Flamengo na Libertadores é o Ai, Jesus!

Rubro-negro jogará sua segunda final de Libertadores na história contra o atual campeão da América

João Terra
Mezzala
11 min readNov 22, 2019

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Técnico Jorge Jesus e seus jogadores aplaudem a presença da torcida no Rio Grande do Sul, na partida contra o Grêmio, no primeiro jogo da semifinal da Libertadores (Foto: Lucas Uebel)

O Flamengo jogará a partida mais importante dos seus últimos 38 anos neste sábado (23), às 17h de Brasília. Na decisão da Libertadores da América, torneio de maior relevância do continente, o rubro-negro enfrentará o River Plate, da Argentina, atual campeão da competição e autor do enorme feito de vencer três finais continentais em cinco anos (Sul-Americana, em 2014, e Libertadores, em 2015 e 2018). A partida, que é uma das mais esperadas do ano, por envolver duas equipes que agradam não só os torcedores, mas todos que acompanham e se interessam por futebol bem jogado, será realizada em Lima, capital do Peru. O local de disputa da final foi confirmado tardiamente, no dia 6 de novembro. Primeiramente, a decisão aconteceria no Estádio Nacional de Santiago. Porém, com toda a situação de protestos no Chile, a CONMEBOL concluiu que não há condições favoráveis para a realização de um evento deste tamanho no país, alterando a sede da final para o Estadio Monumental “U”, o maior da América do Sul, com capacidade para 80.000 pessoas, do mandante Universitario de Desportes.

O palco da grande final foi construído em 2 de julho de 2000 (Foto: Reprodução/Instagram)

Será a segunda final de Libertadores da história do rubro-negro carioca. Na primeira, em 1981, o clube comemorou o título, em campanha que vale ser lembrada. Na primeira fase, o Flamengo, do técnico Paulo César Carpegiani, que se classificou para a competição por vencer o Campeonato Brasileiro de 1980, teve em seu grupo (3) a companhia do Atlético Mineiro e dos paraguaios Cerro Porteño e Olimpia. Após todos do grupo se enfrentarem, os brasileiros foram obrigados a disputar uma partida de desempate, visto que ambos estavam empatados com oito pontos e apenas um se classificava para a fase seguinte. Por ter o melhor saldo de gols (+5), o carioca tinha a vantagem do empate. A partida, realizada no Estádio Serra Dourada, em Goiânia, foi marcada na história do futebol e gera discussões até hoje. Isso porque o árbitro José Roberto Wright expulsou cinco jogadores atleticanos, deixando o time mineiro com apenas seis atletas em campo (o mínimo permitido são sete, de acordo com o primeiro parágrafo da regra 3 do futebol, estabelecida pela International Board) e encerrando a partida aos 37 minutos do segundo tempo, sem nenhum gol marcado. Porém, a vitória foi dada ao Flamengo, por W.O., que se classificou para a semifinal da competição (em formato diferente do atual).

Naquela edição, na segunda fase do torneio, os cinco líderes de cada grupo (Deportivo Cali, Peñarol, Flamengo, Jorge Wilstermann e Cobreloa), somados ao último campeão da competição (no caso, o Nacional do Uruguai), foram divididos em dois grupos de três equipes. O Flamengo venceu as quatro partidas (duas contra cada adversário) do seu grupo, formado também por Deportivo Cali e Jorge Wilstermann. A decisão foi contra o Cobreloa, que enfrentaria o rubro-negro carioca em dois jogos, de ida e volta. A primeira partida, no Maracanã, terminou 2 a 1 para o clube brasileiro, com dois gols do craque Zico. No jogo de volta, realizado no Estadio Nacional de Santiago, os chilenos empataram o confronto: 1 a 0, gol do meia Merello (marcador chileno também no jogo anterior). Como não havia o critério de desempate pelo gol fora de casa, foi necessária uma terceira partida entre os finalistas, para confirmar definitivamente o campeão. Na grande final (curiosamente realizada em 23 de novembro daquele ano, mesmo dia da partida do próximo sábado), o ídolo flamenguista fez jus ao seu status de craque e, mais uma vez, marcou dois gols no goleiro Óscar Wirth, para sacramentar a vitória rubro-negra e sagrar o Flamengo campeão da Libertadores. Zico foi o artilheiro do torneio, com 11 gols marcados, e ainda recebeu o prêmio de melhor jogador da competição.

