Equilíbrio Parcial, Monopólio Natural e seus Limites Teóricos: Não Existe Custo ‘Social’

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
18 min readJun 21, 2024

Neste artigo procuramos apresentar de que forma o conceito de "custo social" é tão importante para o raciocínio envolvendo a teoria tradicional do monopólio. Questionaremos sua pertinência teórica e contestaremos também sua validade prática e aplicada ao caso do monopólio natural.

Ronald Coase

Introdução e Definição do Custo Social

Como vimos na primeira parte deste trabalho, um conceito relativamente importante dentro da retórica do monopólio é o de custo social que, em teoria, diz respeito ao total de todos os custos que podem estar associados a (uma) atividade(s) econômica(s). Ele inclui todos os custos sustentados pelos agentes que participam diretamente dessas atividades além dos custos suportados pela sociedade como um todo e que estarão associados às atividades em questão. [1]

Por serem apresentados como essencialmente "privados", os custos que refletem diretamente uma organização produtiva e comercial são colocados em oposição aos custos "essencialmente" sociais: não é incomum se referir aos custos sociais apenas como o conjunto de custos externos diferente dos custos privados.

Custos sociais podem ser definidos então como o conjunto de custos envolvendo os agentes que não participam diretamente à operação produtiva ou transação de mercado. [2]

A noção de custo social pode ser associada à idéia de externalidade, termo que significa simplesmente que um determinado número de trocas entre agentes não encontra respaldo nas operações de mercado via mecanismos de preços. Em outras palavras, as ações econômicas implicariam consequências positivas ou negativas sobre outros agentes sem que isto passe pelo mercado.

Os custos sociais correspondem ao conjunto de custos non-marchands envolvendo uma ou mais atividades econômicas. Embora um número destes custos e efeitos externos possa mesmo que parcialmente ser internalizado às transações, existe uma dificuldade real à resolução de um problema que a teoria econômica apontou relativamente bem, isto quer dizer, essas situações envolvendo efeitos externos. [3]

Tendo como referência de optimalidade e como plano de trabalho argumentativo o "equilíbrio estático em concorrência pura e perfeita", a existência de custos de transação e custos sociais poderia legitimar intervenções regulamentárias desde que seus ‘custos sociais’ sejam inferiores aos seus benefícios.

Dito de outra forma, deveríamos buscar a minimização desses custos sociais para nos aproximar de situações mais desejáveis no plano de eficiência alocativa e resultados em economia do bem estar.

Custo Social e Monopólio

Richard Posner (1975) nos apresentou uma ilustração tornando ainda mais acessível a compreensão e apreensão do conceito ‘custo social’ quando transposta ao problema do monopólio.

Quando os preços de mercado aumentam e se encontram acima do nível considerado competitivo (equalizando os custos marginais e custo médio), os consumidores que continuarem a comprar por este preço mais alto, estariam sofrendo uma perda de bem estar (ver região L de nossa ilustração logo abaixo).

Custos Sociais do Monopólio

Estes preços mais altos no equilíbrio significam simplesmente uma transferência de benefícios em bem estar dos consumidores aos vendedores e não descrevem, todavia, um ‘custo social’.

No entanto, supõe-se que inúmeros consumidores deixarão de comprar ou realizar negócios em decorrência deste preço mais elevado, deixando então de se beneficiar dos ganhos associados ao comércio. Esta perda em volume de negociações é representada pela região D da figura descreve os custos "sociais" vinculados ao monopólio.

Se levássemos em conta unicamente as transações que não podem ser realizadas ainda assim os custos sociais associados à produção em monopólio estariam sendo subestimados. [4]

A busca pelo prevalecimento da situação monopolística permitindo acesso às rendas de monopólio significa um dispêndio de recursos utilizados estritamente para atingir este objetivo.

