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Saúde mental e redes sociais: é possível conciliar?

Nina T.
Lado M
Published in
9 min readApr 10, 2019

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Recentemente decidi deletar as redes sociais. Começou com o Twitter e Instagram. Na época, mantive o Facebook porque pensei “não dá para ficar sem Facebook, quem não tiver meu número não vai conseguir falar comigo”, mas talvez isso só fosse uma desculpa. Quem não tem meu número realmente precisa falar comigo?

Não achem que foi só desinstalar uma vez que me fez nunca mais entrar. No começo, deletava só o aplicativo, instalava de novo, entrava pelo navegador do celular. Às vezes me pegava com vontade de entrar e automaticamente já clicava onde o aplicativo ficava no celular e só lembrava depois que tinha deletado. Por vezes reinstalava os aplicativos e voltava, depois de um tempo largava de novo. Aconteceu inúmeras vezes até eu deletar as contas.

“como assim você deletou?”

“não é exagero?”

“você quer voltar para a idade da pedra?”

Essas foram algumas das coisas que eu ouvi.

O motivo de ter deletado foi a perda de tempo e a sensação de tristeza que eu ficava após entrar nas redes sociais — além do meu evidente vício nelas. Comecei a reparar com chamadas de atenção da minha família — o famoso “essa menina não sai do celular” — e também com fato de eu sempre me atrasar quando dormia com o celular do lado da minha cama. Me atrasava para dormir e para sair da cama porque ficava checando as redes sociais. Quando percebia, tinha passado 40 minutos ou às vezes mais.

Fonte não encontrada.

Pessoas ainda me perguntam com estranheza porque eu deletei e muitas vezes eu falhei em me explicar porque sentia vergonha, eu tinha medo de soar muito estranha. Até porque recebi algumas respostas indignadas quando contava.

Uma das coisas que me fez deletar de vez foi uma conversa com a minha psicóloga. Eu sempre acabava reclamando indiretamente das redes sociais, até que um dia reclamei do tempo que perdia com elas e da tristeza que me trazia. Ela perguntou porque eu não deletava, já que sabia que me fazia tão mal. Respondi que me achariam estranha e ela disse “por que você se importa tanto que te achem estranha?” — este comentário me deu coragem para deletar. Não quer dizer que seja fácil explicar para alguém que pergunta por realmente não entender por que alguém deletaria uma rede social — às vezes até por estar presa na mesma armadilha que eu estava.

Um caça-níqueis na palma da mão

Primeiro deletei totalmente o Twitter e o Instagram, e em pouco tempo eu não sentia mais falta. Na verdade parou de ter sentido querer voltar. O Instagram, principalmente, me deixava muito deprimida e não é novidade que esta rede social específica é nociva. Um estudo da Royal Society for Public Health junto com o Movimento de Saúde Jovem indicou que é a rede social mais prejudicial para saúde mental de jovens.

Eu sempre saía de lá ou com vontade de comprar alguma coisa ou me comparando com outras pessoas. Lembro de um dia em que estava no bar com algumas amigas e de repente alguém contou uma piada e enquanto todas estavam rindo, duas ou três levantaram o celular para filmar todo mundo rindo e colocar no stories. Depois entrei no Instagram e estava lá, os vídeos praticamente iguais. Foi um dos dias que me deixou em alerta e me fez pensar se as redes sociais faziam bem realmente.

André Dahmer

Os sistemas de recompensa — likes, corações, etc — também me deixavam ansiosa e triste, além de serem comprovadamente viciantes. Sabe aqueles três segundos até mostrar suas notificações no Instagram? Então, é proposital para te deixar ansioso e depois te dar uma recompensa, como no caça níqueis. Fora a questão da quantidade de likes. Ficava triste quando tinha poucos porque eram poucos. Quando eram muitos, não era o suficiente.

Essa exposição que não era comentada na vida real, ou quase não era comentada, também me incomodava: afinal, qual mundo é real? Por que pessoas que curtem as minhas coisas e até trocam mensagens comigo não me cumprimentam na vida real? Eu estou próxima ou não dessas pessoas? Como agir? Para uma pessoa que já é ansiosa, essa ansiedade a mais pode atrapalhar bastante.