Foto oficial do time campeão da Libertadores de 1981 (Foto: Reprodução)

O rubro-negro quer que a história se repita neste sábado, e, durante a atual temporada, investiu para alcançar seu objetivo máximo. Em janeiro, o elenco, que já contava com jogadores expressivos, como Diego Alves, Diego Ribas e Éverton Ribeiro, passou a contar também com os craques De Arrascaeta (comprado do Cruzeiro, por 55 milhões de reais), Bruno Henrique (adquirido do Santos, por um valor de 23 milhões de reais) e Gabriel Barbosa, o Gabigol, emprestado pela Inter de Milão. Um time recheado de bons e excelentes jogadores, comandados pelo experiente técnico Abel Braga. No entanto, o começo de temporada não foi a maravilha esperada de um time com o investimento que tem. Apesar do título estadual (justificado pela diferença qualitativa de elenco do Flamengo comparado aos de seus rivais cariocas), a equipe encontrou dificuldades no início da competição mais importante, a Libertadores, e foi questionada por não jogar tudo o que era capaz pelas peças que tinha.

Na fase de grupos, os adversários do rubro-negro foram o San José, da Bolívia, a LDU, do Equador, e o Peñarol, do Uruguai. Na estreia, uma grande dificuldade encontrada pelos brasileiros foi a altitude. O Estádio José Bermúdez, localizado em Oruro, está a 3.735 metros acima do nível do mar. Com atuação de destaque do goleiro Diego Alves, craque do jogo por ter defendido diversos chutes de fora da área, e com gol salvador de Gabigol, o Flamengo garantiu os três pontos na primeira partida da competição, apesar do futebol apresentado abaixo do esperado. No segundo jogo, contra a LDU, em um Maracanã com 58 mil espectadores presentes, noite bem mais tranquila. Éverton Ribeiro, Gabigol e Uribe marcaram na vitória por 3 a 1. Cristian Borja, ex-jogador do rubro-negro carioca, descontou de pênalti. Mais uma vez, o arqueiro Diego Alves se destacou, defendendo a penalidade cobrada por Jefferson Intriago. Já contra o Peñarol, a primeira derrota na competição. Mesmo com o Maracanã lotado, o time de Abel Braga, jogando com um jogador a menos desde os 30 minutos do segundo tempo, quando Gabigol cometeu uma falta dura e tomou o cartão vermelho direto, foi vencido com gol de Lucas Viatri, aos 43 do segundo tempo.

Nos confrontos de volta, goleada por 6 a 1 no San José, novamente no Maracanã com todos os ingressos vendidos. Em Quito, mais uma vez o Flamengo enfrentaria a altitude. Dessa vez, 2.850 metros separavam o Estádio Rodrigo Paz Delgado e o mar. Apesar da menor elevação, comparada à da partida de estreia, a dificuldade foi maior. A LDU venceu por 2 a 1, de virada, e deixou Abel preocupado com a classificação de seu time para a próxima fase da competição e com sua continuidade no cargo de treinador. Para avançar, era necessário um empate contra o Peñarol, no Uruguai. No Estádio Campeón de Siglo, o lateral flamenguista Pará foi expulso, aos 19 minutos da segunda etapa, complicando ainda mais a situação do time. O jogo terminou sem gols, e com mais uma expulsão, do uruguaio e também lateral Giovanni González, no último minuto do jogo. O que era considerado um grupo fácil, terminou muito equilibrado, com Flamengo, LDU e Peñarol empatados com dez pontos, sendo esse último eliminado pelo saldo de gols. Mesmo avançando à fase de mata-mata como líder de seu grupo, o técnico Abel Braga, que não tinha a aprovação máxima por parte dos torcedores, não seguiu no cargo, alegando incômodo com o isolamento. A diretoria, então, procurou no mercado um treinador capaz de lidar com o experiente elenco e fazê-lo jogar um futebol proporcional aos investimentos. O escolhido: Jorge Jesus.

