Foto: Les Films du Losange via AdoroCinema

Chloé Zhao: diretora chinesa é favorita na temporada de premiações com Nomadland

Gabriela Caputo
Lado M
Published in
8 min readApr 24, 2021

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“Nomadland, em sua essência, para mim, é uma peregrinação através da dor e da cura. Portanto, para todos que passaram por essa difícil e bela jornada em algum momento de suas vidas, isto é para vocês.”

Foi com estas palavras que a diretora, roteirista e produtora chinesa Chloé Zhao agradeceu ao prêmio de Melhor Filme Dramático por Nomadland (2020) no Globo de Ouro, em 28 de fevereiro. Zhao também foi vitoriosa na categoria de Melhor Direção, fato responsável por torná-la a primeira mulher asiática a levar a estatueta, e segunda mulher na história da premiação — Barbara Streisand foi a primeira, em 1984.

A chinesa é uma das indicadas à Melhor Direção na 93ª edição do Oscar, que acontece neste domingo, 25 de abril. Zhao está ao lado de Emerald Fennell, diretora de Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020). É a primeira vez na história do Oscar que duas mulheres concorrem na categoria, e Zhao é a primeira mulher não-branca a ser indicada ao prêmio. Ela também compete às estatuetas de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Montagem.

Zhao está em uma posição memorável. Além do Globo de Ouro, foi a segunda mulher a vencer o prêmio do Sindicato dos Diretores da América (Directors Guild of America Awards), e repetiu o feito no BAFTA (British Academy Film Awards): primeira mulher asiática e segunda mulher a levar a melhor direção, além de melhor filme. Após a série de vitórias, a cineasta tem sido destacada pela mídia como a mais forte aposta para o Oscar.

De Pequim ao oeste estadunidense

Chloé Zhao, nascida Zhao Ting, em Pequim, na China, tem 39 anos e saiu de seu país ainda na adolescência para estudar em um colégio interno no Reino Unido. Sua mãe trabalhava em um hospital e seu pai era um grande executivo em uma siderúrgica chinesa, a Shougang Group.

Mudou-se posteriormente para os Estados Unidos, onde terminou o ensino médio em Los Angeles. Em seguida, estudou ciência política no Mount Holyoke College, em Massachusetts. Mas foi só um tempo depois que optou pela carreira no cinema, e formou-se pela Tisch School of the Arts da Universidade de Nova York (NYU), onde inclusive teve aulas com o renomado diretor estadunidense Spike Lee. Hoje, mora em Ojai, na Califórnia, com seu parceiro Joshua James Richards, que também é companheiro na profissão.

Chloé queria contar histórias, e quando mais jovem pensava em ser artista de Mangá, mas percebeu não ser tão boa desenhando. Então, foi criar narrativas no cinema, e desenvolveu um modo característico de contá-las. A favorita da temporada apresenta em Nomadland importantes aspectos de sua obra até aqui: temática que retrata o isolado oeste norte-americano e coloca sob os holofotes a história de personagens tradicionalmente abandonados, interpretados por atores não profissionais (ou atores iniciantes), com ar documental e olhar sensível. Belas paisagens que representam uma conexão do ser humano com a natureza também estão presentes.

Apesar de contar com a atriz Frances McDormand, grande nome de Hollywood, como protagonista, Nomadland também traz atores amadores como coadjuvantes. A própria Frances está entre os produtores do longa, que surgiu do encontro entre as duas mulheres: a atriz havia adquirido os direitos de adaptação do livro Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century, de Jessica Bruder e, ao conhecer o trabalho de Zhao, se encantou. A diretora, em certa sintonia, já estava trabalhando em um projeto sobre a realidade dos nômades modernos.

Frances McDormand e Chloé Zhao nas gravações de Nomadland. Foto: Searchlight Pictures via AdoroCinema

A história começou a ser filmada em 2018, com um enfoque diferente do originalmente pensado por Zhao. Nomadland apresenta, do ponto de vista das pessoas mais idosas, a vida dos nômades modernos estadunidenses, que foram atingidos pela desestabilização econômica resultante da crise de 2008.

“Vivemos em uma cultura que celebra a juventude; nós esquecemos o quão importante são nossos anciãos. Em vez de enfatizar sua sabedoria, como fazem muitas culturas indígenas, quanto mais velhos as pessoas ficam, mais descartáveis são.” (Chloé Zhao à Elle UK)

Ainda sobre a representação dos personagens na obra, a cineasta já afirmou que Nomadland pode ser considerado um filme com ideias feministas. “Depende de como você quer olhar para isso. Acho que sempre nos perguntamos: por que John Wayne [ator de clássicos filmes de cowboy] não pode ser uma mulher?”, disse ao South China Morning Post. A mulher costuma ficar para trás, reflete a diretora. “Mas no caso de Nomadland no final, a mulher não fica dentro de casa. Ela entra na perigosa, áspera e bela paisagem, da forma que o homem normalmente faz”.

Seja por verdadeira necessidade financeira ou vocação para a liberdade — ou um pouco de ambos — , os personagens semi ficcionais de Nomadland escolheram fazer de trailers e vans seus lares: os estacionam em alguma localidade no interior do país, encontram trabalhos temporários, e assim buscam sobreviver. São essas pessoas que as lentes de Zhao capturam no longa. Fern, a protagonista, em particular, lida ao mesmo tempo com uma situação de luto.

