (CLT), pois muitos profissionais são autônomos e trabalham a partir do número de projetos desenvolvidos.

Essa precarização vem disfarçada numa lógica empreendedora, que domina o mercado de trabalho e demonstra o espírito do capital contemporâneo: na internet, através de vlogs e blogs, por exemplo, você não precisa seguir os padrões rígidos e comerciais de uma empresa jornalística; você ganha o seu dinheiro livremente, sem a interferência de ninguém e através de produção própria.

“O modo de apropriação dos avanços das forças produtivas na produção e na circulação de bens culturais pelo capitalismo financeiro e informacional altera as formas jornalísticas e, portanto, o trabalho do jornalista. Há uma contradição de fundo: maior possibilidade e facilidade de produção não significam, necessariamente, empregos mais estáveis, relações mais democráticas no âmbito do fazer jornalístico, nem mesmo material de maior qualidade destinado ao público. Por outro lado, cria-se uma reserva potencialmente transformadora de canais e formas de produção da notícia. Esse novo potencial tem por desafio viabilizar-se social, cultural e economicamente.”

No Horizonte da Cena, é possível observar essas contradições presentes na era informacional contemporânea. Para além do site, grande parte da equipe possui outra profissão. Soraya, por exemplo, trabalha no SuperFC; já Clóvis atua com crítica teatral para outros veículos e também na área acadêmica.

“Assim como o jornalismo das grandes empresas está em crise, esse formato na internet ainda não consegue se viabilizar financeiramente. Além disso, a gente nunca conseguiu aprovar um projeto no Lei de Incentivo à Cultura para manutenção, e muito menos captação de recursos na iniciativa privada” Soraya Belusi

No Brasil, além da Lei Rouanet, que é federal, cada estado possui leis próprias para incentivo fiscal e cultural. Em Minas Gerais, por exemplo, tem-se a Lei Estadual de Incentivo à Cultura.

Além da falta de retorno financeiro do site destacada por Soraya, Clóvis Domingos ainda cita a dificuldade em ter apoio de eventos os quais participam como críticos pelo Horizonte da Cena. Em nossa conversa, Clóvis afirma que muitas vezes os críticos do site cobrem as peças teatrais de forma independente, isto é, eles mesmo compram os ingressos, o que acaba limitando o número de espetáculos assistidos.

Consequentemente, muitas peças que poderiam ter sua crítica produzida e publicada, acabam inviabilizadas por conflitos com outros trabalhos da equipe ou pelos custos sem retornos financeiros que os eventos podem representar.

Apesar dessa dificuldade, o trabalho no Horizonte é encarado como uma porta de entrada para que trabalhos remunerados cheguem até os críticos da equipe. Clóvis afirma que, para ele, “o Horizonte é um horizonte” para que seu trabalho como crítico ganhe visibilidade e reconhecimento na cena teatral belo-horizontina. Dessa forma, ainda que o lado financeiro tenha certo peso, os críticos encontram equilíbrio entre o prazer e a necessidade de se praticar o ofício.

Quando perguntado sobre a recepção do público em relação às críticas, Clóvis nos conta sobre um episódio no qual a opinião do grupo não foi bem-vinda: “Eu escrevi uma crítica recente pro Festival de Curitiba. E aí o grupo [da peça criticada] me marcou no Facebook e fez uma contra-crítica. Me deu uma aula, meio que falou: ‘na verdade era isso aqui, você não entendeu direito’. Mas eu acho que é isso mesmo, acho que a crítica também tem esse lugar de incomodar. Eu sei que eu fui super respeitoso na crítica, mas não deixei de apontar o que para mim era problemático no trabalho”.

Depois de discutirmos bastante sobre, Clóvis, Daniel, Diego e Marcos entram em um acordo: não, as reações negativas não têm tanta frequência assim.

Essa “boa recepção” por parte da cena artística nos leva a algumas reflexões. Como dissemos anteriormente, o site não segue as regras da crítica jornalística, logo, a atribuição de estrelas ou dizer se a peça é “boa ou ruim” não é a intenção da equipe do Horizonte da Cena. Assim como lembrado por Soraya, o site se coloca muito mais como um espaço de pesquisa e reflexão teatral.

Logo, embora seja possível citar casos isolados, os artistas geralmente recebem bem as críticas do site pois elas não possuem o intuito de taxar regras e sim refletir sobre o fazer artístico.