O treinador, de 65 anos, foi confirmado no Flamengo em primeiro de junho (Foto: Gilvan de Sousa)

O português, que estava comandando o Al-Hilal, da Arábia Saudita, chegou de maneira surpreendente. Pouco conhecido no Brasil até então, o Mister, como é chamado, coleciona uma carreira vencedora em seu país de origem. Pelo Benfica, foi vencedor do Campeonato Português três vezes, sendo duas consecutivas (2009–10, 2013–14 e 2014–15), além de chegar a duas finais de Liga Europa. Em 2013, passando pelo Fenerbahçe, jogou a decisão contra o Chelsea, então campeão da Champions League, que marcou o gol da vitória aos 48 minutos do segundo tempo, em cabeçada de Ivanović. No ano seguinte, perdeu a final para o Sevilla, nas disputas de pênaltis (na semifinal, o time português eliminou a poderosa Juventus, na Itália).

Jesus chegou ao Flamengo em junho, há apenas cinco meses, mas já demonstra sua capacidade de montar e comandar o time que vem encantando a América desde sua chegada. Taticamente, é possível resumir o Flamengo de Jorge Jesus em três características: intensidade a todo momento (não só física, mas de busca pelo gol mesmo com resultado favorável), muita mobilidade (dando diversas opções de passe ao portador da bola) e o conceito de bolas coberta e descoberta (caracterizado pela capacidade da linha de defesa diminuir o espaço para o adversário produzir).

Mister pediu reforços, e o elenco ficou ainda mais encorpado. Após a saída de Léo Duarte para o Milan, Rodrigo Caio precisava de um companheiro de zaga, e o espanhol Pablo Marí chegou, assim como seu técnico, desconhecido pelo torcedor. Já mudou completamente de status, sendo hoje o principal iniciador de jogadas do time, com uma perna canhota capaz de quebrar linhas de marcação com um passe. Ainda na defesa, o lateral-direito Rafinha, antigo desejo rubro-negro, finalmente foi contratado. O ex-jogador do Bayern de Munique e da Seleção Brasileira chegou para assumir de vez a titularidade de uma posição que vinha sendo ocupada por Pará e Rodinei, dois dos mais questionados pela torcida. Do outro lado do campo, Filipe Luís, um dos melhores laterais do planeta, foi contratado após seu contrato com o Atlético de Madrid se encerrar. Hoje, domina a setor esquerdo da defesa, sendo um dos principais armadores do time, atuando como um lateral construtor. E por fim, Gerson, cria do rival Fluminense, estava sem muito espaço na Europa, com passagens discretas por Roma e Fiorentina, mas, no time de Jorge Jesus, prevalece no meio de campo. É o “joker”, o coringa, como o próprio treinador o apelidou. Atuando como segundo homem no meio, à frente de Willian Arão, possui uma capacidade incrível de recuperar a bola e se livrar da marcação com dribles curtos, se posicionando quase sempre na sobra das jogadas. Arão, por sinal, é mais uma peça fundamental para o Mister, responsável por se juntar aos zagueiros nas saídas de bola da equipe (saída Lavolpiana/de três). Completam o time os craques Éverton Ribeiro (capitão), Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel, mais Gabigol do que nunca. É a temporada mais artilheira do camisa nove: 38 gols em 53 jogos, o que dá uma média de mais de um gol a cada dois jogos.