Os filmes dirigidos por Chloé Zhao até aqui. Imagens: Divulgação

Chloé dirigiu outros dois filmes independentes com semelhanças em suas narrativas: Songs My Brothers Taught Me (2015) e Domando o Destino (The Rider, 2017). O primeiro retrata um jovem que vive na Reserva Indígena Pine Ridge, na Dakota do Sul, Estados Unidos, em um dilema entre mudar-se para a cidade ou ficar com sua família na terra natal. Já Domando o Destino apresenta a jornada de um caubói que tem sua vida e carreira afetadas por um acidente de equitação. O protagonista, Brady Blackburn, é interpretado pelo próprio homem que inspirou a história, Brady Jandreau, o que destaca o trabalho de Zhao com personagens semi ficcionais e atores amadores, atribuindo ar documental a seus trabalhos.

Zhao e os abandonados da América

O interesse da diretora pelos excluídos da sociedade, segundo ela, se deve ao fato de sempre ter se sentido uma outsider, que nunca pertenceu em toda sua vida. Mesmo ao retratar uma região de um país em que não nasceu, Zhao consegue se identificar com as personagens mais do que pode parecer. Em entrevista à edição de fevereiro da New York Magazine, da qual foi capa, Chloé diz se reconhecer no dilema entre o ir e o ficar:

“Acredito que algumas pessoas nasceram para se mudar. Outras gostam de ficar paradas. Sou uma pessoa caseira. Sou descendente de agricultores de arroz. E às vezes, eu quero correr.

Chloé Zhao na capa da New York Magazine. Imagem: Divulgação

Em conversa com o cineasta mexicano Alfonso Cuarón para a Interview Magazine, Zhao explica o porquê do fascínio pelo interior estadunidense, tendo vivido em vários outros lugares ao longo da vida: “Crescendo em Pequim, sempre adorei ir para a Mongólia. Da cidade grande para as planícies, essa foi a minha infância. Passando muito tempo em Nova York, em meus vinte e poucos anos, estava me sentindo um pouco perdida. Eu sempre brinco que, historicamente, quando você se sente perdido, você vai para o oeste. E para mim, ir para o oeste era o oeste de Nova York. É apenas uma parte da América que acho que não sabia nada sobre. Dakota do Sul, por exemplo, é majoritariamente um estado pecuário. A sujeira no chão não foi tocada. Parece antigo e estático. E minha vida tem sido tão transitória e rápida que é uma sensação muito boa quando estou lá, quase como se o tempo parasse.

Estrela em ascensão

Em um de seus trabalhos atuais, Zhao muda de cenário e é a responsável pela direção de um blockbuster: Os Eternos, da Marvel. O longa será um dos filmes da marca com maior diversidade entre os atores e atrizes, e o primeiro a ter uma heroína surda e herói LGBT+. Zhao buscou um elenco que pudesse contribuir com autenticidade a cada um dos personagens.

Notadamente, a cineasta vem chamando atenção na indústria. Na edição de fevereiro da revista de cinema britânica Sight & Sound, o diretor sul-coreano ganhador do Oscar, Bong Joon-Ho, colocou Chloé em uma lista de 20 cineastas que ele acredita que irão moldar a visão do cinema ao longo da próxima década.

O sucesso também fez com que a chinesa se tornasse alvo de críticas em seu país de origem, após algumas entrevistas antigas virem à tona. Em uma delas Zhao teria afirmado que a China era um lugar com mentiras por toda parte, por exemplo. Chegou a ser rotulada como uma traidora, que teria abandonado seu país amparada pela fortuna do pai. A polêmica fez com que a divulgação de Nomadland perdesse força no país, com publicidades removidas e informações sobre o filme retiradas de aplicativos.

Zhao, no entanto, demonstra com frequência que, apesar de viver longe da China há anos, não se afastou de suas origens. Em entrevista recente ao Splash Uol, afirmou que sua cultura e herança são muito importantes e a formaram como contadora de histórias. “Se você olhar bem, muitas das ideias filosóficas que exploro nos meus filmes estão profundamente ligadas a tradições asiáticas, e tradições com as quais eu cresci”, disse.

Zhao com o elenco de Os Eternos, na San Diego Comic Con, em 2019. Foto: Gage Skidmore/Flickr

Após as vitórias no Globo de Ouro, em uma sala de imprensa virtual, a diretora utilizou sua voz para falar sobre os preconceitos e crimes sofridos por asiáticos nos Estados Unidos, apontando a falta de compaixão. “Às vezes sinto que pessoas com tanto ódio, talvez apenas odeiem a si mesmas, e acho que compreender e tentar ver o mundo da perspectiva de outra pessoa é a única maneira de sobrevivermos enquanto espécie”, disse, segundo matéria do South China Morning Post.

Se vencer o Oscar neste domingo, Chloé Zhao dará mais um passo em direção ao hall de nomes que marcam uma nova era da indústria cinematográfica, que, aos poucos, tem entendido a importância das representatividades, nas narrativas e em seus criadores.

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