Introdução ao Public Choice como Ferramenta de Estudo do Estatismo: O Crescimento do Estado

Sobre as principais teorias explicando o crescimento do Estado e os resultados empíricos da literatura econômica

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
24 min readJul 28, 2016

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Recentemente, fizemos uma reapresentação da teoria do Public Choice enquanto ferramenta de estudo do estatismo. Vimos as consequências que a extensão da hipótese de racionalidade econômica sobre o campo da política engendraria no comportamento dos agentes políticos e, particularmente, sobre os incentivos individuais de eleitores, da burocracia e de todos os homens do poder em sociedades evoluindo sob um quadro institucional compatível com as democracias representativas modernas do ocidente.

A contestação da existência de um suposto interesse geral, a concepção da política enquanto mero ambiente de trocas, o pleito pela impossibilidade de existência de alguma espécie racionalidade social — ou ideia de que existiria uma suposta racionalidade social envolvendo o processo eleitoral e o ideal democrático – e o estudo da relevância dos grupos de pressão e das organizações nas decisões políticas nos forneceu elementos preciosos para a formação de intuições explicando a inflação normativa e o contínuo aumento da pressão fiscal nas sociedades.

Tivemos os primeiros indícios permitindo uma compreensão mais acurada do fenômeno palpável e generalizado que é o crescimento irresistível do Estado.

Agora que conhecemos melhor as bases fundadoras da análise econômica da política, podemos avançar um pouco mais na exposição das teorias ajudando a compreender o impacto que o mundo político exerce sobre a esfera econômica, e vice-versa.

Ou seja, em termos concretos, como mensuramos o crescimento do Estado? Quais ferramentas teóricas a Escolha Pública sugere para a investigação das causas e consequências do crescimento do Estado? Quais as principais contribuições dos autores austríacos que complementam aquele quadro de análise? Quais regras explicam a diferença de tamanho e a evolução do ritmo de crescimento? Existiriam elementos explicativos intrínsecos ao setor público, às normas constitucionais, aos sistemas eleitorais, aos regimes de governo ou aos agentes participando da vida pública? Como esses elementos se articulam e nos ajudariam a entender o crescimento das despesas?

Estas são algumas das questões que este artigo pretende abordar.

Dados sobre o Crescimento do Estado

Trata-se de um fato histórico incontestável: a partir do século XIX, o nível das despesas dos governos evoluiu consideravelmente, a um ritmo consistente em todos os países industrializados e malgrado suas diferenças sociais, culturais ou institucionais.

Ainda no século XIX, tentando ilustrar esta constatação, o economista francês Paul Leroy-Beaulieu (1900, p. 19–25) apresentou dados interessantes sobre a evolução das despesas dos governos da Inglaterra e da França. Beaulieu mostrou que, segundo estatísticas oficiais, as despesas governamentais com Serviços Civis na Inglaterra passaram de 1.721.000,00 libras sterling em 1817, para 16.000.000,00 de libras em 1880.

Evolução das Despesas do Governo Inglês no Século XIX

Se tomarmos apenas a evolução das despesas com educação, veremos que elas passaram de 82.872,00 libras sterling em 1817, para mais de 10.399.886,00 libras em 1898.

Malgrado a falsa idéia que temos geralmente daquela época, as despesas militares e de defesa estão longe de representar o único componente das despesas públicas no século XIX. Os custos da administração, dos serviços coletivos e das obras de estrutura já oneravam bastante a composição dos gastos governamentais.

Se tomarmos a evolução das despesas públicas em termos da riqueza produzida para analisarmos o tamanho e a participação do governo nas sociedades, por volta de 1870, o peso das despesas representava, quando muito, um nível de 10% do produto nacional nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o peso era de 7% , um pouco mais do que na Suíça ou na Suécia.

Esta evolução crescente veio, então, desde antes do final do século XIX e prosseguiu ainda mais rapidamente ao longo do século XX. A tendência de crescimento das despesas englobava os nível federais, departamentais e municipais. Vejamos alguns dados na tabela mais abaixo, tirada de um artigo de Tanzi e Schuknecht (2000).

No decorrer do século XX, o ápice do ritmo de crescimento do setor público ocorreu, justamente, entre as décadas de 1960 e 1990. Se o tamanho dos governos de países desenvolvidos evoluiu em média a uma taxa de crescimento de 22% entre 1937 e 1960, entre 1960 e 1990, esta média atingiu certas vezes uma escala de mais de 50%.

