América disputou o único jogo desempate da história do Brasileiro, há 40 anos

Museu da Memória Americana
memoria.americana
Published in
19 min readMay 8, 2020

Emmanuel do Valle

Em 7 de maio de 1980, há 40 anos, o América protagonizou um momento inusitado e único na história do Campeonato Brasileiro, contadas as disputas a partir de 1971. Empatado com o Guarani em todos os critérios em seu grupo na segunda fase da Taça de Ouro daquele ano, o clube teve de disputar um inédito jogo desempate em campo neutro — e perdeu por 3 a 2 de um modo inacreditável. Repassamos aqui aquela campanha, o momento enfrentado então do Mecão e o motivo que levou o clube a precisar jogar aquela partida.

A PREPARAÇÃO PARA A TEMPORADA

Uma temporada para esquecer: assim poderia ser definido o ano de 1979 para o América, que, após ter perdido alguns bons valores de campanhas anteriores (com o ponta-direita Reinaldo, o lateral Jorge Valença, o centroavante Mário e o ponta-de-lança Aílton), teve desempenho muito fraco e bem abaixo de suas tradições nos dois campeonatos estaduais disputados naquele contexto particularmente confuso para o futebol brasileiro.

No primeiro torneio, denominado Especial, terminou apenas em sétimo entre dez participantes. Já no segundo, o Estadual propriamente dito, sequer se classificou para o turno decisivo, o terceiro, ficando em uma para lá de modesta nona colocação. Como se não fosse o bastante, nas duas disputas a equipe ainda sofrera goleadas vexatórias em clássicos: 4 a 0 para o Flamengo, 6 a 1 para o Fluminense e de novo 6 a 1 para o Botafogo.

No Brasileiro, até que as coisas melhoraram de início, com boas vitórias sobre clubes da força de Grêmio, Sport e Coritiba, além de um empate diante do futuro campeão invicto Internacional em pleno Beira-Rio. Alguns tropeços irrecuperáveis, no entanto, fizeram com que a campanha se encerrasse ainda na segunda fase. A única grande alegria ficou por conta do atacante César, que se sagrou o artilheiro daquela edição, com 13 gols.

Leia: Pelo América, César foi artilheiro do Brasileirão, em 1979

Assim, no America que começou a disputar a temporada de 1980 a sensação de faxina no elenco era nítida. Apenas um remanescente do lendário time campeão da Taça Guanabara seis anos antes — o lateral-esquerdo Álvaro — seguia no clube. E mesmo do bom time montado no biênio 1977/78 haviam sobrado bem poucos nomes. A virada de 1979 para 1980 representou a despedida de alguns nomes que haviam marcado época no Andaraí.

César, o goleador do Brasileiro de 1979, nem chegou a comemorar o réveillon no clube: dias após a eliminação no torneio nacional, a diretoria já havia vendido seu passe ao Benfica, de Portugal. Léo Oliveira, armador talentoso, ex-Santos e Vitória, retornara ao futebol baiano negociado com o Leônico. O goleiro País tomou o rumo do Náutico, enquanto o volante Merica saiu para o Sport, para onde também havia ido uma lenda do America: o zagueiro Alex.

Depois de 13 anos de clube e 673 jogos vestindo a camisa rubra, o símbolo americano de jogo limpo, técnica e segurança na defesa havia recebido passe livre do clube, conforme mandava a legislação da época. O atleta, que durante toda a carreira no Andaraí recebera muitas propostas, mas nunca deixara o America, agora estava de saída, preparando-se para viver uma nova etapa da carreira, em outro clube e estado. Um recomeço.

Sabendo que o lugar de Alex só seria preenchido com outro zagueiro de grande categoria, a diretoria acabou acertando com o experiente Marinho Peres, 32 anos e um currículo invejável: revelado pela Portuguesa, foi companheiro de Pelé no Santos e de Johan Cruyff no Barcelona. Defendeu a Seleção na Copa de 1974 e sagrou-se bicampeão brasileiro com o Internacional. Em disponibilidade no Palmeiras, alugou seu passe ao América.

Também do Palmeiras veio o volante Nedo, jogador alto e de bom passe. E ainda do futebol paulista chegou o meia-atacante Neca, ex-Grêmio, São Paulo e Seleção. O meia-armador Nelson Borges, já no clube desde a temporada anterior, foi contratado em definitivo do Santos. E, como apostas de custo mais baixo, vieram o volante Carlinhos, do Paysandu, e o meia Luís Ferreira, do Leônico, incluído na negociação por Léo Oliveira.

