Texto 11— “Aprendendo o Tempo Todo”

Trechos do livro de John Holt, de 1983 - págs. 16, 146, 148, 152 e 179

Marcelo Voos
MARÉ Ubatuba
5 min readSep 3, 2016

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[esta seleção de trechos faz parte do nosso Percurso em Educação]

Quando falo de aprendizagem, estou falando de reconhecer melhor o mundo que nos rodeia. Vou tentar dizer isso de novo: Aprender, para mim, significa compreender o mundo à nossa volta e ser capaz de fazer mais coisas nele. Ter sucesso na escola significa lembrar das repostas às perguntas dos professores, tornar-se hábil em adivinhar as perguntas que farão e em enrolá-los quando não se souberem as respostas.

Anos atrás, antes ainda de o meu primeiro livro ser lançado, dei aulas particulares, durante algum tempo, a uma aluna da oitava série que passava por problemas na escola. Um dia ela me perguntou, séria: “Como se aprende história?” Levando sua questão tão a sério quanto ela, eu disse: “Acho que sua pergunta pode ser entendida de duas maneiras: a primeira é ‘Como posso aprender mais sobre história?’; e a segunda é ‘Como posso tirar melhores notas em história?’. Primeiramente precisamos entender que essas coisas são completamente diferentes e não têm quase nada a ver uma com a outra. Se você quer aprender mais a respeito das formas pelas quais podemos descobrir como eram as coisas em épocas passadas, eu posso lhe dar algumas dicas. E se você quer saber como conseguir notas melhores em história, posso lhe dar algumas dicas também. Mas as dicas não serão as mesmas”. (p. 16)

(…)

Por mais longe que a aprendizagem possa levar, temos sobre as crianças uma vantagem — e sob certos aspectos é uma grande vantagem -, que é o fato de estarmos aqui a mais tempo. Sabemos muito mais. Já tivemos a oportunidade de muitas experiências. Sabemos onde as coisas estão. Temos mapas das estradas do mundo, não apenas os mapas viários reais, mas os mapas das estradas mentais do mundo em que vivemos.

O que os adultos podem fazer pelas crianças é tornar este mundo e as pessoas que o habitam mais e mais acessíveis e transparentes para elas. A palavra-chave é acesso: às pessoas, aos lugares, às experiências, aos locais de trabalho e a outros lugares aonde vamos: cidades, países, ruas, construções. Podemos também oferecer brinquedos, livros, discos, ferramentas e outros recursos. Em geral, as crianças têm maior interesse nas coisas que os adultos realmente usam do que nas pequenas coisas que compramos para elas. Quero dizer que cada um de nós que tenha visto crianças na cozinhas sabe que elas prefeririam brincar com as panelas e os potes do que com as miniaturas de brinquedo.

Podemos também auxiliar as crianças respondendo às perguntas que fazem. No entanto, todos nós, adultos, precisamos tomar cuidado aqui, por que temos a tendência de responder muito mais do que as crianças realmente perguntam. (p. 146)

(…)

O ensino que não foi solicitado não apenas não produz aprendizagem, mas também — e isso pra mim foi mais difícil de aprender — cria uma resistência ao aprendizado. Agora isso se tornou uma evidência. Noventa e nove por cento das vezes, o ensino que não foi solicitado por livre e espontânea vontade não resulta em aprendizagem e, além disso, impede que se aprenda. (…)

Sempre que, sem ser solicitados, sem ser convidados, tentamos ensinar algo a alguém, transmitimos a essa pessoa uma mensagem de duplo sentido. A primeira parte da mensagem é: estou lhe ensinando algo importante, mas você não é inteligente o suficiente para aprender isso. A menos que eu ensine isso a você, você muito provavelmente nunca descobrirá sozinho. A segunda parte da mensagem é: o que estou lhe ensinando é tão difícil que, se eu não lhe ensinar, você nunca o aprenderá. (p. 148)

(…)

As crianças têm seus próprios estilos de aprendizagem, únicos para cada uma. Têm também seus próprios cronogramas, de acordo com os quais se aprontam para o trabalho, decidem a velocidade com o que o farão, e o tempo que esperarão para começar a fazer outra coisa. Quando tentamos dirigir esses estilos e cronogramas individuais, ou interferir neles, quase sempre fazemos que as crianças se tornem mais vagarosas ou mesmo que cessem de fazer o que estão fazendo. É bem mais fácil observar isso em crianças pequenas, porque as coisas que estão aprendendo são muito visíveis: habilidades motoras simples, nomes de letras, novas palavras.

Se o pequeno Pedro nos pede que lhe digamos o nome de uma letra, e de repente pára de perguntar, porque começamos a lhe fazer um monte de perguntas sobre outras letras, podemos ver que ele parou. Nos pequenos, as mudanças de comportamento são grandes e óbvias. Além disso, eles ainda não aprenderam a esconder seus atos, pensamentos e sentimentos — e por isso nem tentam fazê-lo. Para eles, e para quaisquer pessoas sadias de qualquer idade, pensamentos, sentimentos e ações, formam uma unidade. Crianças mais velhas podem aprender a nos enganar e a esconder o que pensam, sentem ou mesmo fazem. Porque têm medo, muitas crianças de quinta série tornam-se adeptas da dissimulação e adotam estratégias evasivas de aprendizagem. (p. 152)

(…)

Crianças não são apenas extremamente boas em aprender; elas são muito melhores nisso do que nós, adultos. Como professor, levei muito tempo para descobrir isso. Eu era um professor engenhoso e cheio de recursos, hábil no planejamento de aulas, demonstrações, formas de motivação e toda a parafernália pedagógica possível. E foi aos poucos, e dolorosamente — acredite em mim: dolorosamente -, que aprendi o seguinte: quando passei a ensinar menos, as crianças começaram a aprender mais. (…)

Posso resumir em cinco ou sete palavras o que casualmente aprendi como professor. A versão de sete palavras é esta: “Aprender não é o produto de ensinar”. A versão de cinco palavras é esta: “Ensinar não produz a aprendizagem”. A educação formal opera com o pressuposto de que as crianças aprendem somente o que, quando e porque lhes ensinamos. Isso não é verdade. Está, de fato, muito perto de ser 100% falso”. (p. 179)

[Esta seleção de trechos faz parte do Percurso em Educação, do grupo MARÉ — Ubatuba.]

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