Os gastos com o sistema estatal de seguro e proteção social tiveram nisto grande responsabilidade.

O caso da França ilustra bem esta explosão dos gastos com o sistema estatal de seguro e proteção social. Em 1930, por exemplo, estas despesas representavam apenas 0,2% do PIB, 76 anos mais tarde, em 2006, estas despesas representavam mais de 24% da riqueza nacional.

Se nos dias de hoje o Estado Francês já aglutinou e administra mais do que 60% dos recursos econômicos, o crescimento desenfreado do Estado ao longo do século XX tem essencialmente origem naquele aumento das despesas de prestação social. Esses custos representam quase 70% da parte do aumento total das despesas do governo em um paíse como a França, e eles cresceram sempre em um ritmo maior que o crescimento econômico.

Aliás, sabendo que as despesas são indexadas, que a população envelhece, que o crescimento econômico é nanico, e conforme perdura uma situação de desemprego de massa, a tendência é que essas despesas não deixem de crescer.

Então, o que explica esse cenário inevitável de crescimento do Estado?

Evolução das Despesas com Seguro Estatal em termos de PIB na França

William Baumol (1967): Fornecimento de Bens Públicos e a Doença dos Custos

Segundo a análise econômica neoclássica, a existência do Estado repousa sobre sua capacidade de fornecer bens públicos e eliminar — ou ajudar a resolver— problemas ligados ao tratamento das externalidades. O governo participa lá onde o mercado falharia em fornecer adequadamente bens e serviços. O governo interviria justamente para corrigir supostas “falhas de mercado” ou produzir adequadamente, ele próprio, aqueles bens e serviços demandados.

(1) O crescimento do Estado responderia uma demanda por Estado, ele é o reflexo do crescimento de uma procura por bens coletivos, que é função das preferências, dos preços relativos e da renda respectiva dos indivíduos. Na medida que a população cresce, aumenta a demanda e o consumo de bens coletivos e, consequentemente, as despesas públicas e os impostos.

Mas se o crescimento das despesas responde ao aumento da demanda, o fornecimento e a produção estatal de bens e serviços coletivos enfrenta um obstáculo particular: (2) os ganhos de produtividade e economias de escala são relativamente limitados no setor público.

William Baumol (1967) sugeriu que deveríamos realmente esperar um aumento dos custos relativos dos bens fornecidos pelo governo, haja visto que o Estado fornece essencialmente serviços e que os ganhos em produtividade são menores nesse setor onde os custos com salários e folha de pagamento são maiores.

Nos serviços, os ganhos de produtividade aumentariam mais lentamente do que nos outros setores, porque eles são essencialmente ganhos organizacionais de escala, uma vez que suas despesas se concentram em remunerações salariais.

Da mesma forma que acontece em setores culturais como o Teatro ou a produção de espetáculos, na produção pública os salários nominais tendem naturalmente a se alinhar com os níveis dos outros setores, no entanto, sem que a produção se beneficie na mesma medida dos ganhos de produtividade oriundos do progresso tecnológico, o que terminaria por engendrar um aumento relativo dos custos e, em determinados casos, a inviabilidade da produção no longo prazo.

E de fato existe um consenso de que a produtividade no setor público seja quase sempre menor, independentemente do motivo ser ou não a "doença dos custos", ou de sua origem ser a produção de serviços.

Geralmente os estudos de produtividade feitos pelos economistas comprovam a existência de um efeito de Baumol, por mais que, como apontam os autores austríacos, a tarefa de mensurar adequadamente a produtividade no setor público seja bastante complexa, ver mesmo, irrealizável.

A título ilustrativo, o crescimento da produtividade no setor privado quase sempre foi maior que no setor público, como vemos no gráfico a seguir ilustrando o caso recente da Grã Bretanha.

A Lei de Baumol assume esta hipótese de que o ritmo de crescimento do orçamento dos governos deve mais ao crescimento do custo unitário de produção (marginal) dos bens e serviços públicos do que ao crescimento do volume produzido.

Contudo, o aumento da demanda por serviços públicos e o efeito de Baumol explicam apenas parcialmente o crescimento do Estado.

Ludwig Von Mises (1929): Falhas do Estado e Intervencionismo

Além de padecer da “doença dos custos” (cost disease — efeito de Baumol), o argumento pela produção estatal encontra outro desafio que tem impacto direto nos custos e no ritmo de crescimento das despesas públicas: mesmo que a intervenção governamental venha supostamente suprir lacunas deixadas pelos mercados, ainda resta provar que os governos são capazes de fornecer adequadamente ou de forma menos onerosa os bens e serviços aos quais se predispõem oferecer.