Fazendo uma alusão comparativa entre o roubo e atividade monopolista, Gordon Tullock (1967) aponta que existiria um custo de oportunidade associado ao uso destes recursos para atividades improdutivas ao invés de investimentos em atividades consideradas produtivas. [5]

Devemos lembrar que as considerações vinculadas a formação e busca de estabelecimento em monopólio setorial não dizem exatamente respeito aos dilemas e processos decorrendo do monopólio natural. [6]

O processo de formação do monopólio natural, segundo a teoria standard, tem cunho estritamente tecnológico. Isto quer dizer que os custos relativos à busca de estabelecimento monopolístico no mercado podem não ter aqui nenhum papel a desempenhar. Contudo isto é uma mera formalidade ou concessão teórica, na medida que caso não optem pela empresa pública (e todos os custos "sociais" associados à esta opção, entrará em questão todo o processo de lobbying e busca pelos contratos de concessão ou produção regulamentada.

Independentemente, é importante ressaltar três considerações cruciais:

  1. A primeira é que os supostos custos sociais — decorrendo da utilização de recursos em busca de rendas (rent seeking) e favores privilegiando determinado produtor — dependem da aceitação de um papel ativo do governo, ou seja, sua existência implica indissociavelmente a admissibilidade da utilização do aparato estatal e de seus integrantes para a instrumentalização do processo administrativo e regulamentário.
  2. Em segundo lugar, no caso da interpretação relativa ao monopólio vemos que a noção de "custo social" parece apresentar um relativo distanciamento do seu sentido original, ou do sentido apresentado quando tratamos as questões das externalidades. Enquanto os custos sociais no primeiro caso fazem alusão às consequências diretas das transações e atividades produtivas de uns sobre o comportamento e bem-estar de outros, e da impossibilidade de realização de transações em decorrência da dificuldade de reconhecimento dos direitos de propriedade ou limites da extensão de apropriabilidade de determinados ‘bens’; no segundo caso temos um quadro de direitos de propriedade relativamente bem definido e atividades e transações que não têm a priori nenhum efeito externo direto sobre o comportamento e bem estar de outros indivíduos. [7]
  3. Em terceiro lugar, embora nos seja claro que o conceito possa adquirir um caráter relativamente extensivo, visto que ele descreve todo e qualquer "custo" que os teóricos desejem justificar e supostamente fazer decorrer diretamente de uma atividade comercial ou produtiva; parece saltar aos olhos que a definição pode ser estendida até um ponto em que perde qualquer sentido, ou ainda que descreva fenômenos aparentemente sem ligação direta, justificando aleatoriamente toda e qualquer intervenção que venha a ser estabelecida pelo governo.

A Crítica da Análise Comparativa: Ineficiências e o Problema Informacional

Em situação de monopólio natural o Estado intervém, em princípio, para restituir aos consumidores a disposição de um excedente econômico de consumo que lhes teria sido subtraído pelo monopólio privado estabelecido e atuando em livre funcionamento dos mecanismos de mercado e precificação.

No entanto, em teoria, não basta simplesmente dizer aos dirigentes das empresas que eles devem vender a um preço inferior ao preço compatível do custo médio (ou do custo marginal em caso de subvenção); ainda é necessário assegurar que suas diretivas administrativas serão respeitadas e que a gestão da empresa deva estar alinhada e submetida às regras impostas pelo governo devido às questões associadas.

Lembremos que, assim como vimos no primeiro artigo, para justificar politicamente junto à opinião pública a produção em monopólio legal, sua produção ao custo mínimo e benesses da produção por um único operador, é necessário assegurar o respeito à determinação da estrutura tarifária atendendo as reivindicações do regulamentador, e ter sucesso no objetivo de universalização.

Um problema recorrente é que as únicas informações que dispõem os governantes provêem e são repassadas pelos colaboradores e gestionários das empresas sob sua tutela.

