Introdução à Mensura dos Custos da Regulamentação: Aquilo que não se Vê

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
31 min readDec 26, 2021

Este artigo procura compartilhar os principais determinantes dos custos da regulamentação. Além de relatar os seus principais efeitos e consequências sobre a atividade económica, abordaremos os componentes explicativos da formação e desenvolvimento do processo regulamentário, e ainda, todo o conjunto de custos diretos e indiretos associados à “inflação normativa”.

Introdução: Propriedade e Progresso Social

O homem evolui em um universo de escassez: escassez de tempo e escassez de recursos humanos e materiais disponíveis. A maioria dos problemas socioeconômicos de todas as sociedades da história teve esta mesma origem: a gestão da escassez de recursos e dos conflitos que ela provoca. Ao longo da história, grandes catástrofes em termos de vidas humanas estiveram intimamente associadas à gestão da escassez e dos direitos de propriedade. O ocidente inventou e generalizou regimes de propriedade privada, notadamente a propriedade da terra e dos recursos naturais para gerir melhor os problemas associados à escassez.

A maneira como o regime de propriedade foi organizado para a gestão do problemas da escassez é um dos principais que permitiram que o ocidente obtivesse maior crescimento econômico e desenvolvimento relativamente às demais regiões do planeta, ou seja, um mundo onde a riqueza cresce mais rápido do que a população. Foi nos países que formalizaram e garantiram de maneira eficiente os direitos de propriedade que o progresso econômico pôde se consolidar e perdurar, fazendo que os níveis de vida aumentassem vertiginosamente.

A história econômica mostrou que reduzir o risco de expropriação (roubo, impostos, espoliação) favorece a acumulação de capital físico, técnico e humano, logo, o enriquecimento do maior número possível de pessoas e a satisfação de desejos que não poderiam ser satisfeitos caso o homem estivesse limitado às necessidades primárias da vida, o que quer dizer alimentar-se e proteger-se dos intempéries.

A invenção do regime de propriedade privada é uma resposta à escassez dos recursos. A propriedade é uma ferramenta (meio) de gerir a escassez: ela incentiva os indivíduos a descobrirem aplicações (ainda desconhecidas) das suas riquezas para satisfazer seus (novos) desejos ou vencer os limites materiais impostos pela própria escassez.

A propriedade pode ser concebida como um direito natural inviolável, o que legitimaria moralmente sua defesa. A propriedade é então um direito e uma ferramenta indispensável para o progresso econômico e harmonia das interações sociais. Enquanto direito natural, a propriedade é anterior a qualquer convenção social, atestado ou autorização do governo: ela decorre da livre disposição que os indivíduos têm sobre seu corpo e sobre as coisas que anexam através de seu trabalho. Enquanto mecanismo (meio) garantindo e conduzindo o desenvolvimento socioeconômico e mais harmonia nas relações entre os indivíduos, a propriedade é uma ferramenta indispensável para o progresso social.

A propriedade privada funciona como elemento central de coordenação social, e qualquer arranjo institucional ou organizacional que se distancie demasiadamente deste esquema nos conduz geralmente ao atraso socioeconômico.

A regulamentação pública se enquadra nesta categoria de arranjos que distanciam os homens do pleno regime privado de propriedade.

Responsabilidade, Renúncia às Soluções Voluntárias e Políticas Alternativas

O primeiro custo da regulamentação pública é a renúncia às soluções que os indivíduos poderiam encontrar espontaneamente para a resolução dos problemas que o regulamento governamental supõe resolver, seja em um regime de propriedade privada seja em regime de propriedade coletiva. A regulamentação pública é a renuncia ao conhecimento e às soluções que os indivíduos teriam colocado em prática dentro de um estrito esquema de propriedade e responsabilidade individual.

Sublinhemos então o papel importante que exerce a responsabilidade. Como lembrou bem o economista Pascal Salin (2000), a propriedade privada é indissociável da noção de responsabilidade, ou seja: longe de um regime onde os direitos de propriedade são bem definidos a responsabilidade é indeterminada, ou é determinada de maneira insatisfatória, ou ainda, no pior dos casos, ela simplesmente não existe. E isto tem uma relevância importante para compreender e estudar a regulamentação e seus custos. Na verdade uma forma de avaliar a eficiência dos diferentes arranjos organizacionais e institucionais regendo o funcionamento das sociedades é através do estudo das relações que estes arranjos entretém com a responsabilidade individual:

“…la liberté individuelle, bien sûr, et la propriété, ces deux concepts étant d’ailleurs inséparables. Mais la responsabilité constitue la troisième clef de compréhension du fonctionnement des sociétés. C’est également ce qui nous permet d’évaluer différents modes d’organisation ou de mettre en place des meilleures structures institutionnelles…” (Pascal Salin 2000, p. 89)

Esta idéia, aliás, Pascal Salin compartilha com F. A. Hayek (1960, p. 69), economista que afirmava que “a liberdade não significa somente que o indivíduo tem ao mesmo tempo a oportunidade e o peso da escolha; ela significa também que ele suportará as consequências de suas ações e que ele receberá estima ou reprovação. A liberdade e a responsabilidade são inseparáveis.” A regulamentação cria um custo de oportunidade pois ela não reconhece o processo de descoberta que é característico ao quadro organizacional onde vigora plenamente o regime de propriedade e responsabilidade.

A regulamentação pública é a substituição, a ausência ou determinação insatisfatória do regime de responsabilidade e responsabilização: a falta de contrôle efetivo dos órgãos públicos, por exemplo, teria origem na ausência de propriedade. Em segundo lugar, a propriedade e a responsabilidade engendram uma ordem que poderia fornecer soluções aos problemas que a regulamentação busca resolver. O próprio F. A. Hayek sublinhara que a crença na responsabilidade individual tem por função principal nos fazer buscar, através do uso de nossa capacidade intelectual e conhecimento, atingir nossos próprios objetivos.

Desta forma, em uma sociedade livre e fundamentada na responsabilidade individual é possível que os indivíduos encontrem e realizem acordos mutuamente favoráveis, reduzindo e resolvendo problemas relativos à gestão da escassez, notadamente problemas cujas soluções tradicionais estão hoje em dia na regulamentação pública.