A Teoria Econômica do Bem Estar sugere a possibilidade que um método de estudo que atribua, com acurácia, um cálculo permitindo a comparação das economias em termos de custos sociais que a produção pública poderia administrar em uma balanço ou comparação com os custos privados.

Caso existam disfunções que o governo busca eliminar, seria realmente necessário este método para sabermos ex-ante que a situação em ausência de interferência estatal é de fato menos desejável do que a presença de intervenção. No entanto, a complexidade dos fenômenos sociais dificulta sensivelmente a tarefa. E essa conclusão foi uma das contribuições aportadas pela Teoria Austríaca e pela Escolha Pública.

(3) O que ocorre na prática é que a produção estatal é também uma produção falha, ou seja, o governo está sujeito a um número de disfunções internas que tornaria sua atividade produtiva invariavelmente onerosa ou ainda mais custosa do que a persistência de eventuais falhas de mercado.

A existência dessas falhas do governo ocasiona custos suplementares e poderia explicar tanto a inviabilidade da produção pública quanto o crescimento das despesas do Estado. Faz-se geralmente referência às situações onde uma ação governamental, que teria por objetivo corrigir alguma falha do mercado, termina por engendrar alocações e processos produtivos ainda mais ineficientes do que a situação sem interferência estatal.

Na opinião do professor Ubiratan Iorio (1997, p. 102–104), por exemplo:

“o efeito das restrições à liberdade de escolha, geralmente adotadas para corrigir as falhas de mercado, é, invariavelmente, o de amplificar essas falhas […]

O que se vê, geralmente, é que o Estado pode e deve corrigir falhas de mercado, e o que a boa teoria econômica permite prever — mas que, infelizmente, só costuma ser visto muito tarde — é que o Estado não só é incapaz de corrigir as falhas, como tende a torná-las mais gritantes.

De modo direto: as falhas de governo são piores do que as falhas de mercado.”

As falhas do Estado englobam custos associados à ineficiência burocrática, à procura de renda política (rent seeking), custos de transação política, custos para implementação das decisões políticas, custos de substituição de programas já implementados de despesas, custos dos processos de concessão, custos relacionados à aquisição de informação e custos associados à captura das instâncias regulamentárias. Trata-se de um problema sistémico inerente a toda atividade estatal.

Além dos custos crescentes do aparato administrativo, as soluções dos problemas que o governo buscaria resolver através de sua intervenção engendram novos problemas requerendo novas políticas, soluções administrativas e novas intervenções “pontuais”.

Esta idéia é basicamente a essência da teoria austríaca do intervencionismo de Ludwig Von Mises (1929).

Agentes auto-interessados e com voz ativa na ordem econômica e política tendem a antecipar e tentar frustrar ações políticas dos governos, notadamente quanto estes últimos buscam corrigir ou influenciar o livre funcionamento dos mecanismos sociais espontâneos.

Por um lado, a tendência do intervencionismo é potencializar os custos associados às falhas do governo, por outro lado, o intervencionismo engendra ele próprio uma ordem social pautada na busca incessante de soluções políticas para problemas econômicos causados pelas próprias decisões políticas desajustadas.

No entanto, muitas das ineficiências e dos custos promovendo novas despesas públicas decorreriam justamente da falta de um aparato institucional que é exclusivamente peculiar ao mercado: poucas ou nenhuma restrição à propriedade privada, a liberdade contratual, as trocas monetárias em ambiente concorrencial, ou a possibilidade de livre alocação e remuneração dos fatores produtivos envolvidos nas organização produtiva.

Meltzer-Richard (1978): Voto Egotrópico, Redistribuição e Direito de Voto

Mesmo que o crescimento do Estado e de suas despesas atendesse a um objetivo essencialmente redistributivo, o montante que o governo toma de João jamais será igual ao valor oferecido à Pedro.

A redistribuição requer onerosas administrações e extensos corpos burocráticos, ela padece de um contrôle efetivo, ela requer regulamentação e negociação política: ela engendra a busca de favores e privilégios regulamentários.

O processo democrático, a ação dos agentes políticos e as organizações participando da vida pública compõem uma cadeia de eventos essencialmente custosos e que têm impacto direto sobre as despesas públicas e sobre o crescimento do Estado.