O clube ainda tentou trazer alguns nomes pouco aproveitados pelos rivais cariocas, mas só fechou mesmo com o atacante Alcides, do Vasco. O ponta-direita Roberto Lopes voltou de empréstimo ao Rio Negro, de Manaus. E, para completar o elenco, também foram promovidos alguns juvenis, como os laterais Aristeu e Valmir, o zagueiro Zedílson e o atacante Porto Real, arisco e com faro de gol, que acabaria se firmando entre os titulares.

Além de todos esses nomes citados, alguns bons jogadores seguiriam no elenco (e no time titular) do América para 1980. Era o caso do goleiro Jurandir, nomeado como destaque do futebol carioca no ano anterior; o ofensivo lateral Uchoa, bom chutador; o sólido zagueiro Heraldo; o combativo volante João Luís; o ágil ponta-direita Serginho; e o talentoso ponta-esquerda Silvinho, que viveria um longo desacerto contratual com o clube naquele início de ano.

O treinador contratado no início da temporada para dirigir esse elenco seria o experiente Paulo Emílio, de passagens importantes por Fluminense e Vasco (levantou a Taça Guanabara em ambos) e por outros clubes de tradição no futebol nacional, como o Bahia (campeão baiano), o Santa Cruz (campeão pernambucano e semifinalista do Brasileiro) e o Guarani, além de ter trabalhado no futebol europeu, comandando o Sporting de Lisboa.

A PRIMEIRA FASE

A chamada Taça de Ouro, que representava a divisão de elite do Campeonato Brasileiro, tinha na primeira fase 40 clubes divididos em quatro grupos de dez. As equipes se enfrentavam dentro de seus grupos em turno único, com as sete melhores avançando para a etapa seguinte. A chave do America, a D, era complicada, tendo Vasco, São Paulo e Grêmio como favoritos, além de Coritiba e Santa Cruz com equipes fortes e bem cotadas.

O América formava parte deste bloco intermediário com paranaenses e pernambucanos, vindo à frente — em tese — de Atlético Goianiense, Gama, Nacional de Manaus e Maranhão. As chances de classificação eram favorecidas ainda pelo fato de os rubros enfrentarem três destes quatro adversários considerados mais fracos em casa, visitando apenas a equipe maranhense. Mas, como se diz, na prática a teoria era outra.

O time estreou na competição no dia 23 de fevereiro, no clássico diante do Vasco no Maracanã. Os cruzmaltinos não contavam com Roberto Dinamite (então vivendo sua curta passagem pelo Barcelona), mas Jorge Mendonça daria ao rival a vitória por 1 a 0. Três dias depois, o América se recuperou e venceu o Maranhão em São Luís pelo mesmo placar, com gol de Álvaro, de cabeça, escorando um cruzamento da ponta direita.

Mas a campanha, de um modo geral, seria decepcionante na primeira fase, em grande parte em função do desentrosamento do time, muito modificado de uma temporada para a outra. Retrato disso foi a terceira partida da equipe naquela etapa, no Maracanã diante do Grêmio — adversário o qual o América havia derrotado por 3 a 1 em pleno Olímpico no Brasileirão anterior. Foi a vez do troco dos gaúchos, que venceram com folga por 4 a 2.

Um dos confrontos entre América e Grêmio, no Brasileirão de 1980

Se aquele novo revés já havia sido frustrante, o jogo seguinte seria ainda mais: um melancólico empate sem gols com o fraco time do Gama no estádio botafoguense de Marechal Hermes, numa partida em que o time desperdiçou um caminhão de gols e acertou uma bola na trave. Mais uma derrota, agora para o Santa Cruz no Arruda por 2 a 1, complicou de vez a situação do time. Mas ele ainda acumularia mais algumas decepções.

Na tarde de sábado, 15 de março, o América outra vez perdeu pontos em casa, ficando no 1 a 1 com o retrancado Atlético Goianiense no Maracanã, com um gol de pênalti para cada lado e um em cada tempo (o dos rubros, marcado por Celso, na etapa final). Um dos destaques dos goianos na partida foi o meia Gilberto, que seria vendido ao Fluminense ao fim da competição e mais tarde teria passagem marcante pelo America entre 1982 e 1984.