A própria civilização procura aos homens uma vantagem que eles não detém isolados, ela inspira a cooperação entre indivíduos egoístas e que ocorre, de fato, mesmo quando ela é involuntária. Como sublinhado por F. A. Hayek (1960, p. 26):

“Se os homens enquanto membros de uma sociedade civilizada podem perseguir seus fins individuais com mais sucesso do que no caso onde eles se encontram isolados, isto se deve sem dúvidas graças ao fato de que a civilização lhes permite constantemente tirar partido de um saber pessoal que eles não detém; e que o emprego feito por cada indivíduo de seu saber particular serve aos outros indivíduos, que ele não conhece, facilitando assim a busca de seus respectivos objetivos.”

A regulamentação pública supõe que grupos organizados, homens do governo, parlamentares e todo grupo de homens responsáveis por sua criação têm ou tiveram informações e conhecimentos precisos e soluções definitivas para problemas sanitários, ambientais, energéticos, de saúde, transporte etc. Ela institui e formaliza centralidade, unilateralidade e proteção como resolução de problemas vinculados à escassez e à produção.

Ela substitui o paternalismo do chefe de família, do proprietário, pelo paternalismo do Estado. Ela reduz a soberania do proprietário e a substitui paulatinamente pela soberania dos políticos, grupos de interesse e burocratas. Ou seja, ela substitui, muitas vezes, os riscos potenciais vinculados às soluções voluntárias pelo risco certo do comportamento oportunista, captura, custos de produção e manutenção da norma: os homens do poder são tão ou mais corruptíveis que os homens ocupados em atividades produtivas.

A regulamentação conduz uma comunidade a privar-se do conhecimento que os indivíduos teriam adquirido se a exclusividade e a livre cessibilidade de seus direitos de propriedade não houvesse sido limitada pela norma governamental.

A regulamentação pública é a renuncia às soluções que a sociedade civil teria descoberto para proteger o meio ambiente, para limitar os riscos sociais, as externalidades, para definir as normas sanitárias, veterinárias, energéticas etc. Ela bloqueia em alguma escala a descoberta de novas riquezas assim como a melhor maneira de geri-las.

Não é impossível então que a situação obtida graças à regulamentação pública seja socialmente insatisfatória quando comparada à situação que poderia ter sido criada e proposta pela comunidade dirigida e guiada unicamente pelas regras abstratas da propriedade e responsabilidade.

Para cada setor em que a regulamentação estatal atua, colocam-se alternativas voluntárias, que poderiam ter resultado mais eficiente caso os mecanismos de mercado, da concorrência e da livre iniciativa pudessem atuar sem entraves.

A regulamentação pública coloca de fato os proprietários dos negócios à mercê dos objetivos dos homens do governo e políticos. Os homens do governo podem estar ao serviço de proprietários; eles poderiam se contentar de proteger seus direitos para que eles possam eles mesmos descobrir a melhor afetação e alocação de seus bens (suas propriedades e os frutos de seu trabalho), e proteger como eles julgam melhor o ambiente natural e social. Existe a possibilidade que empresas concorrenciais forneçam os serviços que a regulamentação pública se encarrega atualmente de realizar.

Caso uma norma de segurança ou sanitária, por exemplo, se mostre realmente eficiente, e melhore o valor dos serviços e produtos para os clientes daquelas firmas que aplicam-na, os produtores em geral terão interesse em aplicá-la e respeitá-la não pelo fato somente que as multas do governo são proibitivas, mas por que ele sabe que em questão de tempo a concorrência vai aplicá-la e atrair clientes, o que significa uma perda de vendas em detrimento de uma imagem negativa que pode tirá-la do mercado.

A norma nesse sentido não requer qualquer monopólio ou centralização para sua edificação e aplicação ou supervisão. Os produtores da norma social podem eventualmente ser grupos de artesãos interessados na segurança ou meio ambiente, deliberando certificados de garantia e vendendo cada um atestados de sucesso em testes de segurança para um determinado produto ou processo produtivo. O próprio mercado decide neste caso qual o produtor da norma mais eficiente.

A regulamentação significa também a renúncia ao uso de outros instrumentos de política pública. Escolher a regulamentação é renunciar aos instrumentos de política econômica talvez mais eficientes em termos de custo social para solucionar determinado problema, como a subvenção, a taxação, as indemnizações, ou a criação de um mercado de direitos (de poluir, de produzir, negociar, etc.). A regulamentação é aqui um mecanismo de transferência, e conduz à alocação dos recursos escassos em atividades regulamentárias, o que significa a renúncia à alocação destes recursos em outras esferas da máquina pública ou atividades verdadeiramente produtivas. Quando se fala em atividade verdadeiramente produtiva se pretende ressaltar que os recursos subtraídos pelos impostos e destinados ao pagamento das despesas das administrações e órgãos regulamentários poderiam simplesmente ser empregados na produção de bens e serviços, poupança ou novos investimentos caso não tivessem sido predados para edificação da norma.

A regulamentação possui custos diretos, necessários para a sua produção e aplicação, mas repercute também custos indiretos associados as suas consequências, ou ainda, aos custos de transação envolvendo sua produção, execução ou alinhamento das atividades econômicas que ela busca controlar.Custos Diretos e Indiretos de Execução e Alinhamento

Os custos de aplicação e execução da regulamentação são os custos de ajuste e conformidade das atividades econômicas em relação a norma. São os custos administrativos e os custos associados aos prazos de aprovação do marco regulatório.

Regrupam-se nestes custos todo o aparato organizacional colocado em prática para que o esquema regulamentário seja implementado, revisado e respeitado. Associam-se então, além dos custos diretos, o conjunto de todos os custos de transação e custos indiretos envolvendo estas atividades. Caso interpretássemos a regulamentação como um mercado, poderíamos dizer que estes custos encontram-se do lado da "oferta de regulamentação", ou ainda, do lado da produção da regulamentação.