Um modelo de crescimento do Estado pautado nessa agenda redistributiva foi exatamente a proposta sugerida por Meltzer e Richard (1978).

Eles imaginam um mundo em que todas as atividades governamentais se limitariam ou seriam compatíveis com os princípios de redistribuição, e esta redistribuição aconteceria segundo a alocação direta de um montante da riqueza social produzida para um dos grupos beneficiados ou envolvidos nos processos políticos: um programa financiado por uma taxa proporcional sobre a renda.

O modelo de Meltzer e Richard associa então o processo democrático e a participação eleitoral à evolução das despesas com redistribuição.

(4) Trata-se de um modelo clássico do eleitor mediano que termina por explicar que a causa principal do crescimento dos governos tem origem na desigualdade de renda.

Quanto mais fortes forem as desigualdades, maior é a parte dos eleitores entre a população de baixa renda, mais distante a renda média da renda mediana, maiores as chances dos eleitores votarem em prol da redistribuição.

Naquele modelo, uma vez que a fiscalidade assume caráter proporcional, quanto maior for a renda dos indivíduos, maior sua contribuição relativa ao fisco. E neste caso o eleitor mediano é considerado como um ditador decisional, na medida que sua renda for inferior ou maior à média da renda da população. Quanto maior for a desigualdade, maior será a pressão fiscal e a demanda política por redistribuição, o que terminaria por conduzir inexoravelmente ao crescimento do Estado.

Um teste empírico de Meltzer-Richard (1983) propõe resultados corroborando sua teoria. A leitura dos dados é mais simples do que parece: na coluna à esquerda, a variável dependente em (t3) é a que nos interessa, ela representa o nível das despesas do governo e das transferências de renda, ao passo que as variáveis (Y) são uma mensura das diferenças entre a renda média e mediana. Como vemos no índice em (R2), a relação é relativamente robusta.

Outro fenômeno também importante é o próprio elemento que representa o voto.

Nas teorias da Escolha Pública, (5) o próprio direito de voto serve frequentemente como variável endossando ou não o argumento do voto egotrópico ou a ideia de que a democracia — e o crescimento da participação eleitoral — fomentariam o crescimento do Estado, notadamente por incluir classes de indivíduos apresentando níveis de renda mais baixo.

Na medida que cresce a participação eleitoral, diminui a renda do eleitor mediano comparativamente à média de renda.

Como vimos no modelo de Meltzer-Richard, a inclusão na participação pode favorecer políticas pró-redistribuição, e foi exatamente isso que sugeriu parte da literatura empírica.

Na tabela abaixo vemos o resultado de Husted e Kenny (1997), onde os autores estudaram o efeito da redução do custo do voto sobre as despesas públicas.

As variáveis LITERACY TEST e POLL TAX estimam o impacto das normas americanas restringindo o voto sobre a evolução das despesas públicas e de proteção social. É possível perceber que restrições de voto aos analfabetos (testes de aptidão) ou eliminação das tarifas para o voto estão negativamente correlacionadas com o nível de despesas, ou seja, a existência das restrições vai em consonância com menores despesas.

Conclusões similares podem ser sugeridas em estudos como o de Grandsman (1999), onde o autor sugere que a extensão da participação nos escrutínios na Grã Bretanha ao longo do século XIX teria impacto importante sobre os rumos das votações e decisões de despesas com a proteção social.

Na verdade, o direito de voto das mulheres e a extensão dos direitos à camadas cada vez maiores de trabalhadores com renda inferior teria ajudado a impulsionar a regulamentação pública e medidas visando o fornecimento de serviços de proteção social no início do século XX.

Indo neste sentido, é possível ressaltar que as democracias atuais são marcadas por um tipo particularmente danoso de conflito de interesses (moral hazard) que nos conduz igualmente à reflexão sobre a extensão dos direitos de voto.

Desta vez a questão liga o direito de voto à questão da burocracia.

Na medida em que os políticos e burocratas podem se servir de seus votos para atribuir-se mais recursos e fundos públicos, isto faz com que eles não sejam suficientemente incentivados a se comportar de maneira prudente durante a execução de seus cargos.

Quanto maior o número de pessoas trabalhando no funcionalismo, maior o peso das decisões e do voto de pessoas dependendo do aparato estatal, comparativamente aos demais.

O fato dos agentes públicos pagarem ou não seus impostos ou participarem à composição dos fundos públicos não modifica em nada o problema: na verdade, este argumento sequer se mantém na medida que os burocratas, por definição, seriam beneficiários líquidos da fiscalidade.