Aliás, o que vem primeiro? A depressão e ansiedade ou o uso das redes sociais? Ao que tudo indica, eles se retroalimentam. Alguém que já é depressivo e ansioso tende a ter uma piora no quadro, e quem nunca apresentou sintomas começa a tê-los.

Linchamento e lacração

Outro incômodo são os casos de linchamento virtual. Ao mesmo tempo que me sentia triste por saber os podres de pessoas que eu admirava, eu também me sentia destruída pelo linchamento e pela lacração posterior em cima destes erros. Tudo para meses depois estes mesmos lacradores aparecerem em relatos e prints de conversas, sendo acusados. Minha decisão de sair do Twitter aconteceu depois de um desses ciclos cansativos. Recentemente aconteceu o caso de um senhor que fazia slime, que depois de começar a fazer sucesso, foi acusado falsamente de ser pedófilo.

Alexandre Beck

Por mais de uma vez vi pessoas que concordavam discutindo como se discordassem, em conversas inúteis e sem fim que provavelmente faziam mal para as duas partes — e para quem estava assistindo o espetáculo deprimente. E mesmo quando discordavam, será que as pessoas tinham desaprendido a discordar ou nós sempre fomos autoritários desse jeito e estávamos vivendo uma paz armada? De qualquer jeito, a distância da Internet deu mais impulsividade e coragem para falar besteira e ter menos empatia nas discussões.

Uma pesquisa feita com parceria entre a universidade de Stanford e a NYU teve resultados interessantes: usuários que ficavam sem entrar no Facebook tinham maior capacidade de empatia em relação às opiniões políticas opostas. Quando só se tem contato com conteúdos que vão de acordo com a própria opinião, fica mais difícil entender o outro lado. Os pesquisadores também chegaram à conclusão de que as pessoas que ficaram um mês sem a rede social se sentiam mais felizes e menos ansiosas.

Falta de privacidade

Como disse, mesmo depois de deletar o Twitter e Instagram eu mantinha o Facebook. Acabei deletando em 2018 porque recebi uma mensagem avisando que algumas informações minhas tinham vazado.

Andrício de Souza, Revista Piauí de junho de 2018

Honestamente, só a questão do desrespeito à privacidade dava um texto enorme. É um escândalo que até o momento não chegou ao final e parece ter consequências políticas sérias. Até agora o caso de vazamento de informações para a empresa Cambridge Analytica não foi totalmente esclarecido. As suspeitas é que estes dados foram utilizados para influenciar eleitores na eleição do Trump e no referendo sobre o Brexit.

Acabei recriando o Facebook de novo, infelizmente, porque ainda não existe uma ferramenta de eventos, grupos de discussão e de trabalhos com tantos usuários. Mas até agora tenho conseguido manter um uso bastante limitado. Sigo apenas páginas referentes a estudos e trabalho, dei unfollow em todos meus amigos (desculpa, gente). A vantagem é que depois de ficar tanto tempo sem o Facebook, acabo esquecendo de entrar. Ainda é possível que meu vício volte, mas ficar por fora até de oportunidades de trabalho é difícil.

Mulheres e redes sociais

Sabemos que ser mulher e homem não é igual na Internet e nas redes sociais. As consequências de vazamentos de fotos e vídeos íntimos são bem diferentes nos dois casos, causando inclusive o suicídio de mulheres. Os casos de assédio e tratamento diferente em jogos online ou em diferentes plataformas também mostram que a internet, assim como o mundo, não é segura para mulheres.

Uma pesquisa feita pela University College London (UCL) com 11 mil adolescentes do Reino Unido confirmou que as meninas são as que mais utilizam as redes sociais. 40% das entrevistadas declarou usá-las por mais de 3 horas diárias, enquanto 20% dos meninos afirmou o mesmo. Além disso, 25% delas apresentaram sintomas relacionados à depressão. Quando se trata das respostas dos meninos, o número cai para 11%. Os pesquisadores afirmaram que poucas horas de sono, bullying online e baixa autoestima são os principais causadores dos sintomas.

