É possível que a escola se constitua como espaço do cultivo da potência criadora, inventiva e poética do ser humano?

Bru NAieta
Masters of Learning
7 min readSep 4, 2020
Foto do irmão Cristian Santos, na Aldeia Pequi Pataxó, Cumuruxatiba, Bahia

Uma facilitadora do curso Pedagogia Para Liberdade que eu estou fazendo fez esse convite provocativo, que tem a ver com uma das minhas jornadas, uma das minhas perguntas, e respondi com alguns pequenos textos que eu escrevi ou já tinha gestado ou colhido.

Ocupar um espaço

Espaço de encontro

Eu, nós. Um comum

Simbólico, de conexão

Aprender a conviver

Cada em sua potência

E juntos, coletiva

Autogerindo-se

Na poética de ser

Somos territórios- tempos

Liberdade como meio e como fim

Um sonho real

O broto — foto minha

Um sonho real: uma escola que se autotransforma, se autocultiva. Um espaço onde as gerações diferentes não são superiores ou inferiores. É mais do que possível. É real. Elas existem. E estão espalhadas pelo nosso planeta. São cada dia mais. Estão se multiplicando.

Um lugar que é extensão de toda nossa potência como ser que existe se transforma constantemente. Uma casa, conectada, do lado de fora e do lado de dentro, o espaço interno e externo convivendo em espiral, corpo e alma.

“Aí está a maestria da infância que, em sua espontaneidade e liberdade, expressas no brincar, redefine tempos e espaços, inaugurando, com sua imaginação, um universo simbólico, misterioso em sua essência, pois transcende qualquer dualidade.”

Onde, nós, como adultos, não fazemos mais muito do que observar. E escutar, ativamente, com todas as células do nosso corpo. Elas trazem a inauguração do mundo, e nós, o acolhimento desse ser que chega.

“As crianças expressam para nós, como os poetas, aspectos encobertos da nossa alma. Aspectos que precisam ser revistos para serem compreendidos como elementos pertencentes a nossa história. Afinal, somos uma espécie que habita uma casa — planetária — e viemos, ao longo de milhões de anos, construindo passo a passo nossa relação com o meio, buscando encontrar nosso lugar, individual e coletivamente.”

Onde aprender é principalmente aprender a conviver. A viver junto, em comunidade. E isso que chamamos escola se torna uma comunidade de aprendizagem. Onde família e escola se tornam uma coisa só. E é toda uma vila, uma aldeia inteira, para criar uma criança. Como se diz entre alguns povos da nossa mãe África.

“O primeiro laço de pertencimento a um lugar, a um chão, é estabelecido por essa matriz continente e vinculadora de onde surgem os primeiros elos de uma cadeia afetiva nascida do contato, da comunicação e comunhão entre pessoas”.

E que papel temos? Temos sempre que nos perguntar e constantemente nos observar, a nós mesmos. Talvez, como uma criança uma vez disse: “ajudar a fazer eu”, é pra isso que estamos ali, nos dispondo, nos disponibilizando com toda a nossa atenção. E estamos também nos criando, nos fazendo eu, nós. E assim, quem sabe, se constitui uma comunidade profunda.

Diálogos com o texto “A casa, o corpo, o eu”, de ACasaRedonda: http://acasaredonda.com.br/pagina/20

Educação é relação

IR AO ENCONTRO DA RELAÇÃO

SE LIBERTAR DAQUILO QUE NOS IMPEDE DE IR AO ENCONTRO DA RELAÇÃO

Não direciona no sentido do que ela deve aprender, do que ela deve sentir. Não direcionar a expressão que nasce de dentro dela

Precisa direcionar naquilo que a gente tem de experiência de vida, mas aquela experiência interior da criança, não é direcionada

Quando estamos comprometidos com a transformação e a liberdade social, somos exemplo

Uma descoberta pra acontecer todos os dias

Esse processo vai levar a criança num caminho que é só dela

Procura parar de julgar, parar de fazer suposições, parar de interferir no processo do outro interno, e se permitir se deliciar pela descoberta do processo do outro interno

Riqueza de um espaço onde crianças se relacionam com idades diferentes. Esse lugar de comparação é quebrado. Aprendem entre eles, mas não existe comparação, e cada um dentro do seu processo de aprendizagem.

O que eu estou oferecendo pro coletivo é o melhor que eu tenho a oferecer? Uma fala, um silêncio, uma crítica, uma proposta. Nos manter atento, presente, pro objetivo comum. Sair do comando e controle, e olhar pro coletivo no presente, não ao previsível. Parar de usar o passado como principal referência pra ação. Conceber os aspectos mais sutis, que estão bem pra além do controle.

