Como fortalecer a cultura de Design em empresas B2B
Através da dinâmica Design Critique
Cada vez mais a comunidade de design discute sobre como melhorar a performance dos times e como usar as ferramentas e o processo de design para resolver problemas complexos dentro e fora das organizações.
A comunidade brasileira, em especial, tem crescido e ousado a adaptar essas ferramentas e processos, de acordo com a sua própria realidade e desafios.
Enquanto designer, eu também tenho buscado implementar esses recursos no meu dia a dia, a fim de engajar o time e entregar melhores soluções.
Nesse artigo, vou compartilhar a nova dinâmica que estamos inserindo no processo de design da Bionexo: a Design Critique.
Contexto
Antes de falar sobre a Design Critique, acho importante trazer o contexto e falar um pouco sobre a empresa; sua história, características e desafios.
A Bionexo é uma empresa SaaS (Software as a Service), do inglês, “Software como um Serviço”. Fundada em 2000, pode-se dizer que a Bionexo carrega uma trajetória relevante na área de tecnologia, sobretudo na área da saúde, que é o seu segmento de atuação.
Nesses 20 anos de história, o mercado de tecnologia cresceu muito, e com esse crescimento tudo ao seu redor foi transformado; desde a maneira como nos relacionamos hoje em dia, através dos smartphones, até a maneira como compramos produtos e serviços.
Por falar em “compra”, o produto principal da Bionexo é justamente uma plataforma onde instituições de saúde (hospitais, clínicas e home cares) viabilizam suas compras, que vão desde alimentos até materiais cirúrgicos de alto custo.
Todo esse tempo no mercado lhe trouxe muita experiência, clientes e uma vasta comunidade no setor da saúde, e tudo isso gera muito valor para a empresa e para seus stakeholders.
No entanto, nem tudo são flores, por estar há muito tempo no mercado, a empresa carrega um legado tecnológico e processual bastante complexo e desafiador. Faz aproximadamente 3 anos que a empresa se definiu, de fato, como uma empresa de tecnologia e, a partir disso, direcionou todos os seus esforços para fazer essa transformação estratégica e cultural.
Mudando a estratégia e a organização
Diante desse cenário de transformação, a empresa compreendeu a necessidade de repensar a maneira na qual desenvolvia seus produtos. Assim como muitas empresas brasileiras, a Bionexo se inspirou no modelo organizacional do Spotify, organizado por tribos e squads.
Além da organização, metodologias ágeis foram implementadas, a fim de trazer mais eficácia e fluidez aos processos, e os OKRs (Objectives and Key Results) como sistema de objetivos e indicadores estratégicos e de performance.
Pode-se dizer que o cenário estava favorável para melhorias nos produtos, bem como, para todos que atuam diretamente sobre eles, como design e tecnologia. Contudo, a nossa realidade era muito diferente das startups e de outras empresas de tecnologia que estávamos tendo como referência.
Vou elencar algumas dessas diferenças para exemplificar melhor:
B2C vs B2B
Enquanto a maioria das empresas que são tidas como inovadoras e tecnológicas são B2C (business-to-consumer), a Bionexo é B2B (business-to-business), e isso traz aspectos muito diferentes para a concepção de produtos, principalmente nos quesitos burocracia e complexidade.
Área da saúde
Embora seja uma área fundamental na sociedade, a saúde no Brasil é muito deficiente em termos de tecnologia, eficiência, automação e inovação, mesmo quando falamos do setor privado. E tudo isso se reflete na cultura do setor, que é mais tradicional e resistente à mudanças.
Sistema legado
Para as empresas que trabalham com software há muito tempo, é um desafio acompanhar as mudanças, cada vez mais velozes, na área de tecnologia. Além do alto investimento, há uma necessidade constante de manutenção no sistema, transformação de processos, capacitação das equipes e etc. Hoje, com os avanços exponenciais em tecnologia, fica mais fácil se preparar para o futuro, mas 20 anos atrás o mercado era muito diferente e até mesmo as empresas mais inovadoras, não podiam imaginar aonde iríamos chegar.
