Guerra da informação: Demagogia x Democracia

Bruno Oliveira
Revista Marginália
4 min readAug 21, 2019

Estamos no mundo da informação. E isto é relevante. Tudo o que se discute hoje, em termos de política, tem o seu fim, ou seu meio, envolto no controle e difusão de informações. E quando falamos em informações no reino da política, estamos falando principalmente de formação de opinião. Nesse cenário, a democracia só seria plena e eficiente (se é que é possível aferir isso), se todos os agentes envolvidos possuíssem as mesmas informações — o que sabemos não acontece. O que ocorre na prática é a assimetria de informação: cada vez as informações são dispostas em rajadas dirigidas para públicos cada vez mais específicos. A democracia passa a ser pura demagogia — já não há debate, há uma guerra aberta pela doutrinação do público, cada vez mais cativo.

Já não ganha a verdade. Ganha quem tem mais seguidores [1] — ou os que são mais barulhentos

E essa guerra de informação é mais do que apenas uma discussão sobre fake news, já abordado em textos anteriores [2]. A discussão é mais profunda, é sobre como pensamos e fazemos política nos dias de hoje. Precisamos levar em consideração o quanto a informação (ou dado, para os “dadaístas”) se tornou o assunto essencial e motor das discussões e do fazer político.

Demagogia é o uso de uma retórica passional apelativa para obter poderes políticos [4], ou de forma mais clara, uma forma de direcionar politicamente as pessoas a agirem da forma que um determinado grupo queira. Aristóteles entendia que a demagogia era a corrupção contra a democracia [3] — e contra a própria política, e fazia paralelos entre o efeito da demagogia e o da tirania na época das monarquias: “com toda certeza, os antigos tiranos originaram-se dos demagogos”.

Hoje a política brasileira se encontra em grande ambiente de demagogia. Qualquer informação pode ser usada como denúncia, anúncio ou cortina de fumaça — quem nunca quis evacuar intermitentemente. Afinal, o que vemos é que não só a informação em si, mas o meio se torna essencial para conferir importância a mensagem. “O meio é a mensagem”, já diria McLuhan [5]. George Orwell, em 1984, chamava de “ditadura da informação” esse fluxo de dados, com forte controle dos meios, entre os cidadãos e o governo.

“[…] o Sol nas bancas de revistas, me enche de alegria e preguiça, quem lê tanta notícia?” — Caetano e sua preocupação precoce com o excesso de informação

Andre Dahmer — malvados

Marshal McLuhan [5] previa que a próxima guerra mundial seria travada no terreno da informação. Até a virada do século a informação estava concentrada e controlável. Hoje, há diferentes versões dos fatos e situações que ocorrem sendo difundidos por diferentes meios e fontes, de forma extremamente complexa e sem controles definitivos de conteúdo.

No passado, a informação era usada como suporte para operações militares em terra, mar ou ar. Agora, ocorre o contrário. São as operações que criam o ambiente para a guerra da informação, como vem acontecendo em várias partes do mundo. O disparo de um míssil intercontinental é feito mais pensando no impacto que o fato terá na opinião pública mundial do que pelos seus efeitos concretos [6]

Diferente das grandes guerras do século passado, nós, os cidadãos comuns já não somos meros espectadores. Cada vez que entramos numa rede social, acessamos um computador, tablet ou celular para trocar mensagens ou publicar nossas opiniões passamos a ser alvos e agentes da disseminação de dados, fatos, eventos ou ideias que vão influenciar outras pessoas a pensar e agir desta ou daquela maneira. Somos formadores de opinião — direta ou indiretamente, e justamente por isso, somos cada vez mais alvos fáceis da demagogia.

O governo Bolsonaro conta com diversos militares, entre eles o general Antonio Hamilton Mourão, que já foi graduado como oficial de inteligência do Serviço Nacional de Informações (SNI). Nas últimas eleições os tradicionais marqueteiros tiverem que ceder seus lugares aos generais. Não a toa, ficaram marcadas como uma verdadeira demonstração de uso de contrainformação — sempre com o objetivo de causar dúvidas, desnortear ou inutilizar adversários com a divulgação de informações que coloquem em xeque fatos ou estratégias de ataque.

A política já utiliza táticas militares para fazer demagogia. Acabou a era dos marqueteiros!

O uso de informação por meio de pura demagogia é uma ameaça a democracia [4] e um convite ao totalitarismo [2]. As últimas eleições, não só no Brasil mas em todo o mundo, vem utilizando cada mais estratégias de contrainformação, e a formação de opinião público vem sendo cada vez mais a ordem do dia. Os fatos (ou as representações nem sempre verdadeira deles) apenas são mecanismos para ativação de ideias e pensamentos da população, que são quem de fato possuem o poder político de mudança.

Referências e recomendações de leitura

[1] Ed Caliban. “Política: ação ou reação? A clarividência de Aristóteles”. Revista Caliban. 2019
[2] Bruno Silva de Oliveira. “Fake News e o totalitarismo”. Revista Marginália. 2019
[3] Antonio Gasparetto Junior. “Demagogia”. Revista Infoescola. 2013
[4] Aristóteles. “A Política”.
[5] Marshall McLuhan. “Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem”. 1964
[6] Carlos Castilho. “A guerra da informação já começou e envolve todos nós”. 2017

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Bruno Oliveira
Revista Marginália

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.