Confronte a Realidade, por Aaron Swartz

Este post é uma tradução de “Confront Reality”, escrito por Aaron Swartz, em sua série de posts “Raw Nerve”, que eu traduzo aqui como “Dedo na Ferida”.

Guilherme Sagas
Medium Brasil
5 min readFeb 2, 2016

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Todos nós somos capazes de acreditar que coisas que sabemos não ser verdade, e quando somos confrontados com a verdade, manipulamos os fatos para mostrar que estávamos corretos. Esse processo pode ser infinito. O único porém é que cedo ou tarde uma crença falsa se choca com uma realidade sólida, normalmente num campo de batalhas.

— George Orwell, “In Front of Your Nose

Se você quer entender os especialistas, você precisa encontrá-los. Os psicólogos que queriam compreender a performance desses caras começaram a testar seu desempenho para ver se eram realmente bons.

Em algumas áreas isso foi bem fácil: no xadrez, por exemplo, jogadores excepcionais conseguem derrotar amadores. Mas em outros campos é muito mais difícil.

Analistas de futuro, por exemplo. Em seus 20 anos de estudo de previsões de especialistas, Philip Tetlock descobriu que alguém que apenas tivesse previsto “tudo vai ficar igual” estaria correto mais vezes do que a maioria dos especialistas. Terapia também pode exemplificar bem: vários estudos descobriram que uma hora com um estranho qualquer pode ser tão benéfica quanto uma hora com um terapeuta profissional. Em um deles por exemplo, sessões com um professor universitário sem treinamento ajudaram estudantes neuróticos tanto quanto sessões com terapeutas profissionais. (Isso não quer dizer que terapia não seja benéfica. Apenas que o que é benéfico é falar sobre seus problemas durante uma hora, e não apenas para um terapeuta).

Como você deve imaginar, analistas e terapeutas não são fãs dessas descobertas. Analistas tentam se esquivar delas. Como Tetlock escreveu: “O truque é colocar tantas variáveis para suas previsões vagas que você poderá usar isso pra explicar qualquer coisa que aconteça. A China vai ser rachada em feudos regionais, mas apenas se as lideranças chinesas falharem ao tentar administrar os conflitos e apenas se o crescimento da economia global fique estagnado por um período prolongado, e apenas se…. Os terapeutas gostam de mostrar todas as pessoas que foram ajudadas por suas técnicas sofisticadas, evitando questões sobre as possibilidades de uma outra pessoa qualquer poderia ter ajudado ainda mais”.

O que nenhum grupo consegue fazer é apontar uma evidência clara de que seu trabalho funciona. Compare-os com o mestre de xadrez. Se você tentar dizer que ele não é tão bom quanto um professor universitário aleatório, ele consegue facilmente provar que você está errado. Toda vez que ele joga, é confrontado por sucessos ou falhas indiscutíveis. Terapeutas com frequência sentem que estão ajudando, que levaram um paciente a uma descoberta sobre sua infância, quando na verdade eles não estão fazendo diferença nenhuma.

Sintetizando centenas desses estudos, K. Anders Ericsson concluiu que o que difere especialistas de não especialistas é o que ele chama de prática deliberada. “Prática por si só não é o bastante — você pode sentar, fazer análises e previsões o dia todo sem melhorar nada — precisa ser uma prática em que você receba um feedback informativo imediato e reconhecimento dos resultados”.

No xadrez, você consegue descobrir rapidamente se fez um movimento inteligente ou um erro desastroso, e em outros esportes isso é ainda mais óbvio. Como resultado, jogadores de xadrez podem tentar táticas diferentes e entender quais funcionam e quais não. Nosso analista de futuro não tem tanta sorte. Prever uma onda de revoluções nos próximos 20 anos pode parecer bastante excitante no momento, mas apenas em 20 anos ele terá uma resposta sobre sua teoria. Não é fácil conseguir uma prática deliberada com esse período enorme.

Eu percebi que muitas pessoas ambiciosas caem nesse tipo de armadilha. Qualquer pateta pode tentar prever o que vai acontecer amanhã, eles pensam, mas eu quero um desafio de verdade, então eu vou escolher um muito mais complicado: Eu vou prever o que acontece em cem anos. E isso acontece de várias formas: ao invés de construir outro site bobo como o Instagram, eu vou construir uma inteligência artificial; ao invés de fazer outro experimento chato, vou escrever um grande trabalho de teoria social.

Mas ser bom não é apenas escolher um desafio difícil — na verdade, escolher um objetivo complexo é uma fuga da realidade tanto quanto escolher um muito fácil. Se você escolher um fácil, sabe que sempre vai conseguir; se você escolhe um muito difícil, sabe que nunca vai falhar, porque sempre vai ser muito cedo pra dizer. Inteligência artificial é um desafio muito grande — como você espera que a gente o resolva em apenas uma década? Mas nós estamos fazendo grandes progressos. Juramos que sim.

O truque é criar vários desafios pequenos pelo caminho. Se sua startup vai eventualmente ganhar um milhão de dólares, pode começar ganhando 10? Se seu livro algum dia vai persuadir o mundo, você consegue persuadir seus amigos? Ao invés de empurrar todos os seus testes pra um futuro indefinido, veja se consegue passar um teste pequeno agora.

É importante que você teste a coisa certa. Se está escrevendo um programa que tem como propósito tornar as vidas das pessoas mais fáceis, não é importante eles gostarem dos mockups num focus group, mas sim criar um protótipo que gere alguma diferença logo de cara.

Um dos grande problemas de escrever livros de autoajuda é conseguir que as pessoas realmente sigam seus conselhos. Não é fácil contar uma história cativante que mude a forma como as pessoas veem seus problemas, mas é mais fácil do que escrever algo que vai persuadir alguém a sair do sofá e mudar o jeito que essa pessoa vive sua vida. A literatura é ótima em muitas coisas, mas forçar as pessoas a levantar e fazer algo não é uma delas.

A ironia nisso tudo é que os livros são completamente inúteis a não ser que você siga seus conselhos. Se você apenas os lê pensando: “é tão esclarecedor… muda tanta coisa!”, mas nunca faz realmente nada diferente, então rapidamente o sentimento vai desaparecer e você irá procurar outro livro pra preencher esse vazio. Chris Macleod chama isso de vício em epifanias: “cada vez eles acharão que chegaram a uma descoberta que vai mudar suas vidas, se sentirão energizados por um tempo a alcançar mudanças reais, e então retornarão ao sentimento inicial de solidão e insatisfação. Eles sempre terminarão de volta à estaca zero tentando resolver o problema, e não vai demorar até que surja uma nova pseudo descoberta”.

Não deixe que isso aconteça com você. Teste você mesmo: escolha um desafio em que seja possível falhar e tente ter sucesso. A realidade é dolorosa — é muito mais fácil continuar fazendo coisas que você sabe fazer ou escolher algo tão difícil que é óbvio que você vai falhar — mas é impossível melhorar sem confrontá-la.

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