(Foto: Reprodução/Facebook)

Em nossa conversa no Café Benzadeus, Marcos Alexandre, crítico-colaborador e professor do curso de Letras da UFMG, fez questão de enfatizar que escreve quando aprecia a peça. “[…] Eu não sou crítico, eu sou um cara que escreve sobre o que gosta.”

(Foto: Reprodução/Facebook)

Já Diogo Horta, crítico-colaborador e mestre em Artes pela UFMG, diz que faz críticas sobre apresentações que não gosta, mas ressaltando os pontos que achou interessante. Para Diogo, “escrever sobre o que não gosta” é enxergar o potencial individual da arte e, possivelmente, para poder contribuir com mudanças no espetáculo.

Embora torne possível uma relação mais horizontal entre crítica e classe artística, a produção do site ainda acaba limitada ao meio. Em outras palavras, mesmo que esteja presente na internet, espaço no qual é possível alcançar um número de leitores maior e mais diversificado, notamos que ainda existem barreiras em levar este conteúdo para um número mais diversificado de pessoas.

Por exemplo, o trabalho mais concreto realizado pelo projeto, os Diálogos Horizontais, possui uma maior presença de artistas e produtores em suas ocorrências do que do público consumidor leigo de teatro.

No entanto, ao trabalhar num território tão reservado, o Horizonte da Cena se destaca pela unicidade. Os membros se colocam em uma posição de pioneirismo em relação ao que empreendem — se dizem a única iniciativa que trata exclusivamente da cena teatral -, e admitem certo reconhecimento no meio artístico de Belo Horizonte.

Em seis anos de existência, o projeto se diz o único site especializado em crítica teatral em Belo Horizonte. Segundo Clóvis, é possível encontrar páginas e portais mineiros que possuem colunas sobre teatro, como o Culturadoria, mas não um veículo que se destine exclusivamente ao teatro de forma aprofundada como o Horizonte da Cena.

O crítico mede essa referência e autoridade que o site tem a partir do trânsito que ele e os demais integrantes da equipe possuem no meio artístico. Neste, recebem pedidos de críticas, convites para assistir peças, além de ouvirem comentários sobre os trabalhos.

Nas redes sociais, Clóvis também relata o feedback que ilustra a notabilidade do Horizonte: recebe mensagens e solicitações de amizades de pessoas de outros estados elogiando o seu trabalho e o do site, apontando-os como inspiração. Ele credita esse alcance à presença do projeto para além de Belo Horizonte, já tendo cobrido eventos em São Paulo, Curitiba, Vitória, Salvador e outras localidades.

O horizonte alcançado por nós

O contato com o conteúdo e com a equipe do Horizonte da Cena nos permitiu conhecer e adentrar uma vertente do cenário cultural belo-horizontino que não era comum a nenhuma de nós: a teatral. Apesar da estrutura da crítica jornalística nos ser familiar de outras áreas, como do cinema e da música, a exploração do gênero no âmbito teatral possibilitou diversos tipos de questionamentos.

Sem dúvidas, o modo de veiculação das críticas é o principal ponto de reflexão. Com a internet, o conceito clássico de crítica torna-se mais híbrido, como uma mistura entre o produto jornalístico padrão e os novos formatos de texto e de leitura. Esse fenômeno dá mais liberdade criativa ao autor, mas também torna o leitor mais exigente. Na era em que algo que não caiba nos 240 caracteres de um tweet já é automaticamente descartado pelo nosso cérebro, o grande desafio é atrair e manter o público.

Além disso, a democratização do acesso à informação trazido pela internet é uma faca de dois gumes para quem produz conteúdo: ao passo que é mais fácil colocar seu produto no ar, também é cada vez mais difícil dar visibilidade a ele em meio ao bombardeamento diário de informações.

Para além da questão de reconhecimento, o fator financeiro tem peso quando se fala em trabalhar como crítico em plataformas online. A má remuneração do serviço, principalmente para meios independentes e pouco conhecidos, faz com que os críticos tenham que realizar trabalhos para além do site, buscando uma renda fixa ou ao menos estável.

No entanto, como apontado por Clóvis Domingos durante nossos dois encontros, o Horizonte da Cena atua como uma porta de entrada para outros projetos, muitas vezes remunerados e que não chegariam sem a visibilidade garantida pelo trabalho feito “voluntariamente”.

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