Cultura
O último tópico, mas não menos importante, é a cultura. As empresas podem se inspirar nos modelos mais inovadores da atualidade, podem mudar a estratégia e a tática, mas quem faz tudo isso acontecer na prática são as pessoas. E as pessoas não mudam de um dia para noite. Então, por isso, muitas vezes é mais fácil começar algo menor, com novos colaboradores e já com essas diretrizes, do que tentar transformar uma grande organização. Nesse cenário, algumas empresas têm criado laboratórios de inovação, aquisição de startups, pilotado iniciativas e etc, como uma forma de começar essa transformação partindo de uma pequena escala.
Mudando a cultura
Fiz questão de detalhar o contexto da empresa, porque percebo que ainda falamos pouco sobre negócios B2B e suas especificidades. Acredito que ao compartilhar os desafios que outros setores enfrentam, gera-se uma maior compreensão de outras realidades, trocas de experiências, aprendizados e, assim, fomentamos mudanças significativas em nossos contextos de atuação, seja no mercado ou academia.
Produto, Design e Tecnologia
Todas as necessidades e desafios citados anteriormente acabam se esbarrando com as áreas de produto, design e tecnologia, pois elas são as responsáveis diretas pela entrega de valor aos clientes, por meio de serviços, funcionalidades, sistemas e resolução de problemas através do meio digital.
Com tamanha responsabilidade, esses times vivem correndo contra o tempo para fazerem entregas relevantes para os clientes e, nesse processo, buscam constantemente desvendar todo o contexto complexo em que estão inseridos. A curva de aprendizado não é rápida, e podemos dizer que o processo de discovery é uma constância, e isso é positivo.
Se manter nesse constante discovery de produto é algo que agrega e empodera muito os times. Nada melhor do que ter embasamento e segurança através de pesquisas com os clientes e usuários. Até essa parte, as coisas fluem até que bem, desconsiderando os curtíssimos prazos para as pesquisas, mas os problemas se estabelecem na etapa anterior e posterior ao discovery.
O problema começa antes, quando as motivações e definições são pautadas em demandas já pré-estabelecidas pelos clientes. Nesse cenário, a postura que adotamos é de questionamento. Questionamos o porquê de tudo e aos poucos vamos destrinchando e compreendendo melhor as necessidades e problemas que os clientes desejam resolver. Entender a essência dessas necessidades e problemas é fundamental para alinhar as expectativas e garantir que o discovery não será enviesado, já focado em premissas que não foram investigadas em profundidade.
Depois de ultrapassar a primeira barreira e garantir que o discovery seja conduzido de maneira mais imparcial possível, o próximo desafio se encontra logo após a sua conclusão; no momento de gerar insights a partir das pesquisas, definir um mínimo produto viável e começar a desenhar a solução. Nesse processo, muitos artefatos e documentos são gerados, mas é uma dificuldade estruturar uma documentação que seja de fácil acesso e utilidade no futuro. O tópico documentação é assunto para um outro artigo, mas é um problema que nós estamos debruçados no momento, testando formas de resolver.
Fortalecendo a cultura de design
Dentro de todo contexto apresentado, o time de design tem sido uma força motriz de transformação cultural na empresa.
Nos últimos 2 anos, o time triplicou de tamanho; se apartou da área de produto, ganhando sua própria gerência; implementou testes de usabilidade para validar a solução antes do desenvolvimento; implementou design sprint para resolver problemas complexos em um curto espaço de tempo; criou seus princípios de design, fundamentos que embasam as decisões de design do time; começou a construção de seu design system; e por último, mas não menos importante, implementou a dinâmica conhecida como design critique.