Mais precisamente, os custos para que as atividades produtivas sejam colocadas em conformidade às normas públicas são os custos necessários à compra de novos equipamentos e sua manutenção, à formação necessária aos trabalhadores para que aprendam a utilizar estes novos equipamentos, ou ainda, o conjunto de custos impostos pelo alinhamento de novos procedimentos de trabalho derivando de uma nova norma trabalhista ou produtiva.

Um exemplo ilustrativo diz respeito aos critérios de segurança nos veículos automotivos. Caso alguma agência decrete uma norma visando reduzir o risco de morte em acidentes e transformando obrigatório o acessório “Air Bag”; ou que os motores produzidos respeitem critérios de poluição; as montadoras serão obrigadas a se adaptar às novas regras, provavelmente comprando novos equipamentos que permitam a instalação dos dispositivos de segurança, ou então, reconstruindo e modificando toda uma linha de montagem, talvez investindo em novos engenheiros e treinando novos colaboradores. Novamente, as maiores ou mais bem preparadas empresas terão uma vantagem caso consigam se adaptar mais rapidamente, ver ainda, elas teriam interesse em defender tal regulamentação caso isto permitisse eliminar dois ou três de seus menores concorrentes.

Os custos para colocar em conformidade são sustentados (por taxas, impostos ou despesas de conformidade) pelos indivíduos cuja atividade é regulamentada. Poderíamos dizer que ela se situa do lado da ‘demanda por regulamentação’. Como acontece com os impostos, os indivíduos vão procurar repassar esta carga onerosa sobre os outros atores econômicos:

  1. Quando a regulamentação pública é feita sobre a atividade das firmas privadas, as firmas repassam estes custos de alinhamento e conformidade para os bens e produtos ou sobre os salários de seus colaboradores. Se a elasticidade da demanda pelos produtos ou o poder de compra dos assalariados já estiverem em níveis demasiadamente forte, eles devem então ver seus dividendos se reduzir. Isto é percebido como um sinal de que a lucratividade é mais baixa, e que atividade se torna menos atrativa para os empreendedores e investidores.
  2. Quando esta regulamentação envolve uma administração pública, ela conduz inevitavelmente a um aumento dos impostos. Esses custos então são os contribuintes que pagarão por causa do alinhamento e conformidade estabelecido sobre as empresas pelas normas administrativas, sanitárias, técnicas, de segurança ou ambientais, por exemplo. Estas normas devem ser cumpridas pelos órgãos públicos, elas conduzirão inevitavelmente um aumento das despesas do orçamento, com pessoal e material e o aumento da carga tributária tudo mais permanecendo igual.
  3. Quando as normas atingem diretamente os bens finais, o custo é repercutido imediatamente sobre os consumidores. A norma tem neste caso o efeito de um imposto. Ela despoja um tipo de consumo para que este seja substituído por um outro tipo. Se incluem neste caso todos os custos que uma empresa sofre para que seus produtos tenham a comercialização autorizada pelo governo.

Para cada tipo de repercussão direta nos custos associa-se um custo indireto. Como exaustivamente repetido por alguns autores liberais, não existe almoço grátis: toda e qualquer norma implica custos que deverão ser pagos por alguém.

Se os custos da colocação em conformidade são repercutidos sobre os dividendos, os salários ou os preços de consumo, eles reduzem respectivamente o investimento, o poder de compra dos assalariados e a demanda por bens de consumo. Isto tem um efeito direto sobre o crescimento econômico, ou seja, tem como consequência um menor volume de investimentos e níveis inferiores de procura pelos bens em questão.

Em outras palavras, a norma diminui a abundância ou privilegia a escassez.

Uma vez estabelecida a norma, as firmas ou agentes envolvidos devem se conformar principalmente se as normas forem intensamente fiscalizadas e os custos de violação forem proibitivos, fatores que elevam ainda mais o seu custo potencial. É bem possível que certas normas públicas restrinjam fortemente as firmas em suas escolhas produtivas e escolhas tecnológicas: a regulamentação pode impedir a inovação, ela pode induzir a alocação dos recursos para a pesquisa em setores menos prósperos cientificamente, tecnicamente ou economicamente.

Essas restrições explicam e favorecem a insuficiência de investimento em determinados setores, e conduzem a um efeito negativo sobre a produtividade dos fatores e crescimento econômico.

Os Custos Administrativos e de Contrôle

Os custos administrativos são os custos da burocracia administrativa. Estes custos representam o montante de horas de trabalho dos agentes da função pública procurando assegurar que as normas estão sendo respeitadas. Tomemos o exemplo da regulamentação de uma norma de trânsito.

Um policial é pago para controlar os condutores, verificar se eles estão usando o cinto de segurança ou dirigindo embriagados, telefonando no volante, ou colocando seus filhos no banco traseiro em cadeiras adaptadas quando as crianças ainda estão em idade de colo, se possuem um certificado garantindo que o veículo passou por um contrôle técnico recentemente, ou se possui um certificado de aptidão e de capacidade técnica e prática para conduzir determinado veículo automotivo, e etc.

Uma vez multado, o condutor paga um valor correspondendo à importância da infração. Tal processo demanda tempo e dinheiro, que não é associado a uma atividade verdadeiramente produtiva: esses custos correspondem aos custos de gestão da regulamentação no cotidiano, eles dependem dos níveis de salário dos agentes do funcionalismo público mas também dos salários da população. Quanto mais os indivíduos submetidos a uma regulamentação são ricos, mais custoso é para eles gerir a papelada administrativa, pelo simples fato que o valor da renda vinculado a seu tempo é maior. Eles delegam então esta tarefa a um escritório (de advocacia) ou secretaria especializada no tratamento destas questões relacionadas às regulamentações públicas, sejam elas de trânsito ou qualquer outra atividade, o que termina por criar setores especializados no tratamento dessas questões regulatórias, de licitação ou conformidade.

As pessoas encarregadas desta tarefa se especializam na gestão da regulamentação ao invés de consagrar seus talentos para a inovação, procura de novas oportunidades de negócios ou realização de trocas mutualmente vantajosas, ou seja deixam de realizar qualquer atividade efetivamente produtiva.