Deste conflito de interesse surge uma intuição relativa ao crescimento do Estado: dado o direito de voto universal, quanto menos os próprios políticos e burocratas forem diretamente afetados pelas medidas de ordem orçamentária que eles próprios implementam, maior a tendência a que projetos fiscais dispendiosos sejam votados, desde que eles beneficiem os próprios beneficiários líquidos de fundos públicos.

Se os burocratas e agentes que têm mais de 50% de sua renda proveniente do governo podem decidir da sorte das eleições e sobre a afetação do dinheiro dos outros, não há incentivos suficientes para se comportarem de maneira prudente em matéria de política fiscal.

Resta então a provar que, verdadeiramente, os burocratas conseguem explorar melhor que os demais seus direitos de voto, ou converter seus direitos de voto em vantagens pessoais e aumentos salariais.

Finalmente, embora não represente um consenso na literatura empírica, o modelo de Meltzer e Richard (1978) se baseia numa perspectiva egotrópica de voto (em função de preferências ou interesses individuais) e tem outros limites teóricos que merecem atenção. Ele deixa de lado o caráter meramente político, cultural ou ideológico que está presente nas escolhas eleitorais individuais, e sua importância nas decisões coletivas ou governamentais.

Ao votar em função da renda, os eleitores dos modelos colocam em segundo plano as diferenças partidárias, os diferentes “projetos de sociedade” dos políticos, ou ainda, as preferências puramente políticas.

O modelo supõe que as propostas feitas pelos políticos são de fato cumpridas, e que elas seriam facilemente realizáveis depois que eles integram o poder executivo ou legislativo. No entanto, como sabemos, na prática, existem restrições institucionais.

A renda não é o último nem o único fator ponderando nas decisões políticas e nem em seu impacto sobre o crescimento do Estado.

Persson-Tabellini (2004): Regras Constitucionais e Procedimento Eleitoral

As regras eleitorais e os regimes de governo influenciam as decisões políticas e, por consequência, as despesas e investimentos do setor público.

(6) O tamanho do governo tem uma ligação estreita com a organização constitucional, com os tipos de regimes de governo e com as regras eleitorais. Restrições legislativas, diferentes sistemas eleitorais (majoritário e proporcional) e regimes governamentais (presidencialismo e parlamentarismo) promovem resultados diferentes em termos de tamanho e composição das despesas governamentais.

E a intuição explicativa é simples. Por um lado, em teoria, segundo Persson e Tabellini (2004), sob um sistema eleitoral proporcional e multi-distrital aumenta a concorrência eleitoral e o risco de fragmentação política, o que fomenta mais governos de coalizão e incentiva os partidos a buscarem votos e suporte nas mais diversas classes de eleitores e cidades, mas isso passa pela sugestão de agendas políticas mais generosa em benefícios sociais, despesas públicas e redistribuição.

Por outro lado, regimes eleitorais majoritários estão associados a um risco menor de fragmentação, maiores possibilidades de administração independente, de adoção unilateral de políticas ou menor necessidade de governos de coalizão, ou seja, menor necessidade de agendas generosas e, consequentemente, despesas menores e governos menos expansivos.

A tabela logo abaixo ilustra alguns resultados empíricos dos autores, vemos exatamente que a teoria encontraria respaldo em parte das análises concretas.

Para os autores, o mesmo raciocínio prevaleceria no aspecto comparativo entre os modelos constitucionais e regimes de governo (parlamentarista e presidencialista).

No regime parlamentarista, a instabilidade da coalisão política seria maior, e por consequência a luta entre minorias políticas seria mais intensa. Nenhuma das minorias deteria, então, um poder demasiadamente importante sobre às demais, o que aumentaria o custo da coalisão e a necessidade de oferta política de agendas procurando satisfazer os mais diferentes grupos, o que aumentaria o impulso sobre as despesas e o fornecimento de uma agenda mais generosa em termos de bens públicos.

Embora os preceitos teóricos ainda sejam incompletos ou requeiram refinamentos [i], as intuições teóricas corroboram também outro estudo empírico de Persson e Tabellini (2003).

Segundo a leitura da tabela logo abaixo, mesmo depois de controles estatístico na população analisada, existem diferenças remanescentes no grupo de países presidencialistas e parlamentaristas em termos de despesas, uma ordem de aproximadamente 11% em termos do produto. Os modos de organização da política tem impacto sobre as decisões e evolução das despesas e crescimento do Estado.