A Internet deve ser um meio de pressão, de se conversar livremente e de se organizar. Nós precisamos aprender a fazer isso sem cair em julgamentos excessivos que afastam as pessoas das ideias que defendemos

Mas não quer dizer que a Internet e as redes sociais tenham sido de todo ruim para as mulheres. É certo que elas tiveram um forte papel na disseminação recente de ideias feministas. Eu mesma busquei ajuda e conhecimento em grupos de Facebook muitas vezes e acredito que inúmeras mulheres que nunca teriam acesso às ideias feministas acabaram tendo um primeiro contato pela Internet. O movimento recente do #MeToo é outro exemplo importante sobre como a Internet acabou sendo um lugar onde as mulheres poderiam contar seus relatos já que, por vezes, não puderam fazê-lo através de órgãos governamentais que deveriam defendê-las. Nem preciso comentar como a delegacia da mulher é complicada no Brasil, né?

Mas eu também já vi muitas vezes o movimento feminista cair na onda de linchamentos virtuais e de lacração que já mencionei acima. É muito importante não confundir os linchamentos das denúncias de pessoas que nunca foram ouvidas, eles são bem diferentes entre si. Justamente, a Internet deve ser um meio de pressão, de se conversar livremente e de se organizar. Nós precisamos aprender a fazer isso sem cair em julgamentos excessivos que afastam as pessoas das ideias que defendemos.

Eu não condeno quem perde a cabeça e entra nessa onda de comentários tóxicos, eu mesma já fiz e entendo. Quando depois de anos sendo assediada e tratada como inferior você percebe que não são casos isolados que aconteceram com você, você se sente injustiçada. Fizeram você acreditar a vida toda que você era a culpada pelas violências que passou. E que este comportamento por parte dos homens era aceitável e normal. Você sofre com isso diariamente e ouve e vê casos o tempo todo, e pior ainda, há pessoas fazendo isso continuamente e não sofrendo nada por esse comportamento. É normal sentir raiva e querer justiça e vingança.

O problema é que o mesmo anonimato que deu voz a mulheres, também deu anonimato para trolls e grupos de ódio. Não foi só o feminismo que cresceu, mas também movimentos de extrema direita, que inclusive estão ganhando eleições e tendo cada vez mais representação política de diversos países do mundo. É neste ponto que entram duas questões envolvendo linchamentos e a ascensão desta extrema direita.

A primeira é que feminismo e a defesa dos direitos humanos não podem estar em contradição. Não significa que vítimas de machismo devem perdoar e andar de mãos dadas com seus agressores, mas entender que ataques pessoais não resolverão o problema. A luta do movimento deve ser por mudanças nas políticas públicas e educacionais, com propostas concretas. Inclusive, como já disse, não se deve culpar mulheres que, abandonadas pelas instituições, protegem-se como podem, mesmo que estes casos sejam uma minoria. A luta por apoio de políticas públicas é justamente para que a vingança não seja um caminho e que o ciclo de violência não tenha continuidade.

A segunda questão é que os linchamentos virtuais não trazem vantagens ao feminismo. Algo que as eleições de 2018 ensinaram é que, mais do que nunca, é hora de ter conversas desarmadas com as pessoas. Talvez não para convencê-las, mas pelo menos para não afastá-las. Fazer com que os outros criem resistência as nossas ideias não irá nos ajudar no momento.

O problema é que a busca por conhecimento sobre ideias feministas pare no virtual. Movimentos como o #MeToo fizeram com que órgãos de justiça tomassem atitudes, como aconteceu no caso do líder espírita João de Deus e é fato que questões envolvendo mulheres estão sendo muito mais pautadas por causa do chamado feminismo de internet. É assim que as redes sociais devem ser utilizadas: como um meio e não como um fim.

É possível conciliar saúde mental e redes sociais sendo mulher? Este não é só mais um espaço para sofrer possíveis violências? Infelizmente, a resposta não está dada, mas é uma realidade da qual não podemos fugir. A Internet e as redes sociais não desaparecerão. Então cabe a nós aprendermos a usá-las ao nosso favor.

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