Divina e maravilhosa: Entrevista com Gal Costa

Coroada como a voz da Tropicália na década de 1960 e desde então uma das cantoras mais cultuadas do país, Gal Costa veste “A Pele do Futuro”, aos 73 anos de idade, para provar que juventude é, sim, um estado de espírito.

Foto: Bob Wolfenson

Poucos artistas conseguem chegar aos 40 discos lançados mantendo tamanha relevância e magnetismo. Aos 73 anos, a cantora Gal Costa traz consigo todos os sentimentos que permeiam cinco décadas de carreira, desde a Tropicália e os Doces Bárbaros, e dá uma guinada (mais uma!) em direção à disco music. “A Pele do Futuro”, lançado em 2018, é marcado pelo ritmo dançante e pela seleção estelar de compositores como Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Djavan, Nando Reis e Adriana Calcanhotto.

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Com o coração palpitante diante de uma mulher tão poderosa, a repórter (e fã) Débora Stevaux teve o privilégio de conversar com Gal. No bate-papo, a baiana comenta detalhes do disco mais recente e exalta o retorno de uma parceria com Maria Bethânia após 28 anos de intervalo. Ela ainda externa todo o amor por Gabriel, 13, seu filho adotivo, e demonstra preocupação com o momento político do país.

O que significam os versos “Na pele do futuro moram as cicatrizes desenhadas pelo tempo”?
Essa frase está na música do [Gilberto] Gil, que está compondo muito sobre a ideia do tempo. O disco “A Pele do Futuro”, na verdade, é um espelho dessa frase. Por causa do meu tempo, da minha idade, de tudo que eu fiz e do que estou fazendo com muito tesão.”

Como é a sua relação com o tempo?
“Minha relação com o tempo é tranquila. Eu, às vezes, esqueço a idade que tenho. Sinto vitalidade, não penso ‘poxa, estou com 73 anos, estou velha’. Isso sempre foi algo natural em mim.”

Qual é a sua maior saudade dos tempos da Tropicália?
Não tenho saudades. Acho que foram bons tempos que passaram, mas não sou saudosista. A única saudade que eu tenho é que naquela época a minha mãe era viva e hoje ela não está mais aqui. Essa é a grande saudade que eu tenho.”

Como você acompanha esse interesse tão grande do público jovem pelo teu trabalho e por artistas contemporâneos à sua época?
“É um grande barato que exista um público jovem muito interessado no que a gente fez no passado. Isso faz termos ainda mais tesão. Por isso minha geração nunca parou: Caetano Veloso está trabalhando, eu estou trabalhando, Maria Bethânia e Gil também. Por isso a gente continua fazendo tantas coisas.”

Você adotou o Gabriel em 2007 e hoje ele já tem 13 anos. O que mudou na Gal como mulher após a maternidade?
“O Gabriel trouxe uma luz muito especial para a minha vida, porque ser mãe é uma coisa com que eu sempre sonhei. Sempre quis ser mãe, mas não pude ter filhos fisicamente. Eu o amo incondicionalmente. Ser mãe é algo sem explicação. É um amor muito especial. A vida sem essas coisas não tem graça. Você precisa ter com quem se preocupar.”

“Ser mãe é algo sem explicação. É um amor muito especial.”

No passado você já respondeu um tweet do rapper Tyler, The Creator, que declarou que a sua voz parecia com a de um anjo. Você ouve rap?
O meu filho ouve muito rap. Eu gosto de rap, mas não tenho ouvido muita coisa porque estou viajando muito para divulgar o disco. Mas gosto de rap, gosto do que a juventude tem produzido. Gosto de Criolo, do Emicida [compositor de uma das músicas do novo disco], gosto de muita coisa.”

Como foi voltar a cantar com a Bethânia depois de 28 anos?
Gravar com a Bethânia foi maravilhoso, porque a gente não juntava nossas vozes há muitos anos. Achei que era importante porque nós quatro, os Doces Bárbaros, temos uma ligação musical, espiritual, acima desse plano. Ela topou, eu fiquei muito feliz e é incrível porque ainda sinto o mesmo frio na barriga de quando vou fazer um trabalho novo.”

E como foi assinar uma música com a rainha do feminejo, a Marília Mendonça?
“Foi ótimo. Eu convidei a Marília Mendonça para gravar uma sofrência em ritmo de disco music, ela mandou a música, veio gravar comigo e foi maravilhoso. Houve alguma reação de pessoas preconceituosas, achando que eu não deveria chamá-la. Mas a Marília é ótima. Ela tem uma coisa que é muito particular, muito singular, e é uma ótima compositora.”

Como você enxerga o atual momento do país?
“Acho que o Brasil vive um momento muito difícil e preocupante. Há uma radicalização que eu acho muito negativa. Eu vivi a ditadura, tive amigos e pessoas próximas que foram assassinados pelo governo militar. Não gostaria que o Bolsonaro fosse presidente porque vivi o período militar. Foi nesse período
em que muitos amigos foram presos e mortos. Tenho muita preocupação com isso.”

Nosso futuro está mais para “Divino-Maravilhoso” ou para “Desafinado”?
Eu espero que seja “Divino-Maravilhoso”. Mas é preciso estar atento e forte.”

Essa entrevista foi feita pela repórter Débora Stevaux e faz parte da edição #026 do MECAJournal. Segue a gente no Instagram? E no Twittertambém?

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MECA // Informação, cultura, criatividade e festivais: um radar da cena cultural do Brasil e do mundo. @mecalovemeca

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