Enquanto o técnico Paulo Emílio barrava alguns jogadores alegando falta de condições físicas, os dirigentes tentavam a contratação de Cláudio Adão, então afastado pelo Flamengo. A sequência de jogos sem vencer, porém, chegaria a cinco partidas com a derrota diante do São Paulo por 2 a 0 no Morumbi, na quarta-feira seguinte. A duas rodadas do fim da primeira fase, o clube ocupava a penúltima colocação do grupo, um ponto à frente do Maranhão.

A sequência de maus resultados e a forte ameaça de uma desclassificação precoce e vexatória acabaram derrubando Paulo Emílio, que entregou o cargo após a derrota para o São Paulo. O jogo seguinte, contra o Nacional de Manaus em São Januário, seria crucial para os rumos do América no campeonato, especialmente por se tratar de um adversário direto pela sétima vaga do grupo. Pressionado, o time enfim mostrou a que veio.

Comandada interinamente pelo preparador físico Luís Carlos Quintanilha, a equipe sufocou os amazonenses durante toda a partida e impôs uma goleada de 4 a 0 (dois gols do lateral-direito Uchoa, um do atacante Alcides e outro do centroavante Porto Real), placar que poderia ter sido maior em vista das inúmeras oportunidades perdidas. Porém, o mais importante era o alívio que a vitória trazia para as chances de classificação do clube.

O Jornal dos Sports deu destaque à goleada rubra sobre o Nacional, do Amazonas

Na última rodada, o América encararia o Coritiba no Couto Pereira tendo diante de si o seguinte cenário: os seis primeiros colocados (Santa Cruz, o próprio Coritiba, Grêmio, São Paulo, Vasco e Atlético Goianiense) já estavam matematicamente classificados. Restava só uma vaga, disputada por três clubes. O lanterna Maranhão, embora pudesse alcançar a pontuação de Gama e América e superar a do Nacional, perdia no desempate pelo número de vitórias.

Caso vencesse os paranaenses, o América se classificaria sem depender dos outros resultados. Já no caso de empate, precisaria que o Gama também no máximo empatasse e que o Nacional não goleasse. Já em caso de derrota, só mesmo um revés dos brasilienses e um empate ou derrota dos amazonenses classificaria os rubros. A sorte, no entanto, é que os outros dois concorrentes também tinham pela frente adversários difíceis.

O Nacional receberia um Grêmio que vinha mordido pela surpreendente derrota em Porto Alegre para o Atlético de Goianiense — e os gaúchos venceriam por 3 a 0. Já o Gama encararia nada menos que o Vasco em São Januário — e seria goleado por 5 a 1. Assim, na bacia das almas, o América confirmaria sua passagem à segunda fase mesmo com a derrota por 1 a 0 no Paraná — seus seis pontos ganhos eram a menor soma entre os 28 classificados.

A SEGUNDA FASE

Na segunda fase, as equipes vindas da etapa anterior se somavam às quatro promovidas da Taça de Prata, totalizando 32 clubes, agora divididos em oito quadrangulares disputados em turno e returno. Mais uma vez o America teria pela frente um grupo complicado — o que, a se julgar pelo fraco desempenho dos rubros na fase de classificação, levava a crer que o time não chegaria muito longe, criando poucas expectativas entre os torcedores.

O grande favorito era o Santos, vindo de um primeiro lugar no Grupo C na fase anterior, à frente de Flamengo e Internacional. Os destaques na equipe da Vila Belmiro eram o goleiro Marolla, o meia Pita e os pontas Nílton Batata e João Paulo, todos recentemente convocados para a Seleção Brasileira. A eles se somavam nomes como o zagueiro Márcio Rossini, o ponta-de-lança Rubens Feijão e o armador Carlos Silva, que passaria pelo America em 1983.

Outro duro rival era o Guarani, que mantinha seis titulares do time campeão nacional em 1978, entre eles o meia Zenon e o atacante Careca. No Bugre também jogava o lateral Chiquinho, outro que mais tarde defenderia o América, sendo dono da posição nos títulos da Taça dos Campeões e da Taça Rio de 1982. Por fim havia o Joinville, força hegemônica no futebol catarinense, que contava com o meia Lico, vendido ao Flamengo ainda naquele ano.