Olson (1984): Grupos de Pressão e Esclerose Institucional

A política não se resume ao voto. Como dissemos, um dos problemas dos modelos fundamentados exclusivamente no voto egotrópico é que, além de não levarem devidamente em conta os aspectos sociotrópicos nas decisões dos eleitores (inflação, crescimento econômico, desemprego ou variáveis ideológicas), eles não tomam suficientemente bem em consideração a influência respectiva dos agentes, notadamente dos grupos de pressão sobre as decisões eleitorais e governamentais.

Os grupos de interesse se transformam em grupo de pressão quando se organizam para obter do governo decisões favoráveis a seus objetivos internos, ou seja, quando fazem lobby.

(7) Os grupos de pressão influenciam o contexto eleitoral e a ação dos candidatos políticos já eleitos. O primeiro elo entre a atividade de pressão e o tamanho do Estado sugere o seguinte raciocínio: por questões implícitas às propriedades regendo os esquemas das organizações, e por capacidade de influência dos eleitores, a ação política de pressão de grupos pró-despesas públicas pode ter mais sucesso do que a ação dos grupos anti-despesas públicas, ou vice-versa.

Estes eventos têm, por sua vez, impacto direto sobre o crescimento das despesas e do Estado.

Por outro lado, a atividade de pressão desvia recursos escassos de atividades verdadeiramente produtivas para atividades que buscam essencialmente a obtenção de renda ou de um privilégio comparável à “renda de monopólio”. A expansão da atividade de pressão engendra um custo (associado à obtenção da renda) e termina por aumentar, mecanicamente, o tamanho dos governos.

Os grupos de pressão se coalizam e se organizam para obter uma maioria política facilitando a manipulação dos resultados eleitorais e das decisões coletivas. A atividade de pressão pode ser descrita como a busca de um tipo de renda política, e o termo rent-seeking está estreitamente relacionado ao conceito de “renda de monopólio”: uma circunstância onde a teoria econômica neoclássica sugere que o comportamento e esforço produtivo individual engendram um custo social.

Se concebermos a política como uma espécie de mercado, temos, de um lado, os partidos políticos, lobistas, sindicatos e associações como organizações demandando bens e serviços públicos ou favores e privilégios regulamentários que garantam para si maior parte da riqueza (social) via redistribuição, em troca de apoio político.

Do outro lado, temos candidatos políticos e homens do governo dispostos a oferecer tais favores para alcançar sucesso em suas empreitadas políticas, ou mesmo, maximizar sua renda pessoal. Fica então claro que o processo democrático pode, de fato, se apresentar como um motor do crescimento do Estado.

Mancur Olson (1984) denominou esclerose institucional (institutional sclerosis) este fenômeno onde, em democracias experimentando certa continuidade e estabilidade, ao passar do tempo, cresce o número de grupos de pressão e de rent-seekers, o que termina por limitar as possibilidades de reformas de liberalização do sistema econômico.

Toda e qualquer proposta de reforma política buscando suprimir ou limitar tal ou tal outro privilégio encontra imediatamente repulsa de determinado grupo de pressão ou coalizão governamental, entrepondo então um obstáculo considerável ao restabelecimento de mercados mais livres e mais competitivos, ou simplesmente sociedades cujo tamanho do governo seja limitado.

Democracias mais jovens sofreriam menos com este problema, ou seja: mais velhas as democracias, mais elas sofreriam do problema de esclerose institucional.

Alguns trabalhos empíricos confirmaram em partes estas teorias. Mueller e Murell (1986), por exemplo, analisaram uma amostra de 24 países desenvolvidos (OCDE) no período dos anos 1970 e concluíram que existiria, de fato, uma relação estreita entre o número de grupos de pressão e o tamanho do governo.

Na tabela abaixo vemos a variável NIG representando a importância do número de grupos e as variáveis EXP, TAX e CONS equacionam as despesas públicas. No entanto, os grupos de pressão não dão conta do fato de que existiriam elementos explicativos na própria essência de funcionamento da máquina pública, algo indo além da questão do direito de voto.

Ludwig Von Mises (1944) e William Niskanen (1968): A Burocracia

Outro aspecto importante e deixado de lado no modelo do voto egotrópico é o papel da burocracia, e sua influência sobre as despesas públicas não pode ser negligenciada. Os programas de governo e as políticas não são somente o resultado da demanda dos cidadãos, da ação de grupos de pressão, ou da demanda de legisladores e parlamentares: eles podem também ser o resultado de um processo interno de fabricação emanando de uma agência ou órgão burocrático.