Qualquer que seja o quadro de direitos de propriedade em vigor os funcionários não têm forçosamente interesse em transmitir informações perfeitamente compatíveis com as reais necessidades das empresas: informações relativas a suas tarefas, às necessidades de seu cargo e trabalho pessoal, relativas ao trabalho de sua equipe ou seção de produção, e principalmente, eles não tem forçosamente interesse em revelar precisamente importantes informações sobre os custos e investimentos requeridos e as possibilidades de economia associadas.

No entanto, a diferença em termos de consequências que estas assimetrias informacionais podem acarretar deveriam ser organizadas segundo a natureza da atribuição dos direitos de propriedade e regime organizacional em vigor.

Isto quer dizer que no regime da propriedade privada, a responsabilidade, e a autonomia de gestão, associadas ao objetivo de maximizar os lucros conferem um poder de decisão naturalmente restritivo das margens de manobra e especulação informativa remontando dos colaboradores. Cada um destes atributos não podendo ser transmitido identicamente a um quadro estrutural onde o regime de propriedade e a organização são diferentes.

Disto decorre que na organização pública nem a responsabilidade é verdadeiramente engajada, nem a gestão e administração são efetivamente autônomas, nem as atividades funcionam ou dependem de critérios de lucro.

Geralmente, em uma verdadeira rotina de ausência de direitos privados de propriedade estas características engendram ineficiências e motivo é simples: enquanto não existir a propriedade e for ausente o regime de responsabilidade não existe motivo superior fazendo que a generalização do desperdício não se imponha, ou que a gestão seja viciosamente corrompida pelos diferentes agentes participando à organização produtiva pública e processos políticos envolvidos.

Procurando tirar proveito e lucro das assimetrias informacionais não contrabalançadas pela propriedade e verdadeira autonomia de gestão — característica da iniciativa privada –, quando as empresas se encontram sob tutela do governo cada agente participando ao processo produtivo (engenheiros, direção, arquitetos, técnicos, sindicatos e gestores) consegue mais facilmente se comportar de tal maneira que consiga se apropriar — sob desculpa de supostamente enfrentar custos mais elevados em sua seção, projeto de engenharia ou qualquer outra alocação de recursos — da maior parte do excedente econômico que o Estado estaria disposto, incialmente, a transferir aos consumidores através da imposição de uma política tarifária mais suave seguida de subvenção, ou através da gestão indireta das diretivas administrativas da empresa.

E neste primeiro elemento sequer levamos em conta o fato de que tal esquema organizacional se mantém, frequentemente, sob vastos esquemas de subvenções diretas e subvenções cruzadas tornando ainda mais difícil aceitar a idéia de que o excedente supostamente surrupiado do consumidor em razão da produção de monopólio terminará por ser recuperado e redistribuído em seu favor. [12]

Não temos nenhuma garantia de que a perda e "custo social" decorrendo do preço de monopólio e supostamente as transações que deixam de ocorrer devido a este preço (deadweight loss) sejam de fato inferiores aos "custos sociais" trazidos pela fiscalidade (que também produz, desde este mesmo quadro de análise, incondicionalmente perdas secas à sociedade) e pelas transações que deixam de ocorrer devido à tomada de parte da renda dos indivíduos para consagrar a uma atividade que talvez lhes fosse indiferente, ou ainda, relativamente substituível.

A progressão e existência de todos estes custos não nos fornece garantia nenhuma de que eles serão inferiores ou terminarão por ser menores que o suposto excedente que beneficiaria os consumidores sob outro arranjo organizacional.

Enquanto a renda de monopólio obtida via alta precificação — comparada à situação de concorrência pura e perfeita — engendraria perdas secas que traduziriam uma realização inferior de trocas comerciais em volume — novamente em comparação com a situação de concorrência pura e perfeita; as subvenções cruzadas, a fiscalidade, a ineficiência burocrática e oferta de bens e serviços tendo qualidade inferior engendrariam, igualmente, uma redução do benefício líquido — em termos de bem estar ou de renda — associado aos consumidores.