E seria exatamente o Joinville o adversário rubro na abertura da segunda fase, em 6 de abril, em um jogo disputado no Estádio Ernesto Schlemm Sobrinho. Embora escalado em formação ofensiva, com só um volante, o America atuou por quase todo o jogo postado na defesa, saindo em contra-ataques. Em um deles, Porto Real abriu o placar aos 31 minutos da etapa final. Cinco minutos depois, porém, Zé Carlos empatou para os donos da casa.

O Santos, que largara naquela etapa goleando o Guarani por 4 a 1 um dia antes na Vila Belmiro, seria o adversário seguinte. Treinado por seu ex-ponta-esquerda Pepe, o Peixe vinha em grande momento, com oito vitórias consecutivas, e era o grande favorito para o confronto no Morumbi naquele dia 13 de abril, diante de pouco mais de 42 mil torcedores. Mas o América, que pouco a pouco ganhava consistência, estava pronto para surpreender.

O time foi escalado por Luís Carlos Quintanilha com a formação bem próxima da ideal. Álvaro, que já havia sido desfalque diante do Joinville, era a única baixa substituído pelo ex-juvenil Valmir. No mais, a equipe teria Jurandir no gol, Uchoa na lateral-direita, Marinho Peres e Heraldo na zaga, João Luís, Nedo e Nélson Borges pelo meio, Serginho na ponta-direita, Neca no comando do ataque e Porto Real deslocado para o lado esquerdo do setor.

O Santos pressionou desde o início, especialmente pelas pontas, dando trabalho aos laterais do América, que precisavam ser socorridos pelos volantes João Luís e Nedo. No centro da defesa, porém, tanto Marinho Peres quanto Heraldo faziam partida soberba, afastando ataque após ataque do time paulista, e ainda gastando tempo sempre que possível, o que irritava os locais. E o jogo foi para o intervalo com o placar em branco.

Na volta para o segundo tempo, no entanto, o América tratou de agir rápido. O Santos deu a saída e tentou um primeiro ataque, mas João Luís deu o combate e Nedo desarmou Rubens Feijão e lançou Porto Real pela meia esquerda, nas costas da defesa. Com muita agilidade, o atacante americano desceu na diagonal até a área, quando chutou cruzado, rasteiro, vencendo o goleiro Marolla com apenas 20 segundos de jogo na etapa final.

A surpreendente vitória deixou a situação do grupo em aberto, já que no outro jogo da rodada, o Guarani vencera o Joinville em Campinas por 2 a 0. Com isso, o América assumia a liderança com três pontos e ganhava confiança para o confronto seguinte, o primeiro em casa, diante do Bugre no Maracanã, dali a uma semana. Satisfeito com a ótima exibição no Morumbi, Quintanilha manteria a mesma escalação inicial para a próxima partida.

Mesmo atuando em casa, o América jogou postado em seu próprio campo, com quatro jogadores pelo meio (Neca voltava para ajudar o setor), sem dar espaços ao perigoso time campineiro — treinado interinamente pelo ex-atacante banguense Ladeira, após a saída de Cláudio Garcia — e contragolpeando nas brechas deixadas pela defesa adversária, com o apoio forte dos laterais. Numa jogada assim nasceria o gol rubro, aos 17 minutos de partida.

Valmir desceu pela esquerda, passou por Capitão e Chiquinho e cruzou. A defesa bugrina não conseguiu afastar, e o lance sobrou do outro lado para Uchoa, que chutou forte e cruzado. A bola repicou no gramado, dificultando o trabalho do goleiro Birigüi, que bateu roupa. Neca, que vinha na corrida, pegou a sobra e mandou para as redes mesmo combatido por Zenon. Um gol na raça, defendido com firmeza até o fim, deixando o America ainda mais líder.

“O América mostrou disciplina tática e uma defesa muito bem armada, destacando-se a boa fase de Uchoa, a liderança e raça de Marinho Peres e a segurança de Heraldo, além da boa revelação que é o lateral-esquerdo Valmir”, escreveu o Jornal do Brasil, que embora tenha feito restrições ao nível técnico da partida, lembrou que os rubros precisariam só de uma vitória no jogo seguinte, contra o Santos no Maracanã, na noite de quarta-feira, para se classificarem.

Naquele mesmo domingo, o Peixe havia visitado o Joinville e perdido de maneira surpreendente por 2 a 0, resultado que fazia a equipe catarinense pular para a vice-liderança, com três pontos. O América liderava com cinco, enquanto a dupla paulista ocupava a rabeira do grupo, com apenas dois pontos na virada do turno. Naquela altura, só mesmo uma enorme reviravolta tiraria os rubros do torneio e classificaria conjuntamente Santos e Guarani.

