Quando me encontrei Em Parte e em pedaços eu escrevi

Jairo Arruda
Leia e Conte
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5 min readFeb 20, 2020

Não sei se escrevi um conto. Uma oração. Uma carta. Ou um texto com apenas palavras singelas, de um coração que sentia-se incompleto, imperfeito e inconformado mas que encontrou renovo. Minha parte é agradecer.

Mirror On Hand by Lisa Fotios

Em Parte e uma Inteira interpretação da canção diluída no meu viver

Em parte é uma música do Marcos Almeida — ouça ela antes de prosseguir.

Marcos Almeida escreveu sobre ela no seu insta:

“Sei onde me refugiar.
Quem vive com a própria luz e se aquece com o próprio fogo, logo se encontra em desespero quando chega a noite, quando a lenha acaba, quando a sua lâmpada apaga.
Mas aquele que desconfia da sua própria energia, sabe pra onde correr quando a vida lhe angustia, quando as trevas invadem seu quarto.
Luz! Que vem de fora! Um farol. Uma estrela guiando a gente no deserto.
Olhar só pra dentro é o maior desperdício, o poeta já cantou. Mas, quando miro lá pra fora, em quem posso me agarrar?”

Todas as músicas do Marcos Almeida tem um viés poético que fazem a amarração e que provocam um questionar. Dificilmente você entende de primeira. Ouvir Marcos Almeida exige tempo e repetição. Diria que três vezes no mínimo cada música. E mesmo assim, a cada vez que ouço, novas coisas surgem.

É um repertório espiritual demais para uma música secular e secular demais para uma música religiosa.

— uma definição dada pelos próprios amigos do cantor.

Isso é Marcos Almeida, o artista da Nossa Brasilidade — que em 2014 escrevia no seu Blog: Qual modelo de artista temos para imitar no Brasil? Ao menos para nos inspirar? Seu texto é como uma convocação, um pedido de ajuda e anseios que ainda continuam atuais.

Quando me descobri artista brasileiro

Eu escrevo música como um artista brasileiro, mas não quero fazer isso seguindo as trilhas espirituais e ideológicas que temos hoje. E nesse espaço que abri na internet, o Blog Nossa Brasilidade, é como se eu tivesse investigando um caminho de mentores — uma tradição espiritual pra me filiar. Estou o tempo inteiro procurando um mestre, um maestro, um modelo imaginário que seja!

Mas ainda não encontrei quem eu gostaria de imitar quando descobri que sou um artista brasileiro e não um artista da religião evangélica. Eu admiro muito o Bob Marley (Jamaica) , o Bono (Irlanda), Stevie Wonder (USA), Johnny Cash (USA), mas olhando pra cá, me faltam esses mentores/modelos. Sim! Temos o Roberto Carlos, Nelson Cavaquinho, Elomar Figueira de Mello e milhares de canções que tocam aquilo que vejo neste mundo — e são essas canções a comprovação de tanta coisa falada aqui. Mas esses artistas não são exatamente aquilo que eu gostaria de ser. Sim! Temos Tasso da Silveira, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Quintana, Adélia! Ah, temos Adélia! Mas, onde está a trilha da música pop que nos deu uma música brasileira realista, ungida, generosa, exuberante e aberta para o Total?

Aqui escrevo tentando formar esse modelo imaginário… Escrevo como que construindo categorias para a confecção de uma plataforma que sustente uma nova canção. Estou procurando respostas…

Marcos Almeida

Vila Velha, ES.

Os comentários são ainda mais interessantes—Vladimir questiona: "Marcos, não acha que você mesmo acabou virando um modelo? Será que esse “maestro” não seria todo o conjunto do que você citou aí?" — Vladimir de Oliveira Souza, 8 de fevereiro de 2014

A importância da música e das pessoas no meu viver

Poderia escrever muito mais sobre a musicalidade brasileira, sobre novos artistas. Sobre o Coletivo Candiero e o resplandecer de uma nova luz. Mas prefiro deixar para uma próxima conversa.

Minha parte hoje é dizer.

“Agora vemos Deus apenas como reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma com que sou conhecido.” — 1 Co 13:12

Em Parte de Marcos Almeida trata disso. Música pra mim tem esse papel. A outra Parte importante são as pessoas. E compreendi um pouco mais sobre isso essa semana.

Irmãos e amigos são Partes de Deus que enxergamos a abraçamos no nosso dia a dia. A comunhão nos ensina isso. Não devemos viver com nossa própria força. Não somos autossuficientes. A beleza da vida é ser parte. Viver em parte. Partilhar e aprender junto com aqueles que estão ao nosso lado.

Um agradecimento a quem faz parte da minha vida

“Eu tenho em parte
A parte que eu tenho é pouca pra mim
Eu quero o inteiro, me quero completo
Eu quero tudo
Eu quero a vida inteira em ti”

Nesses versos me encontrei
Cada palavra eu compreendi e cada letra eu pude sentir
Perder uma parte dói

Meu espelho se tornou pedaços
Encontrei os cacos jogados no chão
A vontade era de chorar, mas faltava lágrimas
Me feri e o desejo era curar cada ferida com meu próprio esforço

Desejei apagar a luz, esconder-se
Abrir uma fresta da janela
Na esperança que o vento viesse confortar
Voltei a ansiar pôr inteiro
Porém em pedaços não consegui falar
Balbuciar palavras desconexas foi a solução
Até uma frase concisa conseguir expressar

Eu tentei cantar
“Eu quero a vida inteira
Eu quero a vida cheia
Eu quero tudo
Até perfeito eu estar”

Entretanto, abri meus olhos e não era um sonho
Me olho e me acho
Em parte, em pedaços
Encolhido, afogado no próprio prazer que me tornou descoberto de mim

Saio caminhar
Exposto a luz do dia e encontro a outra parte
Enquanto tento sozinho, só descobri a culpa e a tristeza
Enquanto ouço um amigo a alegria ressurge

Tento achar que foram palavras
Mas na verdade eram partes
Partes de um renovo, partilhas de graça
Conforto para um caído
Fagulhas para um desesperado e gotas para um sedento

Agora conheço em parte
O Deus que recolhe os meus cacos
Traz paz no que eu faço
Me torna amigo inteiro do outro e de mim

E assim permaneço enquanto ando
Incompleto, imperfeito
Sendo parte, ouvido para o outro
Até que um dia eu seja inteiro
E o veja face a face aquele que sempre esteve junto de mim: Deus.

Essa foi minha interpretação inteira da canção de Marcos Almeida após dialogar sobre a angústia que sentia no meu ser com um amigo.

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E continuo a me desafiar nessa jornada — desenvolver o prazer pela escrita.

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Jairo Arruda
Leia e Conte

Cristão | Designer | Leitor e Amante de Gelatina — Escritor de Cartas e defino o mundo com uma cor: Amarelo.