Dito de outra forma não existe nenhum motivo para acreditarmos que estes custos terminem por se dissipar e não se estender até o nível que supostamente garantiria que o excedente, que teria existido, permaneça positivo ou igual ao nível que vigora sob regime de organização da firma regulamentada (ou nacionalizada) e que, por consequência, o excedente repassado ao consumidor, seja inferior a este da organização do monopólio não regulamentado.

James Buchanan

A intervenção do Estado termina por servir nestes casos simplesmente/praticamente apenas aos interesses dos dirigentes das empresas, dos burocratas, dos colaboradores e diferentes grupos e associações que tiram diretamente proveito — político e econômico — deste arranjo, e não forçosamente os consumidores.

Todos estes grupos tendo interesses claros de capturar uma parte do excedente que supostamente deveria ter sido repassado aos consumidores.

Não Existem Custos ‘Sociais’

Notem que, até agora, nossas considerações levam apenas em conta uma questão puramente utilitarista do problema que consiste, em alguma escala, em dizer que determinado arranjo fornece ou apresenta um nível de custos diferente, superior ou igual a determinado outro arranjo.

Mas como vimos na introdução da retórica do monopólio os analistas que levaram em consideração as premissas e conclusões relativas aos modelos tradicionais estabelecem caricaturalmente o seguinte tipo de proposta: comparativamente à situação de concorrência pura e perfeita, determinada situação econômica imposta pela particularidade tecnológica do processo produtivo oferece um nível de eficiência e bem estar "social" inferior.

Notemos ainda que estas conclusões não precisam ser levantadas segundo os arranjos referenciais "perfeitos", isto quer dizer, elas podem ter caráter estritamente aproximativo avançando por exemplo que uma situação concebida como mais próxima do quadro referencial de concorrência pura e perfeita é mais desejável (em eficiência e bem-estar) do que a situação mais próxima da situação naturalmente monopolística.

O que demonstramos simplesmente é que tomar em consideração os custos envolvendo a regulamentação e a distinção do regime de propriedade e responsabilidade e as consequências que as assimetrias informacionais fazem disto decorrer fez com que fossem reveladas as supostas ineficiências que são associadas a cada um destes arranjos; colocando em questão, forçosamente, um contrabalanço dos "custos sociais" envolvidos. Isto é o que qualifiquei como uma perspectiva puramente utilitarista e comparativa.

É muito tênue a diferença em matéria de custos “sociais” entre arranjos supostamente tão distintos.

Ronald Coase (1960) nos explicou que a arbitragem entre diferentes arranjos organizacionais deve levar em conta aspectos indo além das simples questões relativas aos supostos custos (sociais) apontados pela teoria neoclássica, e que devemos evitar conclusões automáticas fazendo com que qualquer custo supostamente apontado pela teoria deva significar uma medida ou política procurando minimizá-lo:

“It is my belief that the failure of economists to reach correct conclusions about the treatment of harmful effects cannot be ascribed simply to a few slips in analysis. It stems from basic defects in the current approach to problems of welfare economics. What is needed is a change of approach. Analysis in terms of divergencies between private and social products concentrates attention on particular deficiencies in the system and tends to nourish the belief that any measure that will remove the deficiency is necessarily desirable. It diverts attention from those other changes in the system which are inevitably associated with the corrective measure, changes which may well produce more harm than the original deficiency (…) But it is, of course, desirable that the choice between different social arrangements for the solution of economic problems should be carried out in broader terms than this and that the total effect of these arrangements in all spheres of life should be taken into account. As Frank H. Knight has so often emphasized, problems of welfare economics must ultimately dissolve into a study of aesthetics and morals (…) In devising and choosing between social arrangements we should have regard for the total effect. This, above all, is the change in approach which I am advocating.” (Coase 1960, p. 42)

Vejamos um ponto ainda mais crucial, as ditas condições de concorrência pura e perfeita em nenhuma escala devem ser consideradas uma referência para aplicação de políticas econômicas.