(8) O crescimento dos governos pode resultar do interesse de burocratas agindo de forma independentemente e participando da fabricação de novas políticas e despesas com intuito maximizar o tamanho dos orçamentos de suas respectivas pastas ou sua própria renda pessoal.

As administrações públicas são compostas por burocratas que são ao mesmo tempo eleitores e agentes do Estado, eles podem se sindicalizar e formar grupos de pressão. Não somente a própria burocracia representa um custo para a sociedade, mas ainda, o fenômeno burocrático pode representar ele próprio um mecanismo de estímulo ao desperdício e aumento das despesas.

Uma das análise mais lúcidas sobre a burocracia veio do economista Ludwig Von Mises (1944), em seu livro Bureaucracy. Nesta obra, o autor sugere que a burocracia é um sintoma da progressão de uma “infecção mais generalizada” e que é o crescimento da intervenção do Estado na economia. A burocracia é meramente um instrumento que governos intervencionistas utilizam para controlar seus órgãos administrativos[ii].

As principais características da burocracia, segundo Von Mises, são:

a) que os órgãos burocráticos se encarregam de fornecer bens e serviços cuja a unidade não pode ser comercializada por dinheiro, padecendo ainda de um problema de cálculo econômico;

b) que os órgãos burocráticos não podem ser geridos por objetivos visando exclusivamente os lucros;

c) que na ausência do objetivo de lucro, eles precisam estar sob constante supervisão, monitoramento e subordinação vis-à-vis dos órgãos superiores. Todos estes elementos influenciam os custos organizacionais e produtivos do setor público.

Mises fala em “gestão burocrática” por oposição à “gestão privada”. A gestão burocrática apresenta características diametralmente opostas em matéria de incentivos e performance.

Os níveis de performance da gestão burocrática não podem ser facilmente mensurados, e o próprio comportamento dos burocratas seria distinto do comportamento de colaboradores em empresas concorrenciais, notadamente pela dissociação entre sua remuneração e seus esforços.

O valor criado por uma agência governamental não pode ser facilmente estimado pois não há possibilidade de cálculo econômico na ausência da propriedade privada [iii].

Os gestionários de sucesso, em uma burocracia, seriam os que melhor respondem às regras e decisões dos escalões mais altos da hierarquia, sem que isto tenha forçosamente alguma ligação com a satisfação de eventuais consumidores, que isto esteja submetido a dispositivos eficientes de controle, ou que os resultados se avaliem tem termos de performance individual ou rentabilidade.

A própria estrutura burocrática tenderia ao desperdício, à alocação ineficiente, ou mesmo, desviaria recursos de atividades produtivas para atividades menos produtivas.

Dentro da tradição austríaca, e utilizando-se praticamente do mesmo arcabouço teórico que Mises, Murray Rothbard (2013) também sugeriu que a tendência natural da burocracia era crescer, mas ainda, que o crescimento do Estado era intimamente associado ao crescimento da burocracia.

"Muito mais correta, no entanto, é a explicação de que no mundo da burocracia funciona uma espécie de Lei de Say invertida, na qual a oferta — ou melhor, os ofertantes de serviços estatais, a burocracia — constitui ela própria a demanda por seus serviços, e que ela consegue manipular perfeitamente seus superiores, ou a legislatura, fazendo com que eles lhe forneçam cada vez mais recursos oriundos de impostos.”

William Niskanen (1968) também sugere que o crescimento da burocracia é um fator crucial à compreensão do crescimento do Estado, e ainda, desenvolve esta ideia de burocracia como um problema entre subordinados e superiores.

Embora Niskanen não trabalhe dentro de uma perspectiva metodológica e epistemológica similar à dos austríacos, suas conclusões por vezes não se distanciam: na verdade se trata da aplicação das hipóteses de racionalidade dentro do estudo do fenômeno burocrático.

Para Niskanen o comportamento dos burocratas não divergiria em especial deste das outras pessoas trabalhando em empresas privadas: os burocratas buscam a maximização de seus orçamentos e renda.

O autor assume a idéia de que existiria uma relação de monopólio bilateral entre os responsáveis políticos do governo (patrões) e o corpo burocrático (empregados), de tal sorte que podemos nos concentrar nesta relação desde uma perspectiva de assimetria informacional.