Como aconteceu por diversas vezes na história americana, foi exatamente nesse momento de ápice, na iminência de grandes conquistas, que os problemas começaram a surgir. Primeiro, o desfalque certo de Heraldo, suspenso pelo terceiro cartão amarelo. Nedo, com dores na virilha, também dificilmente enfrentaria o Santos. Porém Russo, reserva imediato da zaga, e João Luís, titular do meio-campo, ameaçaram não jogar por estarem sem contrato.

Antes de as duas situações serem felizmente contornadas, Quintanilha chegou a cogitar escalar o garoto Zedílson, do time juvenil, ao lado de Marinho Peres. Mas Russo e João Luís renovaram e jogaram. Já para o lugar de Nedo, as opções eram os volantes Carlinhos e Luís Ferreira ou o recém-contratado armador Cléber, revelado pelo Atlético-MG (de onde veio por empréstimo) e que já havia passado pelo Flamengo em 1978/79. Carlinhos foi o escolhido.

O América, porém, sentiria os desfalques e seria dominado pelo Santos em pleno Maracanã no primeiro tempo, para o que contribuiu também uma boa dose de displicência. E o time paulista abriu o placar aos 23 minutos de partida: João Paulo cruzou para a área, Pita e Rubens Feijão fizeram verdadeira linha de passe enquanto a retaguarda americana apenas assistia, e o atacante Aloísio só teve o trabalho de tocar para o gol vazio.

No segundo, nove minutos depois, Nílton Batata cruzou da direita e Aloísio tentou um cabeceio fraco e sem direção. Mas João Luís, que esticara a perna para tentar cortar pela linha de fundo, acabou jogando contra as próprias redes, no canto oposto de Jurandir, sem que o goleiro pudesse esboçar qualquer reação. A infelicidade do meia selou a vitória santista, ainda que os jogadores reclamassem de um pênalti de Joãozinho em Luís Ferreira no segundo tempo.

O técnico Quintanilha afirmou após a partida que a derrota para o Santos não era motivo para que se perdesse a tranquilidade, mas reconheceu que o time atuou abaixo de suas possibilidades. Faltando duas rodadas, o América seguia dependendo apenas das próprias forças para garantir a classificação. No dia seguinte, porém, a sede de Campos Sales amanheceu com quatro vidraças quebradas, num prejuízo acumulado em Cr$ 32 mil.

No domingo, o América iria a Campinas enfrentar um desesperado Guarani, que ocupava a última colocação na chave, com apenas três pontos ganhos — mas que jogaria suas duas últimas partidas em casa. No time rubro, os desfalques por lesão eram o goleiro Jurandir (que vinha em ótima forma e foi substituído por Ernâni), o lateral-esquerdo Valmir (Álvaro retornava ao time) e o ponta-direita Serginho, que daria lugar a Alcides para manter a escalação ofensiva.

Foi o Guarani, no entanto, quem sufocou o América durante todo o primeiro tempo, perdendo inúmeras chances claras. Pelo lado rubro, a maior oportunidade veio em um lance inacreditável de Alcides, que recebeu lançamento de Marinho Peres, ganhou na corrida do zagueiro Gomes, driblou o goleiro Birigüi e, com o gol vazio, conseguiu chutar para fora. Assim, os primeiros 45 minutos no Brinco de Ouro terminaram num empate sem gols.

Na etapa final, o Bugre decidiria o jogo em mais um lance de infortúnio da defesa americana. O ponteiro Frank recebeu um cruzamento da esquerda para a direita e chutou forte. A bola bateu na cabeça do zagueiro Heraldo e traiu Ernâni, que nada pôde fazer. Pela segunda partida seguida, um jogador do América balançava as próprias redes. O time não conseguiu o empate que queria, mas, pelo maior volume de jogo, o adversário mereceu mesmo vencer.

O revés em Campinas somado à vitória do Santos sobre o Joinville na Vila Belmiro fizeram com que o America descesse da primeira para a terceira posição. O Peixe pulava para a liderança, com seis pontos, enquanto o Guarani — agora com os mesmos cinco pontos e saldo de um gol negativo dos rubros — levava a melhor por ter marcado um tento a mais (quatro contra três). De qualquer forma, mesmo com os dois tropeços, o cenário ainda favorecia o Mecão.