Arte de Clio Pesek, junto com o Projeto Células de Transformação, de formação e (des)construção coletiva

sobre os lugares que eu ainda vou

ESPAÇO-OCUPAÇÃO MULTICULTURAL PERMACULTURAL

TENDA- OFICINA — LABORATÓRIO INTERGERACIONAL AUTÔNOMO

DE DESCOLONIZAÇÃO LIVRE DAS MENTES E DOS CORPOS

DE AÇÃO REVOLUCIONÁRIA

ANTICAPILISTA, ANTIRRACISTA, FEMINISTA,

DE PENSAMENTO CRÍTICO E ARTE

DE LOUCURA E CURA

PELA DIVERSIDADE NA IGUALDADE

DE RESISTÊNCIAS DOS NINGUÉNS

DE RESGATE ANCESTRAL, CULTIVO E CRIAÇÃO

DAS IDEIAS MAIS RADICAIS DOS INVISÍVEIS

CALDEIRÃO DE RELATOS

“O que acontece quando uma escola valoriza mais o questionamento do que a resposta?

[…] Ao longo da história, temos algumas experiências educacionais com essa preocupação e hoje, cada vez mais, esse tipo de proposta aparece como protagonista de uma mudança real da instituição escolar. Já existe muito conhecimento acumulado nesse sentido, tanto prático quanto teórico. Reivindicamos o papel transformador que a escola pode ter dentro da sociedade atual e, por isso, educadores, estudantes e familiares participam da construção da proposta política e pedagógica em conjunto. Devido a essa participação ativa dos sujeitos, chamamos a escola de democrática. No caso da Escola Politeia, os dois pilares que sustentam essa mudança são: a gestão democrática da convivência e a gestão democrática do conhecimento.

Na Politeia, a realização de assembleias, a participação de todos em comissões de responsabilidade, os fóruns para resolução de conflitos, as saídas para apropriação da cidade, são ideias, entre outras, que, somadas à pesquisa e aos grupos de estudo, trazem à tona uma reflexão profunda sobre o cotidiano escolar e a emergência de uma escola diferente. Partindo do questionamento do papel do conhecimento e da compreensão do estudante como protagonista de seu caminho, desenvolvemos a ideia de como a dúvida/o questionamento e, consequentemente, a pesquisa são pontos de partida para que a escola e o estudante sejam produtores de conhecimento. A arte da dúvida e a participação efetiva na construção da escola possibilitam uma leitura do mundo mais crítica e consciente.”

[Da Revista URBÂNIA 5]

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“Se no Cieja Campo Limpo não se separa as pessoas, qual seria o propósito de separar as matérias? Seguindo a lógica da interdisciplinaridade e do “tamo junto”, educadores de diferentes áreas criam aulas que conectam assuntos, num processo de desfragmentação do pensamento. Qual é a relação entre as operações básicas e as cores primárias e secundárias? Qual a relação entre a história da cidade de São Paulo e seu relevo? Pois o desafio dos educadores é costurar tramas entre os assuntos. Para compor um outro ritmo, professores de matemática e artes atuam juntos. Português e inglês também se misturam, assim como geografia e história. Muitas aulas se desenvolvem a partir de situações-problema pensadas para relacionar temas distintos.”

[Da Revista URBÂNIA 5]

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Sabemos também que nosso lema como educadores na Casa Redonda está expresso nesta simples quadrinha de um saudoso amigo português, o professor Agostinho da Silva:

“Da vida eu quero ter
Pé bem firme em leve dança
Com todo o Saber do adulto
E todo o Brincar de criança.

Somos uma Escola? Sim, se nos reportarmos à etimologia da palavra escola, que em grego (skhole) quer dizer “Tempo Livre”. Sabemos que fazemos parte de uma CASA onde a cada dia arredondamos o sonho de esperançar uma humanidade que aceite a gratuidade da vida, assim como as crianças, ao BRINCAR, entregam-se à liberdade de SER, aqui e agora, em toda a sua inteireza.

[Do site de ACasaRedonda]

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“A educação entrou na vida do MST ainda na sua gestação. […] Os percalços concretos da luta fizeram com que aquelas famílias organizassem um cuidado pedagógico com as crianças acampadas. […]

Nesse sentido, pensar a educação desde a concepção de campo, significa assumir uma visão de totalidade dos processos sociais, significa no campo da política pública, por exemplo, pensar a relação entre uma política agrária e uma política de educação; entre política agrícola, política de saúde, e assim por diante. Na dimensão da reflexão pedagógica significa discutir a arte de educar e os processos de formação humana, a partir dos parâmetros de um ser humano concreto e historicamente situado.

A esta construção soma-se o esforço da construção de um currículo vivo, voltado para a realidade das crianças de acampamento e assentamento do MST, pretendendo, através da materialidade do planejamento coletivo da escola, não falar apenas da vida para os estudantes, mas romper com as relações de subordinação que prendem o conhecimento em sala de aula. O conhecimento cognitivo precisa ser vinculado com o trabalho criativo para, de fato, ter uma função social na vida dos estudantes.”

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A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

(do livro: A educação pela pedra e depois. autor: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

Fóssil — Foto da irmã Adriana Moreno

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Bru NAieta
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superfícies esféricas, algumas (trans)formas da vida