Espaço de Respiro & Ativação

Quando o vazio ocupa um espaço crucial no seu zine de RPG

Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun
7 min readAug 28, 2019

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Uma das formas de dar uma cara profissional para o seu zine (seja livreto ou panfleto) é dando espaço para o texto respirar, também conhecido como espaço negativo. É aquele lugar onde em tese não há nada. Uma entrada de capítulo igual a que vemos na imagem acima é um deleite em tanto e a maioria de nós (acredito eu) curtiria que seus zines tivessem esse impacto visual. O único problema é que isso é um baita desafio, uma vez que somos ensinados desde a infância a ocupar o máximo da folha de papel com nossos textos. O próprio programa Word vem com sua configuração padrão usando linhas com caracteres demais (já falamos disso aqui). Para lhe ajudar vou tentar explicar como que o espaço negativo funciona nos objetos editoriais impressos. Essa é uma explicação simplista e escrita para não-designers. Se você quiser se aprofundar no tema, no fim desse artigo eu cito o livro onde adquiri esse conhecimento. Vamos nessa.

Papel antes. Computador depois.

Para alcançar páginas elegantes e visualmente impactantes existe um método. Você tem que esboçar e tentar ideias diferentes num papel antes. Faça pequenas paginazinhas simulando o que imagina para o seu zine. Nesse ponto não tem como ser mais low prep do que isso: pegue um caderno e comece a rabiscar. Faça umas cinco ideias de cada e compare para ver o que funciona melhor. Ele deve ficar mais ou menos como essa imagem que você está vendo aqui embaixo.

Onde for ter texto, desenhe linhas.
Onde for ter imagens, você esboça a imagem ou um quadrado com um X. Onde for ter títulos, deixe claro que aquilo é um título.

Uma boa dica é você planejar as páginas igual a pessoa aqui em cima fez: em duplas. A menos que você apenas vá disponibilizar um pdf (que é lido uma página de cada vez), todos os seus leitores vão se relacionar com as páginas duplas em vez de com páginas individuais. A experiência do leitor é olhando para as páginas abertas. Use isso a seu favor. Veja que o(a) designer que desenhou as páginas acima planejou imagens que ocupam espaço nas duas páginas em algumas projeções. Isso significa que ele(a) usou a ergonomia do olhar humano a favor do objeto editorial dele(a).

Você vai perceber que é muito mais rápido e divertido desenhar isso num caderno e planejar antes de passar para o computador. Você pode fazer isso em um café ou enquanto aguarda sua senha chegar no banco. Basta andar com um caderninho por aí. Quando a gente planeja as páginas antes, temos uma visão mais panorâmica da cara que nosso zine/panfleto vai ter. No começo pode ficar meio tosco, mas não se preocupe: é uma questão de prática até que você comece a ter ideias muito doidas e excitantes para seus layouts.

Tudo é mensagem

Há uma coisa que você precisa entender na hora de pensar como vai ser uma página do seu zine: Não existe separação entre texto e imagens. Na prática ambas comunicam mensagens, apenas de maneiras diferentes. Pense que o texto é um bloco cinza. Daqui pra frente vamos chamar o texto de mancha tipográfica, ok? Tanto a mancha tipográfica, quanto as imagens, ocupam um lugar e, consequentemente, criam um peso visual na sua página. Para uma página ficar agradável de ser lida ela precisa de um terceiro elemento: o vazio, ou para os mais íntimos, espaço negativo. Ele equilibra o peso produzido pelo espaço positivo (mancha tipográfica e imagens). Para que isso aconteça, você tem que pensar que ambos os espaços (positivo e negativo) devem ocupar mais ou menos a mesma proporção, 50/50.

Hora do exemplo: olhe a página abaixo e vamos analisá-la.

Note que na página da esquerda nós temos um grande espaço de respiro (negativo) na área do titulo. Ele contrasta com o bloco de foto ocupado na página da direita, na mesma linha horizontal do olhar. Para equilibrar visualmente, o designer ainda colocou um numeral 3 gigante na esquerda.

A página da direita, por sua vez, tem três colunas de texto e um mega numeral 80 no centro. Como equilibrar isso? Na página da esquerda temos três colunas, mas apenas duas delas com texto. Uma contém apenas a foto do autor, também em preto e branco para conversar com a foto da cidade na outra página. Abaixo dele? Vazio, um lindo vazio.