Os custos administrativos são custos em tempo e salários despendidos para gerir a papelada da burocracia, e seus efeitos sobre a alocação dos talentos individuais e o processos de especialização. Acrescentam-se a estes custos os custos econômicos e políticos de transação EX-ANTE e EX-POST à formalização da norma. Isto quer dizer os custos de procura de informações para a produção da norma e eventuais renegociações entre os envolvidos.

Os custos administrativos criam uma forma de malinvestment: os indivíduos se especializam em atividades não produtivas para supervisionar e controlar o marco regulatório.

Os Custos dos Prazos Regulamentários

Os custos dos prazos regulamentários são os custos induzidos pelos prazos de aprovação ou os prazos de tratamento das demandas de permissão para atividades monitoradas ou reguladas. Esses custos serão maiores caso as administrações públicas não estejam suficientemente equipadas em recursos ou pessoal qualificado, ou que o oportunismo dos agentes públicos seja reforçado pela ausência de credor residual, ou seja, ausência de contrôle efetivo.

Este é o caso quando os agentes que tomam uma iniciativa produtiva procuram colocar em prática as normas públicas mas devem ter uma autorização da administração para retomar ou empreender legalmente sua atividade. Nestes casos eles precisam muitas vezes recorrer a especialistas ou até mecanismos de suborno ou pagamento de propina para obter mais agilidade para emissão da autorização de produção.

Uma exemplo ilustrativo é o caso dos alvarás de segurança e os custos de tramitação dos processos de autorização na construção civil, ou das autorizações que o governo deve conceder para que as empresas de telecomunicações possam instalar antenas e radiotransmissores junto a ANATEL, agencia responsável pela venda de ar no Brasil. O maior custo da regulamentação é dificilmente estimável nestes casos: a grande perda de bem-estar dos consumidores que deixam de poder usufruir durante algum tempo de novos produtos ou melhoras em serviços prestados.

Caso o sistema de deliberação de autorizações não fosse um monopólio, estes custos e prazos seriam certamente menores. A liberdade de construir uma antena dependeria exclusivamente do proprietário do local onde ela for construída, caso disfunções ou interferências de frequência fossem constatadas, as partes teriam plena liberdade de resolver os diferendos em justiça. Empresas de alvarás em concorrência permitiriam e criariam incentivos para uma melhora da qualidade dos alvarás, visto que enquanto qualquer outro produto, elas teriam interesse em fornecer e produzir alvarás cada vez mais confiáveis, os mais incompetentes tendo tendência a sair do mercado.

Empresas de alvarás concorrenciais deliberando autorizações responderiam melhor à crescente demanda de serviços no setor da mesma forma que internalizariam e eliminariam uma série de custos associados à gerência de agências custosas em recursos. Os prazos regulamentários promovem um custo importante, e quanto mais a atividade envolve lucros e orçamentos importantes, mais a perda potencial em bem estar social é significativa.

Custos das Transações Políticas

Um regulamento é o resultado de um contrato político. Um contrato político faz que a sociedade e os contribuintes arquem com os custos políticos de transação. Estes custos são os custos de definição da regulamentação e do seu financiamento, assim como todos os custos necessários à busca de informações necessárias aos compromissos políticos. Mais numerosas são as partes do contrato (eleitores, grupos de pressão e interesse) mais estes custos serão elevados. Eles representam o conjunto de recursos mobilizados para organizar os grupos de interesse, contribuir com as campanhas eleitorais dos candidatos que vão defender um novo tipo de regulamentação ou novas reformas nestas regulamentações que já existem, ou ainda, recursos destinados ao pagamento de propinas ou suborno.

Conforme o número de regulamentações vai se tornando demasiadamente importante, o montante necessário em recursos que deve ser consagrado à produção de novos regulamentos vai se tornando proibitivo para a comunidade. Cada grupo procura se proteger dos outros grupos ou obter um regulamento que lhe seja favorável e que atenue determinados custos, ou que lhe proteja da ação de outros grupos. O montante de recursos engajados vai aumentando assim cada vez mais, recursos que são desviados da produção e limitam o potencial de crescimento econômico de um país. Em vez de investir na produção destinada à criação de riqueza, novos bens e serviços, estes recursos são empregadas para a produção de novas regulamentações, ou regulamentações protegendo de outras regulamentações, etc.

Os Custos do Compromisso Político Dando Origem à Norma Pública

Ficou então evidente que a regulamentação pública nunca é o resultado de um cálculo econômico. Ela é, na melhor das expectativas, o resultado de um cálculo político que faz da norma pública um compromisso político. Ela não é também o resultado de uma análise custos-benefícios, pois na ausência de direitos exclusivos de propriedade o cálculo económico é meramente aproximativo, ver, impossível.

As administrações ou burocratas responsáveis pela produção de normas regendo as atividades econômicas não dispõem de meios necessários para a realização destes cálculos. Este problema da burocracia é similar ao que Ludwig Von Mises (1951) descrevia como a "impossibilidade do cálculo econômico" sob regime socialista de produção, decorre fundamentalmente da ausência de propriedade privada [1]:

“The theory of economic calculation shows that in the socialistic community economic calculation would be impossible (…) Exchange relations in productive goods can only be established on the basis of private property in the means of production.” (Von Mises 1951, p. 131–135)

A regulamentação é simplesmente o resultado de um calculo político.

Uma ideologia pró-meio-ambiente não procura avaliar precisamente os custos econômicos da poluição: ela tem por objetivo reduzir a poluição a níveis próximos de zero. Uma ideologia pró-desenvolvimento industrial tende a minimizar ou subestimar os efeitos danosos da poluição, propondo um nível de poluição mais elevado e uma norma regulamentária mais leniente do que esta dos grupos ambientalistas. O político pode ter interesse em impor ou propor uma norma que seja distinta desses dois objetivos, seja pelo fato de que ele tem uma visão pessoal particular sobre o assunto, seja pelo fato de que ele buscará fixar uma norma agradando a gregos e troianos. O que existe é simplesmente a utilização do poder político para fixar as normas que subentendem servir os interesses e o quadro representativo de sua visão de mundo.