O que conta em última instância não é o interesse dos consumidores, não são eles quem detém as rédeas da atividade burocrática. O problema se apresenta como uma situação clássica de principal-agente.

De um lado, os burocratas conhecem relativamente bem as características das atividade das agências e administrações públicas, os verdadeiros custos dos programas e políticas públicas, ou ainda, a qualidade e performance de seus órgãos; eles conhecem também a demanda dos políticos.

Do outro lado, os políticos desconhecem, ou conhecem mal, a atividade exercida pelos burocratas, ou os verdadeiros custos associados às políticas públicas. O burocrata sabe também que os parlamentares e políticos são pressionados por grupos de interesse, e eles próprios podem também se organizar em sindicatos e exercer pressão sobre os parlamentares.

A consequência desta situação onde prevalece assimetria informacional aparece naturalmente: os burocratas têm a habilidade e capacidade de aumentar discricionariamente seus orçamentos, e isto é mesmo um elemento compondo sua estratégia de maximização da renda pessoal.

Se a tendência dos burocratas é, de fato, esta, eles farão de tudo para que suas pastas adquiram um papel mais importante do que elas não teriam verdadeiramente: eles necessitarão de mais recursos, mais máquinas, prédios maiores ou corpo maior de colaboradores.

Além dos motivos meramente materiais, associados à escalada dentro da hierarquia estatal e aumento da renda, existiria também a satisfação associada ao prestígio: os burocratas adoram, por exemplo, ser paparicados, adquirir privilégios de carreira, frequentar empresários bem sucedidos, estar na presença de políticos importantes, ou simplesmente, frequentar os altos escalões da parasitagem.

Estas intuições parecem preciosas, mas resta provar, no entanto, que na prática os burocratas conseguem perfeitamente capturar parte da renda destinada aos seus órgãos públicos, ou consigam verdadeiramente escalar a hierarquia estatal explorando estas assimetrias informacionais. Não obstante, compreendemos melhor como se dá a ligação entre o fenômeno burocrático e o crescimento do Estado.

Conclusão: Modelo Intuitivo e Representativo

Da exposição feita neste artigo, e da interpretação feita das possíveis conexões entre os principais elementos explicativos do crescimento do Estado, é possível propor uma ilustração de um modelo representativo do processo de crescimento dos governos modernos, segundo os aportes da análise econômica da política.

Algumas das conexões foram relativamente bem apresentadas no decorrer do artigo, outras necessitam novas intuições.

Modelo Intuitivo

Vimos ao longo do artigo como as desigualdades de renda, a burocracia, as regras constitucionais, o sistema eleitoral e os grupos de pressão e a demanda por serviços coletivos poderiam influenciar para o crescimento do Estado.

Poderíamos então lembrar que alguns destes elementos se associariam quase naturalmente.

Ilustrativamente, os burocratas podem agir enquanto grupo ideológico através de organizações de pressão, e adotar tal ou tal outra preferência política e ideologia conforme elas correspondam melhor aos seus interesses de classe.

A pressão e a burocracia atuariam de maneira particular no que diz respeito às mudanças das regras constitucionais, ou decretos e novas regulamentações.

As instituições vigorando em determinadas regiões poderiam influenciar a maneira como é distribuída a renda entre os cidadãos de um país ou localidade, através de programas sociais previstos petreamente na lei ou regimes particulares de fiscalidade.

As discrepâncias nos níveis de renda poderiam induzir a que uma quantidade cada vez maior de pagadores de impostos decidam pelo caminho do funcionalismo público, ou que cada vez mais as desigualdades fomentem o sucesso de ideologias coletivistas ou a promoção de políticos demagogos e oportunistas em cargos públicos.

Encerrando este artigo, seria importante pontuar que, embora o fenômeno possa parecer natural, simplório, abstrato e inevitável, o crescimento do Estado tem consequências extremamente importantes sobre os destinos individuais e sobre as oportunidades que cada um poderá encontrar nas sociedades e ao longo de toda sua existência.

É sempre de atualidade revisar alguns dos conceitos e teorias tentando explicar e entender estas questões, e a Escolha Pública fornece um rico arcabouço de teorias e análises ajudando nas reflexões.

Notas

[i] A própria literatura e teoria econômica fornece explicações limitadas ou insuficientes sobre os mecanismos que conduziriam as regras constitucionais a propor, na média, um nível de despesas maior ou menor.

Referências

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