Em outras palavras, se a alternativa concreta a um monopólio natural privado e não regulamentado é uma firma privada regulamentada, ou um monopólio público praticando políticas de oferta idênticas (em termos de bem estar) a aquela do monopólio privado antes da intervenção governamental, resulta — por simples utilização da lógica — que a própria idéia de que uma empresa em posição de ofertante único sobre o mercado imporia forçosamente um "custo social’ cuja correção cabe ao Estado é destituída de real sentido prático.

De forma mais categórica nada nos impede de dizer que o estabelecimento a priori de um monopólio legal é mais desejável do que a liberdade de entrada e desregulamentação; ou que um suposto estabelecimento, via concorrência, de um monopólio setorial natural é menos desejável, ou implicaria mais custos "sociais".

Além disso, caso realmente o monopólio se imponha via ganhos de escala e melhor aproveitamento das supostas características tecnológicas do setor, culminando em uma eliminação de quase toda concorrência, o governo poderá sempre regulamentar suas tarifas, ou ameaçar de o fazer.

Ou seja, a pré-determinação do monopólio legal por questões de tecnologia não se sustenta formalmente se o objetivo do regulamentador era simplesmente controlar as tarifas, garantir a universalização do serviço ou minimizar os custos "sociais".

É ainda mais incrível que não salte aos olhos de todos que a aceitação do referencial de concorrência perfeita para justificação do monopólio legal por questões tecnológicas termina por negligenciar, justamente, a evolução das técnicas produtivas e tecnologias de produção.

Ou seja, o progresso técnico poderia certamente permitir o surgimento de uma tecnologia que eliminaria eventuais tendências monopolistas de alguns setores. Mas no caso de situações monopolísticas estabelecidas em favor de um operador as empresas instaladas não teriam nenhum incentivo em revelar este progresso que eventualmente coloque em questão sua situação, por exemplo, assimilando atividades que modificariam sua estrutura de custos para que ela se mantenha compatível com esta do monopólio supostamente "natural".

Existe uma forte intuição apontando que o grau de evolução das tecnologias depende certamente do livre funcionamento dos mecanismos de preços e liberdade de entrada em mercados concorrenciais, o que de certa forma é desestimulado pela permanência de monopólios legais.

Conclusão e a Real Definição de Custo

Os custos são em sua concepção mais essencial apenas julgamentos pessoais de valor instantâneos e ocultos que, por definição, excluem o que os outros possam julgar ser o valor objetivo (Henry Lepage 1989).

Existe em teoria, nitidamente, uma confusão entre custos objetivos e subjetivos.

Não existe custo fora da escolha, os custos implicam uma decisão.

O custo de uma ação é o que sacrificamos quando escolhemos este empreendimento relativamente a outro.

Desta forma deve ser distinguida a idéia de custo da idéia de preço de custo, que é a expressão em valores monetários e contáveis de transações de mercado.

Como havia notado James Buchanan (1969, p. 65–69):

“Pigovian principle embodies a failure to make the distinction between costs that may influence choice and costs that may be objectively measured (…) This Pigovian framework provides us with perhaps the best single example of confusion between classically derived objective cost concepts and the subjective cost concepts that influence individual choice. There is an obvious inconsistency. The Pigovian norm aims at bringing marginal private costs, as these influence choice, into line with social costs, as these are objectively measured. Only with objective measurability can the proper corrective devices be introduced. But under what conditions can objectively measurable costs, external and internal, be taken to reflect, with even reasonable accuracy, the costs that the effective decision-maker may take into account. In conditions of ideal competitive equilibrium, the costs that can be measured by the observer provide a reasonable proxy for the subjective evaluations of decision-makers. However, almost by definition, external effects are not imposed in such a setting.”