Na última rodada, o time receberia o Joinville em São Januário precisando de uma vitória simples, que confirmaria a classificação sem depender do resultado do confronto entre Guarani e Santos em Campinas. O time catarinense ainda tinha jogava por suas remotas chances: avançaria se vencesse no Rio e se o Peixe batesse o Bugre no Brinco de Ouro. Mas o que preocupava o América ao longo da semana era a própria equipe, com muitas ameaças de desfalque.

O primeiro desfalque certo era o meia Nélson Borges, suspenso pelo terceiro cartão amarelo. Em seguida, o time também perderia Marinho Peres e Álvaro, julgados pelo Tribunal Especial da CBF e punidos com dois jogos de gancho. O goleiro Jurandir, há uma semana sofrendo de dores de cabeça e de estômago, fez alguns exames e acabou vetado mais uma vez, com Ernâni mantido no gol. Mas nem tudo eram más notícias.

Nedo e Silvinho, recuperados das lesões, voltariam à equipe. No lugar de Álvaro, Valmir (que vinha dando conta do recado) era o substituto sem sustos. Russo entraria mais uma vez na zaga, agora no lugar de Marinho. E, pela primeira vez naquele campeonato, o time contaria com o habilidoso ponta-esquerda Silvinho, afastado desde o início do ano por questões contratuais. Sua entrada permitia a Porto Real voltar a jogar de centroavante, com Neca no meio-campo.

Com muitas mudanças, o time começou a partida de maneira confusa, mal distribuído em campo e novamente demonstrando displicência. Mesmo assim conseguiu abrir o placar aos 13 minutos, quando Serginho recuou a bola para Uchoa chutar com violência. Com a defesa falhando muito, o meio-campo pouco combativo e Silvinho visivelmente sem ritmo de jogo após os muitos meses de inatividade, o America foi cedendo espaço ao adversário.

O empate era questão de tempo. E veio aos 28 minutos, quando o centroavante Zé Carlos Paulista recebeu desmarcado um passe de Lico e chutou sem ser incomodado. Mas o pior viria no começo da etapa final, aos 11 minutos: a defesa não conseguiu cortar um cruzamento da esquerda e Mateus conseguiu concluir na segunda tentativa, colocando o Joinville na frente. Em seguida, Cléber entrou no lugar de Silvinho e Luís Ferreira no de Neca.

As alterações empurraram o time à frente com mais objetividade e permitiram o empate aos 25 minutos: Serginho cruzou da direita, Cléber ajeitou e escorou para Porto Real, que marcou um belo gol, recolocando o America no páreo, enquanto Guarani e Santos empatavam em 1 a 1 em Campinas. O gol da vitória, que daria a classificação direta, sem depender do outro jogo, porém, acabou não vindo, embora o time pressionasse até o fim.

“O América não tem jeito. Sempre que necessita de um resultado positivo, atua pessimamente. Mas já estou acostumado com isso”, lamentou o técnico Quintanilha, que chegou a chorar após o fim do jogo. O fato é que a combinação de resultados levou a um inédito empate em todos os critérios. América e Guarani somaram os mesmos seis pontos, com duas vitórias, dois empates e duas derrotas, cinco gols marcados e seis sofridos.

O JOGO EXTRA

O regulamento previa que o classificado fosse decidido em um sorteio, mas na tarde de segunda-feira dirigentes dos dois clubes chegaram a um consenso de que um jogo desempate seria mais proveitoso do que decidir a vaga simplesmente na sorte. Levada ao presidente da CBF, Giulite Coutinho, e ao diretor de futebol da entidade, Medrado Dias, a sugestão foi bem recebida, e em seguida passou-se a discutir o local do jogo.

Foram feitos dois sorteios, ambos com vitória do Guarani (o que deixou satisfeito e aliviado o vice-presidente de Futebol do América, Paulo Cortines, por ter evitado que este método decidisse diretamente o classificado). Com isso, ficou estabelecido que o time campineiro seria o mandante do jogo e que este seria realizado no Parque Antártica (a outra opção seria o Maracanã). Em caso de empate, haveria prorrogação e disputa de pênaltis.

Se a mudança de regulamento acabou evitando com que o América fosse eliminado no sorteio, a sorte acabou abandonando o Mecão em campo, naquela partida extra disputada em uma noite de quarta-feira. Desde antes da partida, aliás, Luís Carlos Quintanilha vinha tendo problemas para escalar a equipe devido aos muitos desfalques por suspensão ou lesão, além de considerar sacar alguns jogadores pelo mau desempenho recente.