Design Critique
A design critique é uma cerimônia onde um designer compartilha um projeto em andamento, um outro facilita a dinâmica e os demais dão feedbacks. Os objetivos e benefícios dela são:
- Dar visibilidade do trabalho para o time
- Exercitar apresentação, argumentação e storytelling
- Integrar mais o time e os produtos
- Avaliar inconsistências de componentes (um ótimo suporte para a manutenção do design system)
- Aumentar a segurança emocional do time
- Fomentar a cultura de colaboração e design
- Estabelecer um processo de qualidade antes da entrega
Muitos são os benefícios da design critique, mas os 3 motivos principais que nos levaram a inseri-la no nosso processo, foram:
- Integrar mais o time e os produtos
- Avaliar inconsistências de componentes
- Fomentar a cultura de colaboração e design
Para termos clareza dos nossos objetivos, ao aplicar a dinâmica, foi importante fazer uma leitura do momento. Entender quais eram as lacunas do nosso processo atual, o que gostaríamos de melhorar e as necessidades mais estratégicas, que miram para o futuro. Colocar o time em perspectiva foi um ótimo exercício para o nosso crescimento profissional e também um jeito de fomentarmos a cultura de design.
Antes de buscar implementar uma nova ferramenta, dinâmica ou processo, um exercício válido é refletir profundamente sobre o problema. Da mesma maneira que no processo de design nós não colocamos a solução à frente do problema, é importante aplicar esse princípio com o time. Às vezes na correria do dia a dia, não paramos para refletir sobre os nossos próprios processos e ficamos ansiosos para usar o último framework do momento, sem ao menos saber se ele faz sentido para o problema que queremos resolver.
Depois de entender os problemas que gostaríamos de resolver, começamos a pensar em como poderíamos resolvê-los e, a partir disso, eu iniciei uma pesquisa sobre o tema. Anteriormente, um outro designer do time já havia mencionado essa dinâmica e eu fiquei muito interessada na proposta.
Uni esse interesse sobre o assunto e comecei a pesquisar. Li alguns estudos de caso, que estão nas referências no final deste artigo; falei com colegas designers de outras empresas, que tinham experiência com a design critique; reuni todo o conteúdo da pesquisa em uma apresentação para o time e, então, sugeri maneiras de implementar.
Ao apresentar o conteúdo, o time ficou bastante interessado em testarmos a dinâmica, e assim começamos! Marcamos uma agenda, um designer se habilitou a compartilhar o seu projeto, eu seria a facilitadora e os demais ficariam responsáveis pelos feedbacks.
Na preparação da dinâmica, eu estruturei um roteiro com os horários definidos para cada etapa, criamos um arquivo no Figma, o template está disponível aqui, com o projeto que seria avaliado e com todas as informações pertinentes.
Resultados
A maioria do time nunca havia participado de uma design critique. Por isso, estávamos ansiosos e com muita expectativa no encontro. Eu, como facilitadora, também tinha receio de que o time não engajasse e que o momento dos feedbacks pudesse gerar algum tipo de desconforto. Mas, para minha feliz surpresa, o encontro foi maravilhoso! Todos participaram, deram feedbacks muito relevantes, a apresentação do projeto ficou bem clara também e, ao que tudo indica, a facilitação foi fluida, esclarecedora e organizada.
O encontro gerou muitas discussões sobre design de interface, componentes, estilos, maneiras de se pensar um problema, produto e etc. Foi realmente muito assertivo separar 1h30 do nosso dia para conhecer um pouco mais sobre outro produto, com seus desafios e oportunidades. Além disso, concluímos que os nossos 3 objetivos principais com a design critique, foram atendidos e superaram as nossas expectativas. Realmente foi muito proveitoso construir de forma colaborativa e queremos continuar nesse caminho. Sempre abertos para iteração, melhorias e mudanças em nossos processos. Dessa forma, todo mundo ganha e damos mais um passo para fortalecer a cultura de design dentro da organização.
E você, o que tem feito para fortalecer a cultura de design? :)
Referências
Design critique: 4 passos para começar
Design critique, o segredo para segurança emocional de designers — UXConf 2018