Todos devem, desta forma, fazer concessões caso queiram, através do jogo democrático, impor uma norma que esteja o mais próximo possível de seus interesses. Todos eles arcarão respectivamente com os custos da concessão e busca de realização de um compromisso político. Mesmo os políticos têm necessidade de ganhar as eleições que disputam para impor sua visão de mundo. Estes custos devem também configurar a concepção e representação do conjunto de custos envolvendo as normas e regulamentações públicas.

O cálculo político é deste ponto de vista uma condição necessária para que seja confirmada e garantida a presença e representação das expectativas de cada agente dentro do esquema de poder em uma sociedade democrática. O nível de poluição autorizado não será mais o resultado de uma representação ideológica pura, ele será o resultado das concessões feitas pelos agentes, um meio que os políticos utilizarão para maximizar suas expectativas e chances de se fazer eleger ou reeleger.

A norma pública não tem por objetivo a maximização da riqueza social mas a minimização dos custos políticos relacionados, notadamente, a gestão dos conflitos opondo diferentes grupos de pressão e interesse que se apresentam para o debate sobre o marco regulatório. A regulamentação não é, neste sentido, nada mais que um compromisso político, o resultado de um equilíbrio entre as posições dos grupos de interesse. Ela se resolve e se estabelece através de um conflito sem preços de mercado.

Cálculo dos Custos do Compromisso Político dando Origem a Norma

A natureza do cálculo e seus efeitos sobre a norma que será escolhida e suas características podem ser representados por um gráfico que coloca nas ordenadas os custos e os benefícios políticos de uma regulamentação, e em abcissas a maior ou menor severidade da norma regulamentária.

Definição da Norma Politicamente Eficaz

Os parlamentares e políticos que compõem os governos sabem que a regulamentação pública implica que uma parte da população deve arcar com os custos necessários a sua aplicação, isto se traduz em custos difusos em nível social e preços mais elevados e um nível de produção mais baixo nas indústrias e serviços atuando nestes setores regulamentados. Eles sabem também que estes custos podem ser difundidos e impostos a todos, e isto é o que aumenta os benefícios políticos da regulamentação e diminui seus custos. Os tomadores de decisão política não ignoram que os grupos de interesse — como os ambientalistas, por exemplo — estarão sempre descontentes caso algum tipo de regulamentação não seja colocado em prática. Os custos para os grupos de interesse são concentrados e os custos políticos são bem conhecidos. É provável, nestas condições, que o custo político marginal da regulamentação seja inferior a seus benefícios marginais [2].

Isto quer dizer, todavia, que o interesse dos grupos de pressão não corresponde perfeitamente ao interesse politico dos homens do governo. Os políticos podem ser ideologicamente opostos à regulamentação pública — o que criaria um freio à regulamentação, ou podem ainda não ter interesse em colocar em prática a norma exata que os grupos de interesse fazem pressão. O que sabemos, no entanto, é que a norma ideal dos grupos de interesse pró-regulamentação (NGP) é com frequência altamente restritiva. Isto explica porque ela é colocada à direita da norma que equaliza os custos e os benefícios políticos do tomador de decisão (NP). Seus custos políticos são elevados.

A norma politicamente sustentável para o governo (NP) está à esquerda da norma dos grupos de pressão, como ambientalistas por exemplo, isto simplesmente pois ela leva em conta a opinião dos grupos que são contrários a esta norma. A norma pública é um compromisso. Se o governo coloca em prática a norma ideal dos grupos de interesse pró-regulamentação, ele ganharia todo o apoio político deste grupo mas perderia este dos indivíduos que perderão com o estabelecimento desta norma mais severa. Este grupo de perdedores poderia se organizar caso os custos desta regulamentação demasiadamente restritiva sejam muito altos. Isto explica porque a norma que é politicamente eficaz será menos restritiva do que a norma demandada pelos grupos de interesse. Ela não tem nenhuma razão de ser alinhada ao nível que maximizaria a riqueza social.

Os políticos não são completamente capturados pelos grupos de interesse: é portanto bem provável que a ação dos grupos de pressão desempenhe um papel decisivo na fixação das normas públicas (Newberry 1996, p. 134).

Isto tem consequências importantes sobre os custos da regulamentação pois, se ela é o resultado de um cálculo político, ela pode servir interesses bastante distanciados da exigência fixada pela norma de eficiência econômica.

A regulamentação se torna uma forma de diluir os custos da demanda de regulamentação sobre os demais indivíduos, de se proteger da concorrência através da criação de barreiras à entrada nos mercados: de se proteger de inovações alegando riscos à saúde, ao meio ambiente ou segurança. Isto ajuda a reforçar a ideia de legitimidade do poder dos tomadores de decisão política e a influência de suas administrações.

Os políticos e burocratas podem ainda utilizar-se do pretexto de que não têm os meios necessários para colocar em prática, em boas condições, uma regulamentação pública já existente, e que, por esta razão, seria necessário aumentar ainda mais a carga tributária afim de empregar novos funcionários, comprar novos equipamentos ou construir novas instalações que poderão reduzir os prazos de aprovação e colocação em conformidade das atividades regulamentadas vis-à-vis das normas públicas, assegurando para a população que os regulamentos serão bem aplicados sobre todo o território. Isto aumenta então ainda mais o risco de expropriação.

Resumo dos Custos da Regulamentação

Avaliações Estimativas dos Custos da Regulamentação

A ilustração que segue busca apresentar os principais grupos de agentes envolvidos na edificação de normas e aparato regulatório. Ela serve para nos dar uma idéia da complexidade e o volume dos custos diretos, indiretos e custos políticos e econômicos de transação envolvendo o processo regulamentário.

Cada organização aqui representada (eleitores, comissões parlamentares do congresso, poder legislativo, administrações, poder executivo, grupos de pressão, associações de consumidores, burocracias, cortes de justiça e poder judiciário etc.) envolve custos diretos.

Cada relação aqui representada envolve custos políticos e econômicos de transação.

Todas as atividades aqui representadas implicam custos indiretos à economia e atividades produtivas.

Por mais difícil que seja a tarefa de mensura e estimação, uma parte dos custos regulamentários faz objeto de valoração monetária. Relatórios de institutos empresariais ou ‘Think Tanks’ fornecem um quadro ilustrativo pertinente e que demonstra valores de estimações dos efeitos e custos regulamentários, ao menos os custos de alinhamento, adaptação e execução.