Vê como há um equilíbrio visual entre os elementos das duas páginas? Você deve estar se perguntando como você saberá se está equilibrado ou não e aqui vem a mágica do design editorial: você não saberá, até saber. Será preciso praticar isso muitas e muitas vezes. Ser duro consigo mesmo a ponto de procurar o que poderia melhorar… ao mesmo tempo que humilde ao entender que finalizar um projeto é o caminho para melhorar nos outros. Todo mundo tem um começo e o seu é tão bonito (e trash) quanto o meu um dia foi. Com o tempo seu olhar vai ficando mais afiado para as proporções e você vai conseguindo equilibrar as páginas com mais e mais maestria.

Vai por mim.

Ativando o espaço negativo

Para terminar nossa breve lição, aqui vem a parte mais profunda e teórica do conhecimento. Respira fundo e vamo’ nessa.

Imagine que você tem uma folha A4 em branco

No meio dessa folha você desenha uma linha preta. A gente é ensinado que essa linha acrescentou escuridão no papel, mas isso está errado. Sim, a linha preta acrescentou luz no papel branco. Porque antes dela o papel em branco era a não-informação, um quarto sem luz alguma onde nada pode ser identificável, sequer dá pra saber que é um quarto. Quando você desenhou a linha preta no meio da página é como se seus olhos tivessem se acostumado com o escuro do quarto e começassem a captar aqueles resquícios de luz que definem os objetos ao seu redor, ainda que bem pouco. Quando o quarto estava sem luz ele era como um papel completamente em branco, onde você não vê nada. Você começa a perceber que a luz chega quando passa a percebê-la por sua projeção nos móveis e apenas aí passa a entender que está e um quarto. Talvez você não saiba até onde o quarto vai, mas sabe que logo ali tem uma cama.

Antes da cama não existia um quarto

Isso mesmo que quero dizer: antes da linha não existia uma folha de papel. Só existia papel. Doido, né? A linha fez com que você percebesse as extensões e limites da folha. Se você desenhá-la no centro terá uma sensação. Se desenhar no canto inferior direito, terá outra. Isso é o que chamamos de

Ativação do espaço negativo: Quando a informação presente nos faz perceber o contexto em que ela se encontra.

Para dar um exemplo prático disso funcionando, nada melhor do que voltarmos para a nossa imagem inicial do artigo. Aqui embaixo, postei de novo pra você.

Tem algumas coisas acontecendo nessa página e eu tomei a liberdade de te mostrar por baixo dos panos o que os designers fizeram. Olha aqui embaixo:

Como você pode perceber a página dupla é dividida por uma linha diagonal ascendente. A parte de cima é repleta de tons escuros por conta das árvores e a parte de baixo é um quarto-no-escuro aguardando ansiosamente seus móveis, por conta da neve. Um grande bloco de texto faz o quarto existir, mas o que me chama a atenção é tudo o que não é texto. Lá em cima você vê que há um poste do teleférico quase que sozinho no meio do branco. Ele está ali para ativar a informação e você perceber que é neve. Note que o esquiador também tem a função de gerar essa tensão visual definidora de limites no meio da neve em movimento. Por último, lá no cantinho superior esquerdo a gente vê uma frase deixada pelos designers. Essa frase está ativando esse espaço.

Bem vindos ao maravilhoso mundo do design

Eu sei, parece maluquice pensar que alguém passa todos os dias da vida pensando esse tipo de coisa. É isso que os designers (e eu sou um deles) fazem para pagar seus boletos. É mais fácil alcançarmos um minimalismo elegante se a gente compreender como que o Todo se relaciona e é responsável pela definição do que é o mínimo. Essa lição terminou bem pesada e não se culpe se quiser ler ela toda novamente. Leva um tempo para digerir esse tanto de conceitos mesmo. Tem anos que eu to tentando, hehe.

Como prometido lá em cima, aqui vão algumas leituras que acho que abrem pra sempre a cabeça da gente nessas questões de espaço e mensagem.

Sinais e Símbolos — Adrian Frutiger

Esse é um livro de semiótica da imagem que você não precisa ler ele todo, a princípio. Se você ter as primeiras dez páginas, já dá um caldo bom pra matutar por um bom tempo (quiçá pela vida). A ideia do quarto-escuro veio das primeiras páginas dessa belezinha.

A Forma do Livro — Jan Tsichold

Esse é o clássico absoluto do design editorial. O Jan Tsichold foi o designer responsável pelo icônico design de capas da Penguin Classics por uns 30 anos. Lições objetivas e na mosca sobre física dos objetos editoriais

Drawing for Graphic Design —Timothy Samara

O conceito de ativação do espaço negativo foi tirado desse livro que, em tese, é sobre desenho. É um livro incrível daqueles que fica na cabeceira da cama para consulta.

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Guilherme Gontijo
Lantern’sFaun

Designer, escritor, amante de terror e ficção científica, cristão