Ao procurar transformar os teoremas deduzidos da pura análise lógica das escolhas individuais em ferramentas utilizadas para realização de política econômica, muitos economistas cometeram um erro irreparável: um divorcio radical entre o conceito de "custo" e toda noção de decisão individual.

Passamos de um universo onde toda representação conceitual de "valor" é fundamentada em escolhas subjetivas dos seres humanos a um mundo diferente onde o custo de oportunidade é considerado como noção objetiva e quantificável através de grandezas físicas independentemente de todo processo de avaliação individual.

Disto tudo resulta que, por uma simples questão de rigor metodológico e aprofundamento das questões conceituais, a idéia de que uma empresa privada em posição de único ofertador sobre um mercado geraria forçosamente um custo "social" deve ser rejeitada.

Ao menos se concebermos propriamente a noção de ‘custo’, e a distinção entre custo objetivo e subjetivo. Como afirmou Henry Lepage (1989, p. 70):

“Il n’y a tout simplement pas de ‘coût social’. Il s’agit d’une pure invention de la théorie.”

A idéia de custo "social" tal qual concebida atualmente poderia dar margem pra toda e qualquer intervenção estatal, mesmo em setores que tecnicamente não apresentariam características de monopólio natural.

Ora, se um mercado é relativamente menos competitivo que outro, nos dirão, e se os preços praticados são considerados acima do desejado, se impõe que determinados consumidores não terão acesso; logo uma intervenção procurando atenuar estes efeitos também se impõe.

A expressão "monopólio natural" com todas as conotações negativas que dela decorrem e sua suposta justificação para o controle direto da produção de certos bens e serviços pelo Estado perde todo seu sentido ou compatibilidade com a realidade quando concebemos corretamente a distinção entre as duas concepções de custo.

O monopólio natural, os custos sociais e as condições de concorrência pura e perfeita são coisas que simplesmente não existem.

Notas

[1] Os custos sociais descrevem:

“Le coût social est l’ensemble des coûts supportés, à l’occasion d’une activité économique donnée, par les agents, ceux qui en retirent les bénéfices comme les autres. Le coût privé est traditionnellement mesuré par le ‘coût alternatif’, c’est-à-dire l’utilité maximale à laquelle on renonce en utilisant des ressources pour la mise en œuvre de cette activité, valeur censée être représentée par son coût monétaire sur le marché.

Cette démarche se fonde donc sur l’optimisation des choix. Mais, si l’on y ajoute le coût externe pour atteindre le coût social, le raisonnement ne peut plus être tenu de la même manière. Pour ce qui est du coût externe, les agents qui le supportent ne le désirent pas et ne sont donc pas pris ici dans une logique de maximisation de l’utilité. Quant au coût social, la société ne s’engage pas ici dans un processus d’optimisation.” (Encyclopedia Universalis)

[2] Este foi, por exemplo, o procedimento empreendido por Xavier Greffe (1997, p. 559), que definiu o custo social como:

“Un coût supporté par les agentes qui n’ont pas participé aux transactions ou échanges donnant naissance à l’activité concernée et qui n’ont donc pas été indemnisés à ce titre.”

[3] Os trabalhos de Ronald Coase (1960) deram origem ao teorema (Teorema de Coase) o qual estatua que, em ausência de custos de transação, e em presença de direitos de propriedade bem definidos, as alocações produtivas são, por definição, ótimas ou eficientes segundo a referência de Pareto. Deve-se guardar em mente que a palavra ‘transação’ faz referência a uma transferência de direitos de propriedade entre entidades tecnologicamente distinguíveis.