Tomemos o caso americano.

Nos Estados Unidos, Crews Jr. (2012) estimou que no ano de 2012 os custos regulamentários se elevariam à U.S. $ 1, 752 trilhões de Dólares, e em 2013, mais de U.S. $ 1, 806 trilhões de Dólares, sendo tão ou mais importantes, em termos de efeitos nocivos à economia, do que a fiscalidade (taxação sobre a renda individual, das empresas e dos lucros). Estes números crescem e cresceram ao longo do tempo e incluem regulamentações econômicas e sociais (meio ambiente, respeito das obrigações fiscais, segurança e trabalho) [3].

Nesta perspectiva a regulamentação, fruto de pressão política consiste na realização de transferências de recursos de um grupo de agentes para outros, e teria então o mesmo princípio distorsivo que a fiscalidade.

O estudo admite que é indiferente a distinção entre regulamentação e taxação, em outras palavras, na medida que subentende custo a regulamentação não seria mais do que uma forma particular de taxação, indo na mesma linha de trabalhos como de Richard de Posner (1971).

Ainda fazendo alusão aos Estados Unidos, James Gattuso e Diane Kaltz (2012, p. 3) do instituto The Heritage Foundation mostraram que o volume de regulamentações "Red Tapes" aumentou em número (4 vezes mais) e em valor-custo (5 vezes mais) quando comparamos a administração Barack Obama à administração George W. Bush (que também havia aumentado o número de regulamentações em relação aos predecessores) [4]:

Estes trabalhos levam principalmente em consideração os custos diretos que as normas publicas impõem à iniciativa privada: elas envolvem sobretudo os custos de alinhamento e conformidade das atividades produtivas. Relatórios podem ainda adicionar os custos de funcionamento, aplicação e contrôle dos aparatos regulamentários, o que inclui as despesas de agências, burocracia ou instâncias de fiscalização.

As mudanças regulamentárias podem incluir desde mudanças nas regras regendo o salário mínimo em determinadas atividades, até mudanças nas regras regendo a segurança no trânsito, passando pelas regras regendo as atividades financeiras, o meio ambiente, normas sobre a fabricação de produtos, venda de produtos, normas de saúde, gestão da energia, etc.

Fica entendido então que, caso fossem levados todos seus componentes em consideração, provavelmente os custos da regulamentação ultrapassariam consideravelmente os valores apresentados pelos autores para o caso americano. Então via de regra os custos da regulamentação tem por definição valores diversas vezes maiores do que aqueles que conseguimos contabilizar.

Considerações Conclusivas

O alto volume dos custos da regulamentação não garante que boas normas serão colocadas em prática. A regulamentação pública custa à coletividade em função de seu potencial de benefício social: menos é provável que a regulamentação apresente nitidamente efeitos benéficos para a sociedade, maior é o potencial de que seus custos sejam elevados e ela inconveniente.

Os custos da regulamentação são ainda mais importantes para as pequenas empresas: maior o número de pequenas empresas atingidas por uma regulamentação, maior o custo potencial desta norma. Na verdade as pequenas empresas têm menos recursos financeiros e poder de negociação junto às administrações públicas, notadamente quando estão envolvidas em processos de autorização de funcionamento de seu negócio que tramitam na burocracia. Elas têm menos poder de barganha para acelerar o andamento da papelada. As regulamentações no mercado de trabalho, as regulamentações ambientais ou de segurança enrijecem os mercados e reduzem a capacidade de adaptação das pequenas firmas às evoluções da demanda, uma vez que acrescentam custos fixos suplementares. Elas colocam a sobrevivência das firmas mais frágeis em perigo, reduzem a competição e limitam o conjunto de efeitos que estas firmas realizam sobre a produtividade e o crescimento econômico.

A regulamentação é o que protege as grandes coorporações da livre competição.

Os custos da regulamentação pública crescem com o aumento do número das regulamentações, ou ainda: os custos da regulamentação crescem mais rápido que o número de novas regras, normas e barreiras à concorrência. A inflação de normas aumenta os custos de aplicação das normas e multiplica as situações onde a regulamentação não é aplicada por falta de meios.

A primeira consequência é uma pressão cada vez maior sobre o contribuinte. As regulamentações que não conseguem ser aplicadas legitimam o aumento da pressão fiscal: se elas não são aplicadas é porque ninguém é responsável pela realização de sua execução e fiscalização, notadamente por ausência de meios. A segunda consequência é a multiplicação de situações arbitrárias. Uma regulamentação mesmo quando não aplicada continua existindo formalmente. Ela pode ser colocada em aplicação a qualquer momento, ou ainda, se tornar um instrumento de ameaça política: as administrações ou a concorrência de algumas firmas podem exercer pressão ou chantagem sobre estes empreendedores, ameaçando colocar em pratica tal norma, demandando, por exemplo, que realizem alguma coisa que eles não realizariam na ausência desta ameaça.

Neste caso a pequena empresa é potencialmente mais prejudicada por esta arbitrariedade relativa à execução de uma norma. Sendo menor, ela está mais vulnerável à chantagem que uma grande firma concorrente pode utilizar para diminuir a competição. Ela tem menos meios financeiros para investir em campanhas eleitorais ou chantagear as administrações.

A regulamentação econômica se torna um instrumento de uma política anti-concorrencial tendo efeitos discriminatórios sobre as firmas.

Ela pode então perder sua legitimidade e aumentar o sentimento de injustiça. O que incentiva os agentes a adotar comportamentos inesperados ou recorrer à corrupção.

A corrupção é também um custo indireto de uma regulamentação demasiadamente complexa, mal aplicada e originando em custos fixos difíceis de arcar em períodos de recessão.

Ades e Ditella (1997) mostraram inclusive que a relação entre corrupção e regulamentação é positiva e significativa, ou seja, em países que praticam uma “política industrial” mais ativa os níveis de corrupção são mais elevados.