No gol, a tendência era que Ernâni continuasse, mas Jurandir, mesmo sem ter treinado, acabou voltando ao time. Uchoa, um dos destaques, foi mantido na lateral-direita. Na zaga, sem Marinho Peres (suspenso) e agora também sem Russo, com entorse no tornozelo direito sofrida contra o Joinville, o técnico chegou a pensar em recuar João Luís, mas preferiu mantê-lo na contenção no meio-campo e escalou o jovem Zedílson ao lado de Heraldo.

Na lateral-esquerda, Álvaro foi liberado para jogar após cumprir só um de seus dois jogos de gancho. Já no meio-campo, João Luís e Nedo foram confirmados, formando o setor com Nelson Borges, que voltava de suspensão. Neca acabou fora da equipe, já que, além disso, a formação do ataque que atuou contra o Joinville foi mantida, tendo Serginho na ponta-direita, Porto Real pelo centro e Silvinho mais uma vez na ponta-esquerda.

Tendo jogado junta apenas por alguns minutos na estreia do time naquele Brasileiro contra o Vasco, a zaga Heraldo-Zedílson teve problemas para se entender nos primeiros instantes do jogo com o Guarani. E num vacilo da dupla, o meia Péricles abriu o placar para o Bugre logo aos seis minutos, forçando o America a deixar sua postura cautelosa e sair para buscar o empate, o que acabaria conseguindo aos 24 minutos, com Porto Real.

O cruzamento veio da direita, na medida para o centroavante rubro escorar para o fundo das redes e recolocar o time no jogo. Minutos antes do intervalo, o mesmo Porto Real poderia ter decretado a virada, mas perdeu uma boa chance. Na etapa final, o America voltou jogando à base de lançamentos longos, mas acabou sofrendo o segundo gol logo aos três minutos, na primeira grande infelicidade daquela fatídica noite.

Jurandir não conseguiu segurar um chute do ataque campineiro, e o rebote ficou com Careca. O camisa 9 bugrino emendou na trave, mas para sua sorte — e azar do América — a bola rebateu em Zedílson e foi para o fundo do gol. Mesmo assim, o Mecão ainda encontrou forças para buscar o novo empate com Nedo, aos nove minutos. E cresceu no jogo, bloqueando bem as investidas bugrinas e arriscando alguns ataques perigosos.

Aos 36 minutos, porém, veio o golpe final no ânimo americano, num lance incrivelmente fortuito: Uchoa, que vinha sendo o melhor jogador da equipe ao longo da campanha, resolveu recuar uma bola para o goleiro Jurandir, sem perceber que o camisa 1 estava adiantado, e o passe para trás caprichosamente entrou na própria meta americana — o segundo gol contra marcado pelo time no jogo e o quarto nas últimas quatro partidas.

Nos minutos finais, a equipe já não tinha mais forças para buscar o terceiro empate. Porto Real e Silvinho já haviam deixado o campo, substituídos por Luís Ferreira e Celso. E antes do fim do jogo o America também perderia Nedo, expulso. “Foi um jogo sem explicação, que não se repetirá neste século”, lamentava o presidente Álvaro Bragança, que também reclamava a não marcação de um pênalti em Nelson Borges quando o jogo estava 2 a 2.

A eliminação fez com que o America precisasse excursionar pela Bolívia para manter em dia a folha salarial, antes do início da Taça Guanabara (disputada naquele ano como um torneio à parte do Campeonato Estadual). O clube chegou a repatriar o goleador Luisinho Lemos, que estava no México, mas a decepcionante oitava colocação no Carioca jogaria o Mecão para a Taça de Prata — equivalente à segunda divisão nacional — pela primeira vez em 1981.

No ano seguinte, sem conseguir o acesso, a equipe ficaria de março a maio disputando apenas amistosos. Esboçaria se reerguer com um surpreendente vice-campeonato da Taça Guanabara, mas o retorno definitivo à boa fase só se daria em 1982 — quando inclusive viria a revanche diante do Guarani, na épica decisão da Taça dos Campeões, o título nacional do América. Mas essa já é outra história, a ser contada em breve.

*Emmanuel do Valle é jornalista e pesquisador da história do futebol brasileiro e internacional.

--

--