[4] A demonstração destes custos "escondidos" foi a iniciativa de um trabalho do economista Gordon Tullock (1960), segundo o autor:

“It is my purpose to take the other route suggested by Mundell and demonstrate that the ‘tools on which these studies are founded’ produce an underestimation of welfare costs of tariffs and monopolies (…) There are considerable number of costs that are ignored by this procedure (…) As a starter, collection of a tariff involves expenditure on customs inspectors, etc., who do the actual collection and coast guards who prevent smuggling (…) The tariff cannot involves a similar waste of resources and consequently its social cost cannot be measured simply by the welfare triangle (…) The situation is identical to that which would arise if the government required an established domestic industry to abandon an efficient method of production and adopt an inefficient (…) Monopolies involve costs of somewhat similar nature, and It follows that I will not be able to produce a method to measure their social costs. I will, however, be able to demonstrate that the welfare triangle method greatly underestimates these costs.” (Tullock 1960, p. 224–228)

[5] A análise da busca por uma situação monopolística e a compreensão da idéia de custo social poderia ser feita segundo uma perspectiva comparativa da economia do roubo. O roubo em si representa apenas uma transferência de recursos entre indivíduos, os custos sociais deveriam considerar não o roubo em si, mas os dispêndios que ambos os atores realizaram em capital e trabalho para direcionar seus esforços e recursos a uma atividade de roubo ou proteção pessoal. As transferências elas mesmas não consistem, segundo Tullock, em custos sociais, mas as pessoas engajando seus esforços nestas atividades implicam que elas consagram investimentos que poderiam ser produtivos em atividades meramente prevenindo ou buscando transferências de recursos. Esta atividade é descrita frequentemente como a busca de renda (rent seeking), e representaria efetivamente um desperdício de recursos quando tomamos por referência uma situação onde os agentes consagram unicamente esforços em atividades produtivas. Geralmente os modelos buscando representar os custos sociais envolvendo o monopólio tomam como principais informações a soma das perdas secas (deadweight loss) e custos adicionais associados à busca e investimento de recursos em atividades não produtivas (Posner 1975).

[6] Poderíamos imaginar este tipo de mecanismo se concebermos que há um sistema de compra/busca de favores políticos no momento de atribuição de um setor consideram ex ante naturalmente monopolístico, e que será desta sorte atribuído a um operador privado qualquer quando o governo decide optar por um arranjo envolvendo a iniciativa privada.

Este operador procura então corromper o processo de leilão via pressão política ou acordos com seus eventuais concorrentes. No entanto isto foge à proposta tradicional da teoria do monopólio natural que dá ênfase às questões puramente tecnológicas, ou fato de que, independentemente das decisões de dumping ou concorrência monopolística a produção terminará nas mãos de um único produtor.

[7] Explicando de outra maneira, além da transferência de recursos entre produtores e consumidores decorrendo da política tarifária do monopólio, que não descreve, como vimos, o conceito de custo social; e mesmo que seja amplamente pertinente descrever que dado o preço praticado pelo monopólio natural implica que menos consumidores terão acesso ao consumo, e que mais consumidores estarão descontentes relativamente à situação de preços mais baixos; não muda que não é a transação entre o monopólio e os consumidores que engendra supostos custos a quem não tem acesso ao bem pelo preço ofertado, mas ainda, a própria atividade produtiva do monopólio não parece ela própria engendrar efeitos externos: a única coisa que tem lugar nesta situação é a prática tarifária.

[8] Uma dificuldade suplementar que decorre deste quadro de interpretação surge quando lidamos com países onde a corrupção e fraqueza das instituições são regra, como no caso de muitos países em desenvolvimento. Os custos associados a essas atividades e as ineficiências comprometem consideravelmente a opção pela produção pública.

Referências

Buchanan, J., Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory, Markham Publishing Co., Chicago, 1969.

Coase, R., The problem of social cost. Journal of Law and Economics, Vol. 3, p. 1–44, 1960.

Greffe, X., Economie des politiques publiques, Dalloz 1997.

Posner, R. A., The Social Cost of Monopoly and Regulation, Journal of Political Economy, Vol. 83 (4), p. 807–828, 1975.

Tullock, G., The Welfare Costs of Tariffs, Monopolies, and Theft, Western Economic Journal, Vol. 5 (3), p. 224–32, 1967.

--

--