O principal custo da regulamentação púbica é a redução da produção. Se trata da opção pelo racionamento, da rejeição da abundância. Ela tem um efeito negativo sobre o crescimento econômico de um país porque ela tem um efeito negativo sobre a produtividade dos fatores. Ela pesa mais sobre as pequenas empresas e reduz as condições de renovação da oferta, favorecendo incentivos e comportamentos perversos, aumentando o risco de expropriação e violação dos direitos de propriedade.

A regulamentação ajuda a explicar o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Ao limitar o crescimento econômico e seu potencial, a regulamentação reduz então o potencial de aumento da renda dos consumidores, que se tornam mais pobres pois são impedidos de poder consumir por preços mais baixos. A regulamentação pública cria naturalmente as próprias condições para seu auto-reforço.

Outra questão sublinhada por diversos autores, como Giandomenico Majone (1999), é a progressão do Estado Regulamentador que coloca problemas de ordem democrática [5]. Regularmente em teoria e na prática as agências e órgãos regulamentários não estão sob contrôle direto das instituições democráticas do legislativo ou de poderes moderadores, mas eles têm autonomia para legiferar em diversos setores e aspectos da vida social.

Se de um lado as medidas fiscais e politicas públicas suscitam debate popular e possível contestação política nas eleições ulteriores, de outro lado as medidas regulamentárias — que têm implicações diretas sobre o bem-estar (renda) dos indivíduos — muitas vezes passam desapercebidas ou são fruto de decisões tomadas sob critérios questionáveis, frequentemente arbitrários, sua revisão e aplicação não estando submetidas aos mesmos critérios e seu despacho sendo tomado em salas fechadas por membros do governo ou pessoas sem respaldo da sociedade civil.

Finalmente, o mais importante é que a totalidade dos custos regulamentários qualquer que seja o método de análise privilegiado é dificilmente estimável, mas sabemos por definição que seus custos são sempre maiores que nossa capacidade de avaliação. Os custos são mais elevados do que aparentam. Aliás todo setor produtivo é condicionado a critérios institucionais que até podem ser justificáveis em um determinado momento ou circunstâncias, mas a morosidade do processo decisional do governo é tal que a adaptação acurada deste quadro institucional ao longo do tempo é impossível, ainda mais em uma sociedade moderna, dinâmica e onde as mudanças são rápidas, todo o quadro de regras logo se torna obsoleto e essas regras logo vão se tornando absolutamente incompatíveis com uma situação atual, ou conjuntura ulterior, e elas vão se colocando umas contra as outras, requerindo revisões custosas e desnecessárias.

Se inspirando de Frédéric Bastiat, poderíamos concluir que a parte visível dos efeitos diretos da regulamentação não é mais do que a ponta do iceberg. Buscar competitividade é fundamental para os países em tempos de crise, e essa busca passa pelo contrôle da inflação normativa que freia a criatividade, a inovação e a concorrência.

Junho 19, 2013 por mateusbernardino

Notas

[1] As administrações públicas, responsáveis pela produção, execução e contrôle da norma regulamentária governamental, assemelham-se ao que Von Mises descreve como “burocracia”. Para Von Mises (1944, p. 46) os objetivos das administrações públicas não podem ser mensurados em valores monetários, ou ser checados precisamente por métodos contábeis, principalmente por não ser um regime alocativo onde o principal objetivo é o lucro. Na administração pública, segundo Mises, não existe conexão entre a renda e as despesas, não existem preços de mercado para os objetivos almejados. Segundo ele:

“The Bureaucratic management is management of affairs which cannot be checked by economic calculation (…) The problem of bureaucratic management is precisely the absence of such method of calculation.”

O governo e seus braços administrativos não podem ser transformados em empresas, nem a condução de suas tarefas transformadas e checadas pelos mecanismos de perda e ganho, não mais que seus resultados avaliados em termos monetários. Para Mises (1944), como já mencionado brevemente neste artigo, a essência diferenciando a administração burocrática da privada reside na vontade de obrigação que esta última tem de obter lucros. Mises lembra que o calculo econômico é impossível sob um regime estatal de produção, os objetivos procurados por um corpo administrativo e burocráticos não podem ser facilmente avaliados em termos monetários.

“In public administration there is no connection between revenue and expenditure. The public services are spending money only; the’ insignificant income derived from special sources (for example, the sale of printed matter by the Government Printing Office) is more or less accidental. (…) In public administration there is no market price for achievements (…) Bureaucratic management is management of affairs, which cannot be checked by economic calculation. (…) Then he discovers that bureaucratic management is wasteful, inefficient, slow, and rolled up in red tape.” (Mises 1944, p. 47–48)

O quadro de agentes e funcionários públicos sofre com falta de mecanismos de preços de mercado e incentivos. Estes mesmos problemas seriam encontrados em um puro regime socialista de produção.

Outro autor austríaco tendo tratado a questão foi Murray Rothbard (1995), ele salvaguarda praticamente as mesmas conclusões que Mises. A capacidade de atingir um dado nível de renda e progresso, para um corpo burocrático, depende justamente do montante de recursos e funcionários que estão alocados para este corpo (conclusão também avançada pelo corpo teórico do Public Choice). O crescimento burocrático se dá graças à multiplicação de níveis hierárquicos da burocracia.

“By its nature, government is not subject to the profit-and-loss test, to the domination by the consumers, of the free market. (…) Bureaucracy is necessarily hierarchical, first because of the Iron Law of Oligarchy, and secondly because bureaucracy grows by adding more subordinate layers.” (Rothbard 1995, p. 5)

Rothbard desenvolve portanto um ponto interessante, que também foi objeto de análise dos trabalhos de Gordon Tullock (1965), e é este relativo à "teoria hierárquica de um governo burocrático". Se trata na verdade de fazer emergir os problemas incitativos, mas principalmente, informacionais que existem dentro de um sistema (público) de administração e burocracia. Neste caso, a informação coletada nas partes mais baixas do esquema organizacional é triada e repassada aos níveis mais elevados, sobre-concentrando a informação nas mãos de um último burocrata situado no cume da hierarquia. Os funcionários além de não ter interesse em transmitir ao melhor a integralidade da informação que lhes chega — notadamente devido à falta de mecanismos de recompensa pelo mérito –, para esperar atingir um cargo superior ou se manter em seus postos, vão ter tendência a não relatar ou não repassar más informações, ou informações que venham desagradar seus superiores. Segundo Rothbard (1995, p. 11) contrariamente ao que acontece no mercado, o sucesso de um burocrata dependerá de:

“Success in the bureaucracy on the contrary, will go to those who are most apt at (a) employing propaganda to persuade their superiors, the legislators, or the public about their great merits; and therefore (b) at understanding that the way to rise is to tell the President and the top bureaucrats what they want to hear.” (Rothbard 1995)

Rothbard faz ainda referência a “Lei de Parkinson” descrevendo o fenômeno no qual em um regime burocrático existiria uma relação pouco estreita, ver oposta, entre o tipo de trabalho a ser realizado e o tamanho do corpo de funcionários alocados para a realização desta tarefa. Deste modo:

“Parkinson identifies two “axiomatic” underlying forces responsible for this growth: (1) “An official wants to multiply subordinates, not rivals”; and (2) “Officials make work for each other.” (Rothbard 1995, p. 12)

Fica claro nesta perspectiva a tendência "natural" que teria um corpo burocrático em multiplicar seu tamanho independentemente da tarefa a qual eles estão encarregados de realizar.

[2] Um aspecto da lógica e funcionamento da ação dos grupos de pressão segue justamente esta regra: a participação a um grupo de interesse e pressão acontece porque estes grupos podem exercer uma influência concreta sobre as decisões políticas, buscando que sejam implementadas decisões de ordem regulamentaria que venham beneficiá-los, decisões cujos custos sejam suportados por outros grupos de indivíduos ou diluídos em toda a sociedade. A atividade de lobby consiste, justamente, em buscar privilégios concentrados e custos dispersos. Um exemplo ilustrativo faz apelo aos agricultores que buscam regras e barreiras os protegendo de eventuais ameaças de concorrência: os benefícios são concentrados e os custos arcados pelo conjunto de contribuintes que devem pagar mais caro por produtos mais baratos alhures.

[3]De acordo com os autores:

“As noted in the introductory summary, taxation and regulation can substitute for each other because regulation can advance government initiatives without using tax dollars. Rather than pay directly and book expenses for new programs, the government can require the private sector — as well as state and local governments — to pay for federal initiatives through compliance costs.” (Crews Jr. 2012, p. 10)

[4] As regulamentações do tipo "Red Tape" são as mais onerosas e dispendiosas para a atividade produtiva e empresarial, aumentando significativamente a dificuldade de empreender e o nível de burocratização para realização de empreendimentos. Incluem-se nesta definição necessidade de obtenção de Licenças, Alvarás ambientais, regulamentações tributárias etc.

[5] A partir desta constatação, é possível explicar melhor o número importante e crescente de regulamentações públicas. A passagem a um “Estado Regulamentador” pode ser o fruto desta incessante busca de privilégios. Devido a esta demanda, os governo teriam se concentrado cada vez mais nas atividades de supervisão, garantia, contrôle e produção indireta de bens e serviços, notadamente via instrumentos regulamentários. Domenico Majone (1997) afirmava que esta passagem de Estado Produtor a um Estado Regulamentador é o resultado, entre outros motivos, do aumento da concorrência econômica e regulamentária decorrendo da aceleração do processo de globalização. O Estado Regulamentador pode ser interpretado como a materialização do acréscimo incessante de normas regulamentárias regendo atividades econômicas e sociais. Este fenômeno que alguns chamam de “inflação normativa” representa, justamente, o número crescente de normas e leis votadas pelos parlamentares dos governos ao redor do mundo.

Referências

  1. Ades, A.; Ditella, R. “National Champions and Corruption: Some Unpleasant Interventionist Arithmetic.” The Economic Journal, Vol. 107, p. 1023–42, 1997.
  2. Buchanan, J. M. Theory of Public Choice, Michigan: University of Michigan Press, 1972.
  3. Crews jr., C. W. “Ten thousand commandments: an annual snapshot of the Federal Regulatory State.” Competitive Enterprise Institute, 2012 (2013).
  4. Dixit, A.K. The Making of Economic Policy: A Transaction-cost Politics Perspective. Munich Lectures in Economics, CES, The MIT Press. Cambridge, Massachusetts. London, England, 1996.
  5. Gattuso, J. L.; Katz, D. “Red Tape rising: Obama-Era Regulation at the three-year mark.” Backgrounder, The Heritage Foundation, Vol. 2663, March 2012.
  6. Gray, W.B. The Cost of Regulation: OSHA, EPA and the productivity slowdown, The American Economic Review, Vol. 77 (5), p.998–1006, 1987.
  7. Hayek, F. A. Constitution de la Liberté, Ed. Litec, Collection Libéralia, 1996.
  8. Jalilian, H.; Kirpatrick, C. and Parker, D. “The Impact of Regulation on Economic Growth in Developing Countries: a Cross-Country Analysis.” World Development, Vol. 35 (1), p.87–103, 2007.
  9. Majone, G. “From the Positive to the Regulatory State : Causes and Consequences of Changes in the Mode of Governance.” Journal of Public Policy, Vol. 17 (2), p. 139–167, 1997.
  10. Mises, L. V. Bureaucracy. New Haven, Yale University Press, 1944.
  11. Newberry, D. Privatization, Restructuring and Regulation of Network Industries, Cambridge, Mass.: MIT Press, 1999.
  12. Posner, R. A. “Taxation by regulation.” Bell Journal of Economics and Management Science, Vol. 2, p. 22–50, 1971.
  13. Rothbard, M. N. “Bureaucracy and the civil service in the United States.” Journal of Libertarian Studies, Vol. 11 (2), p. 3–75, 1995.
  14. Salin, P. Le libéralisme. Editions Odile Jacob, Paris, 2000.
  15. Stigler, G. (1971). “The Theory of Economic Regulation.” Bell Journal of Economics, Vol. 2 (1), p.3–21, 1971.
  16. Tullock, G. The politics of bureaucracy. Washington D.C. Public Affairs Press, 1965.

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