Time titular do Flamengo reunido antes de partida válida pela Libertadores (Foto: Reprodução)

Voltando a falar de Libertadores, o português estreou na competição contra o Emelec, no Equador, no jogo de ida das oitavas de final. No Estádio George Capwell, o Flamengo foi derrotado por 2 a 0. Jesus não contava com os machucados Éverton Ribeiro, Arrascaeta e Vitinho e foi obrigado a improvisar Rafinha na meia-direita. O setor ficou com pouca criação, visto que não é a posição de origem do ótimo lateral. Na partida de volta, no Maracanã, com os jogadores entendendo mais as ideias e propostas de seu comandante, Gabigol marcou duas vezes para empatar o placar agregado e levar o jogo aos pênaltis. Com Diego Alves defendendo a cobrança de Dixon Arroyo e Nicolas Queiroz acertando o travessão, o Flamengo venceu a disputa por 4 a 2 e avançou para as quartas de final.

O adversário da vez era o Internacional de Porto Alegre. No jogo de ida, no Rio de Janeiro, mais um 2 a 0. Dessa vez, Bruno Henrique, que tinha acabado de ser convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira, foi o autor dos dois gols, em um jogo marcado pelo domínio rubro-negro em cima dos colorados. A partida de volta, com os gaúchos como mandantes no Beira-Rio, o resultado terminou em 1 a 1. Rodrigo Lindoso abriu o placar para o Inter, e Gabigol empatou. Com o 3 a 1 no agregado, o Flamengo garantiu a vaga na semifinal, e enfrentaria o maior rival de seu último adversário, o Grêmio.

Na primeira partida, disputada na Arena do Grêmio, os cariocas balançaram as redes gaúchas quatro vezes, mas o jogo terminou 1 a 1. Isso porque três gols foram anulados com o auxílio do árbitro de vídeo (dois por impedimento de Gabigol e um por falta do atacante no zagueiro Walter Kannemann na origem do gol de Éverton Ribeiro). Inclusive, foi o camisa nove que abriu o placar. Porém, o jovem Pepê, que havia entrado no decorrer da partida, empatou o jogo aos 43 do segundo tempo. No duelo de volta, uma goleada histórica. 63.409 torcedores (público recorde, no ano, do clube na competição) viram o Flamengo vencer por um placar incrível de 5 a 0. O técnico Renato Portaluppi mudou o desenho do time gremista (muito por conta dos desfalques), saindo do tradicional 4–2–3–1 para um 4–1–4–1, escalando o volante Michel, um dos principais destaques negativos da partida, por não ter nenhum meia à disposição (Jean Pyerre e Luan estavam machucados). Resumindo, o Flamengo sobrou em campo. Com Bruno Henrique abrindo o placar e Gabigol ampliando com mais duas bolas nas redes de Paulo Victor, os zagueiros Pablo Marí e Rodrigo Caio não encontraram dificuldades para sacramentar o histórico resultado com duas cabeçadas em jogadas parecidas de bola parada. Desde o início da partida, o time gaúcho demonstrava muita dificuldade em marcar os velozes ataques rubro-negros, com um sistema de marcação de encaixes e perseguições individuais que não funcionou.

Comemoração dos craques do Flamengo, na histórica vitória por 5 a 0 contra o Grêmio (Foto: goal.com)

A final tende a ser um jogo bastante equilibrado, por conta da enorme qualidade das duas equipes. O Flamengo conta conta com o artilheiro da competição (Gabigol, com sete gols marcados) e o líder de assistências (Bruno Henrique, que deu cinco passes para gols) e quer terminar a competição levantando a taça, como foi em 81, e tem todos os ingredientes para tal: um elenco com excelentes jogadores no time titular e boas opções no banco de reservas (como o promissor Reinier, de 17 anos, o experiente e líder Diego, o driblador Vitinho, o iluminado Lincoln e o aguerrido Piris da Motta), um treinador capaz de alterar o sistema da equipe diversas vezes em um mesmo jogo, de acordo com o adversário, e uma torcida apaixonada, que está ansiosa para rever a cena do dia 23 de novembro de 38 anos no passado.

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