Sua atenção é mais importante do que seus cliques

Há algo de novo no reino da publicação digital

Leandro Demori
Linguagens e Práticas Jornalísticas
5 min readJun 3, 2016

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O jornal italiano Corriere della Sera reduziu drasticamente a quantidade de matérias divulgadas em sua capa on line. O que antes mais parecia um portal brasileiro (como, aliás, continua sendo seu maior concorrente, o La Repubblica) hoje é um espaço limpo, com respiros de página e destaque aos acontecimentos essenciais do momento.

É uma inflexão na luta pelo clique, que considero um dos principais agentes de corrosão da qualidade do jornalismo na última década. A produção industrial de notícias para atrair usuários eventuais erodiu o tempo de apuração e edição, fazendo com que milhões de reportagens superficiais fossem priorizadas em nome da quantidade.

Em janeiro do ano passado, Ev Williams, fundador do Medium, escreveu:

A primeira semana de janeiro foi a maior da história do Medium — ou, pelo menos, assim poderíamos dizer. Analisando o número de visitas únicas no endereço medium.com, nós arrebentamos. O motivo principal foi um post altamente viral que explodiu em popularidade (principalmente no Facebook). Entretanto, a grande maioria desses visitantes permaneceu apenas uma fração do tempo que o visitante médio gasta em nosso site, além de não terem lido quase nada.

É por isso que, internamente, nossa principal métrica é “TTR” , que significa “Total Time Reading” (Tempo Total de Leitura, em inglês). É uma medida imperfeita do tempo que as pessoas gastam nas páginas das histórias. Acreditamos que é uma estimativa melhor para saber se o público está recebendo retorno do Medium.

Para muita gente, essa forçada de barra do Medium não parecia fazer muito sentido já que a publicidade ainda vivia (e vive) imersa na cultura da quantidade. Rapidamente o mercado parece se readaptar (não só por causa do Medium ou do Ev, é claro). A capa do Corriere é um sintoma em meio a outros.

A recente mudança de algoritmo do Facebook passou a privilegiar posts que tomem mais o tempo do usuário como característica para distribuir conteúdo na timeline. Quanto mais tempo gastarmos lendo aquele textão, mais a plataforma entenderá que é daquele tipo de conteúdo que gostamos ou estamos momentaneamente interessados. É imperfeito, mas faz mais sentido do que medir nossas vontades por cliques aleatórios.

No Medium, nós calculamos que o post ideal tem 7 minutos — são esses que mais prendem atenção dos leitores. É um tempo considerável no mundo digital. Como experiência pessoal e anedótica, acrescento que — apesar da queda de leitura em textos um pouco mais longos que os 7 minutos — as pessoas voltam a prestar atenção quando as histórias se tornam realmente grandes: 15 ou 20 minutos de leitura, ou até mais. O mito de que a internet é um lugar apenas para consumo de comunicação rápida e rasteira talvez não sobreviva a um olhar mais científico.

Tony Halle, da Chartbeat: “A atenção da sua audiência é mais importante do que seus cliques”. À frente de uma empresa de análise de audiência na internet, Tony chama esse paradigma de “Web da Atenção”.

Valorizar anúncios não apenas pela quantidade de cliques, mas pelo tempo e pela atenção que recebem pode ser justamente a salvação que editores de conteúdo de qualidade estão buscando. O tempo é um recurso valioso e escasso na web, e gastamos mais do nosso tempo com conteúdo de qualidade do que com conteúdo ruim. Valorizar a publicidade de acordo com tempo e atenção significa que os editores de conteúdos de qualidade poderão cobrar mais pelos seus anúncios do que aqueles buscam apenas cliques. (daqui)

No Brasil, quem vem se dedicando ao tema é o youPIX, ele próprio um sintoma precoce dessa mudança de paradigma: o site abandonou a ideia de atrair cliques e abraçou a missão de conquistar atenção. Em abril do ano passado eu respondi a um texto escrito pela Bia Granja, fundadora da comunidade. A Bia perguntou: “youPIX no Medium: uma cagada?”. Os leitores questionavam o fato de o site ter abandonado uma suposta audiência gigantesca na internet lá fora para aportar no aqui dentro do Medium, uma plataforma ainda incipiente no Brasil de um ano atrás. A Bia escreveu:

“youPIX fase 1 era pageview, eventões pra milhares de pessoas, celebração, quantidade, eyeballs e viralidade.

youPIX fase 2 é relevância, pensamento, qualidade, engajamento, comunidade, discussão e impacto”

No que eu concordei, e disse em resposta:

A era dos pageviews não acabou, mas delimitou uma zona de atuação bastante específica. Ou você tem milhões de acessos ou não tem nada. É mercado de poucos. Para além disso, outros mundos se abriram. Porque nós não estamos no negócio da quantidade. Como disse o Julian Gallo: nós estamos no negócio da atenção.

(…)

De nada adianta chamar a atenção de alguém por 5 segundos — antes de ele fechar a aba. Por isso a relevância dos números vem mudando, e hoje vale mais o esforço de manter as pessoas ligadas às histórias postadas aqui do que simplesmente trazer toneladas de passantes, indiferentes ao que estamos produzindo.

A economia da atenção leva a um olhar diferente sobre as plataformas digitais de publicação e distribuição de conteúdo, Facebook, Instagram, Snapchat e Twitter à frente. Se para algumas grandes empresas de mídia elas representam a morte do jornalismo, para outras elas são o presente e o futuro para além da síndrome de Kodak, como descreve o Leandro Beguoci sobre o Estadão. As plataformas não são inimigas do jornalismo (ao menos não como estratégia de mercado), elas são a chance de chegar até as pessoas onde quer que elas estejam — que é justamente onde a atenção delas está. A economia da atenção encontra nas plataformas sua expressão tecnológica. As plataformas líderes no mercado mundial não produzem conteúdo. A lógica da simbiose entre produtores e distribuidores é mais forte do que a de guerra declarada que parece dominar as discussões.

Na mesma resposta ao youPIX eu defendi que essa forma de encarar as coisas — pensar em relevância em vez de pageviews, em comunidade em vez de audiência, em espalhamento em vez de controle — é, no fundo, o espírito puro da web, um olhar anárquico sobre a própria forma da rede. Os produtores de conteúdo se preocupam cada vez menos com a fidelidade a uma plataforma, nem mesmo se interessam em saber se ela vai desaparecer amanhã ou depois. Eles se movimentam sem precisar desenvolver tecnologia, uma aventura cara e incerta, como mostra a experiência do BRIO. O que importa é o que esses produtores estão fazendo hoje, e que tipo de impacto aquilo pode causar nas pessoas com as ferramentas que estão disponíveis.

O conceito de spreadable media, bem definido por Henry Jenkins, começa a se abrir a partir daqui e já encontra amparo em grandes jornais como o Washington Post. Porque no fim das contas espalhar é uma forma de clamar por atenção, é vender seu produto nas melhores (e também nas piores) casas do ramo em vez de ter a pretensão de que todo mundo pegue o mouse e viaje até a sua lojinha.

Talvez isso seja tema para outra discussão.

Leandro Demori é jornalista e escritor, autor do livro Cosa Nostra no Brasil, a história do mafioso que derrubou um império.

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