O Sucesso dos Cortes no Imposto de Renda das Corporações no Canadá

Sobre a predação da renda das empresas e os índices de crescimento

Mateus Bernardino
Economia e Filosofia
6 min readAug 29, 2018

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No início dos anos 2000, e já no final de um governo liderado desde 1993 pelo primeiro ministro do Partido Liberal do Canadá Jean Chrétien, estabeleceu-se no país o que poderia ser encarado como a continuação de uma tendência de longo prazo em matéria de política fiscal: o corte de impostos sobre a renda das corporações.

Ao contrário do que poderiam alegar os tradicionais detratores dessas políticas, esses contínuos cortes não repercutiram negativamente em termos de arrecadação para os fundos do Estado. Pelo contrário, notou-se que nesse período as receitas desse mesmo tributo na verdade cresceram. O primeiro corte que ocorreu no final do governo Chrétien foi acompanhado de sucessivas diminuições nas alíquotas entre 2003 e 2012, já sob nova liderança do Partido Liberalde Paul Martin.

Um dos principais motivos é que a redução dos tributos sobre a renda das empresas alavanca novos investimentos internamente e no plano internacional, estimula a produção e torna maior o número de empreitadas economicamente viáveis, o que pode permitir o mantimento sustentável da arrecadação ou mesmo aumento das receitas fiscais, além da promoção do crescimento econômico e, no final das contas, incremento em termos de renda/salários e níveis de vida, ou desenvolvimento.

"Trop d'Impôt Tue l'Impôt"

Esse efeito é bem conhecido pelos economistas.

Desde as alegações de Jean Baptiste Say no século XIX esmiuçando que “un impôt exagéré détruit la base sur laquelle il porte”[1], até mais recentemente como pudemos compreender através de sua ilustração projetada na teoria de Arthur Laffer, é possível comprovar que, dado o sistema incentivos que opera em nível microeconômico, uma redução da carga marginal pode, objetivamente, conduzir a um crescimento nos níveis de arrecadação na medida em que ela reduz os efeitos dissuasivos da fiscalidade sobre a produção e os esforços individuais, uma relação que inclusive obteve respaldo em diversos estudos da empiria.

A redução da carga tributária sobre as corporações incentiva a atividade empresarial e o empreendedorismo, a tomada de riscos e os investimentos, a pesquisa e a inovação na medida em que os empreendedores mais dinâmicos e inovadores é que conseguirão os melhores retornos por seus esforços produtivos. Essas consequências têm efeito direto sobre a base fiscal sobre a qual incide a carga, expandindo-a e assegurando um nível constante de arrecadação.

No caso canadense, o primeiro corte trouxe progressivamente a alíquota marginal do IRPJ deles de 28% para 21% em 2004, para em seguida abaixar a alíquota até o nível de 15% no ano de 2012, já sob liderança de Stephen Harperdo Partido Conservadorem um outro governo, o que indicaria talvez uma tendência em matéria de política fiscal que ultrapassou questões de disputas partidárias.

As pequenas empresas, inclusive, poderiam doravante beneficiar de alíquotas ainda menores, através de deduções conduzindo a uma carga de até 10%.

Obviamente não há aqui qualquer sugestão de que o objetivo de uma política fiscal seja maximizar as receitas do governo, e sequer foi esse o enfoque da ideia por trás da Curva de Laffer de acordo com nosso entendimento — como se existisse um ótimo arrecadatório cujo qual sirva de referencia ou guia para políticas tributárias –;mas foi possível notar no caso canadense que nos períodos subsequentes aos sucessivos cortes houve a manutenção dos níveis arrecadatórios, ou crescimento progressivo da média.

Após caírem em 2000 para 32 bilhões de Dólares canadenses as receitas fiscais atingiram 45 bilhões já em 2006, valor médio que permaneceria até em 2017 e malgrado novos quedas nas alíquotas[2]. Geralmente, após acusar o golpe do corte em um período de curto prazo, a arrecadação volta a crescer.

Como consequência, o nível das receitas fiscais do imposto de renda sobre as corporações em termos de PIB permaneceu praticamente constante, situada nos patamares de 3% a 4% do produto interno, porque a matéria fiscal tributável cresceu como decorrência do crescimento do nível dos lucros empresariais, também em termos de PIB.

Além disso, no panorama mais abrangente não houve nenhum impacto determinante na evolução dos níveis gerais de arrecadação.

E se envolvermos um índice que engloba a carga de impostos sobre a renda das corporações ao nível federal e das províncias canadenses podemos atestar igualmente a mesma tendência de queda, que se estendeu também sobre um período relativamente longo, sem comprometer os níveis de endividamento do governo em termos de PIB.

Finalmente, é necessário lembrar que uma predação mais moderada sobre a renda das empresas não afeta somente os mais ricos mas afeta diretamente todos os trabalhadores, principalmente através de dois mecanismos: por um lado, o crescimento nos investimentos privados engendra empregos e aumento na produtividade do capital (humano) — o que impulsiona para cima o nível dos ordenados –; e por outro lado a queda dos impostos sobre a renda das corporações melhora nível de remuneração de seus fundos de pensão e de poupança, ou de outros investimentos para a reforma ou aposentadoria.

A experiência canadense do período de 2001–2012 corrobora de certa forma essa perspectiva, pois mesmo levando em conta o boom econômico nas commodities o nível de remuneração dos trabalhadores cresceu mais rapidamente nessa década do que nas décadas precedentes, e comparativamente mais rapidamente do que nos demais países desenvolvidos da OCDE.

As reformas certamente ajudaram o país a manter um nível sustentável de crescimento durante o período em que foram aplicadas, em uma média situada acima dos 2%.

Conclusão

As reformas fiscais referentes à tributação da renda das corporações no Canadá tiveram um sucesso na medida em que, no mínimo, estimularam o crescimento e ajudaram o país a continuar a se desenvolver, independentemente das demais políticas que tenham sido implementadas durante o período analisado e sem pretender atribuir ao modelo fiscal ou sistema social canadense forçosamente qualquer totem referencial.

Trata-se de um exemplo suplementar em matéria tributária ilustrando que reduções sobre a predação da renda podem trazer benefícios para a comunidade sem necessariamente comprometer níveis de arrecadação ou orçamento, desde que se insiram em um ambiente institucional minimamente saudável.

Essa proposta de redução da predação sobre a renda das corporações foi inclusive, mais recentemente, implementada pelo governo Trump, e talvez ela repercuta uma “nova” tendência em matéria de política fiscal.

No atual cenário da corrida presidencial brasileira muitos debates reproduzem as mais diversas propostas em matéria fiscal, alguns presidenciáveis sugerem iniciativas favoráveis ao aumento de impostos, outros contra.

Como sempre ocorre o Imposto de Renda sobre pessoas físicas e jurídicas aparece em lugar de excelência entre as principais propostas de reformas. Talvez essas informações colaborem para o debate de ideias, sobretudo levando em conta que a predação sobre a renda das empresas no Brasil já se encontra atualmente em patamares altospara uma agenda de progresso social e em vista das contrapartidas em prestações que são ofertadas.

Notas

[1] “Um imposto exageradamente alto destrói a base fiscal sobre a qual ele incide”. SAY, J. B. Traité d’Économie Politique, Patrick Guillaumont, 1803. (tradução livre de trecho do Terceiro Tomo)

[2]Ver gráficos completos em: BEDARD, M., ADAM, M. Canada’s Corporate Tax Cut Success: A Lesson for Americans. Institut Économique de Montréal, Août 2018.

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