Nosso Tempo Realmente Voa

Nosso tempo realmente voa

Michel Luca
Michel Luca
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10 min readJan 4, 2020

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Embora todo mundo procure o elixir da juventude, existem algumas coisas verdadeiramente boas relacionados ao envelhecer. Pode parecer absurdo, ir na direção contrária ao senso popular, que é resistir bravamente ao desgaste do tempo!

Mas quando nos damos a oportunidade de olhar as coisas com mais calma e franqueza, reconhecemos presentes extraordinários que só o tempo nos entrega.

Em certo ponto, alcançamos o discernimento de que os ciclos de renovação são o que há de mais belo na vida, e o tempo de cada ciclo realmente voa.

Como é bom estar viva, respirar e apreciar cada instante, assim como eles são.

Monja Coen

1) Nos sintonizamos com as demandas do coração

Eu consigo entender, resistimos pois representa o ápice da proximidade com o que encerra a nossa natureza: a finitude! No fundo sabemos, mas não queremos admitir, que um dia a vida acaba e este ciclo se renova.

Ser finito é uma das características que fundamenta o existir universal, mas só o ser humano o reconhece, e dada está consciência, é importante escolher por viver as beneficies de cada pedacinho desta existência, inclusive da velhice.

É tabu, é feio, é preciso calar e resistir, é o apelo dramático. De qualquer forma a vida é muito prática e autêntica ao lidar conosco, se trata de bom senso aprontar-se para tratá-la da mesma forma. Todavia, com o acréscimo dos anos ganhamos esse nosso primeiro presente, a capacidade de sermos com a vida igualmente práticos e autênticos.

A praticidade de mãos dadas com a franqueza nos leva a reconhecer a importância do bom uso de cada momento, não há razão para desperdiçar o tempo de vida com coisas miúdas, e a autenticidade nos coloca em sintonia com as demandas do coração, o que realmente vale a pena!

Um não dito com convicção é melhor e mais importante que um sim dito meramente para agradar, ou, pior ainda, para evitar.

Mahatma Gandhi

2) Nos tornamos mais presentes

Nos aprontamos para o não momento, ou seja, o tempo de não mais existir. De forma paradoxal, nos pomos cada vez mais distantes da fantasias com um amanhã que está por vir, mas sendo franco, nos soa incerto. Enxergamos a oportunidade de tecer o hoje, que é dado e certo, da melhor maneira possível!

Avançar na idade com calma e franqueza é também romper as amarras com um passado de arrependimentos e um futuro de expectativas, não significa desprezo (não jogamos fora histórias nem sonhos) significa apenas desapego, despretensão.
O agora é invariavelmente a única coisa certa, e uma das maiores dádivas “tardias” da vida é a habilidade de se tornar mais presente.

Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver.

Dalai Lama

Falando sobre o tempo, como realmente voa, não é mesmo? Para mim se passaram trinta e sete anos (se me recordo bem, pois às vezes me foge a vontade de contar a idade), e os dias parecem mais acelerados do que nunca.

É interessante a interpretação subjetiva da idade, veja, para os que tem o dobro da minha, sou apenas um recém nascido mas ao olhar dos mais novos, já nem pareço pertencer a este tempo!

O caso é, que em dado momento nós percebemos e ai pouco importa a idade documental. A pele fica enrugada e áspera, o cabelo fica branco, a vista menos rápida e a memória digamos, mais seletiva e arbitrária. Exatamente por isso, que esta última expulsa de si a recordação quantificativa da vida, a idade.

Independente da idade, em algum momento a gente se apronta! É só diminuir o ritmo truculento e avassalador do dia a dia, ser franco, manter a calma e estar presente para si mesmo!

3) Nos apropriamos da capacidade de escolha

O relógio está lá, o que é ótimo pois nos lembra do tempo que voa e urge! Este, o tempo, nos entrega o papel de protagonistas e cobra mesmo, de cada um a atribuição de dar significado para o “tic-tac” do ponteiro. Aliás, se trocarmos o som do “tic-tac” pelo som gentil da palavra “escolha” de cara ganhamos mais um presente, que só o envelhecer oferece.

Entendemos que a todo momento existem opções e é possível ponderar sobre estas. Através deste entendimento, nos apropriamos da capacidade de escolha e fazemos jus.

É através da escolha e pela escolha, como presente, que reconhecemos um tanto de coisas boas e sobre estas podemos nos debruçar brevemente. O cabelo por exemplo, como comentei acima, é branco, e o cabelo branco por ser mais franco e mais autêntico, se preocupa um tanto com o outro, mas cada vez menos com a opinião alheia!

Essa carga de verdade, traz consigo uma vontade deliciosa de pensar e repensar as coisas, ou seja, de não abreviá-las, de se estar presente! A vista, outro exemplo, é mais lenta, e o foco ganha um certo atraso. Ocorre, que o desfoque agrega profundidade, no que diz respeito a alma humana e aos anseios do coração.

4) Nos tornamos ponderados

Se antes, minhas opiniões sobre os outros eram rápidas e afiadas como navalhas, envelhecer tem as feito lentas, profundas, complexas, multifacetadas e maduras. Afinal de contas, passo a enxergar o outro como um autêntico semelhante. Isso significa, alguém cheio de anseios, medos, desejos e não obstante, confuso.

É interessante, que está profundidade nos leve a entender que as pessoas escolhem por um determinado caminho pois este, é o que lhes parece de melhor em dado momento.
A este exercício de reflexão moderado, em que atribuímos pesos e adiamos as conclusões, chama-se ponderar.

Pouco importa o julgamento dos outros. Os seres humanos são tão contraditórios que é impossível atender às suas demandas para satisfazê-los. Tenha em mente simplesmente ser autêntico e verdadeiro.

Dalai Lama

Envelhecer também é se tornar grato aos anos pelos decréscimos, que na verdade só o que fazem é abrir espaço para os acréscimos, como ciclos de renovação de fato o fazem! Antes desse tempo o meu falar me parecia lógico, preciso e indubitável.

O mundo ao meu redor é que era bastante “enrolado” por assim se dizer.

Hoje me enrolo fácil, falo e às vezes escolho “desfalar“, pois nada é tão simples, nem indubitável e esta tudo bem em relação a isto. É que a mente se torna mais temperada e tarda no concluir. Há um requinte, o bom sabor não é mais tão bem representado pelo peso e exagero do bacon, e sim pela mistura harmoniosa e ponderada, dos ingredientes marinados.

5) Nos tornamos íntimos do bom humor

Com isso, faço muito bom uso de mais uma habilidade que o tempo me trouxe, sempre que me vejo ansioso, eu dou risada de mim mesmo, faço até escárnio, eu sou exagerado como diria Cazuza!

E por que não riria? Há pera lá, você me diz. Ok, vamos ser francos, pois é o que torna a coisa toda do envelhecer verdadeiramente boa e agradável! Para rir de si, a gente precisa ter a calma de um enólogo e enxergar a vida como um processo de vinificação.

Quando descobrimos a graça que é desfrutar o processo, ao invés de ansiar pelo resultado, com a mesma serenidade do enólogo, gargalhamos por não termos mudado nosso foco antes e nos tornamos íntimos do bom humor.

O mau humor é uma fuga da realidade, o bom humor é uma aceitação da mesma

Malcolm Muggeridge

O ego que antes me mataria se eu permiti-se que rissem dele, amassado como uma uva sobre a qual eu piso todos os dias, já não se importa mais em erguer e sustentar uma imagem de “sucesso”. Mais humilde e menos pomposo, o que o orgulha, o que dá o bom sabor, é o aroma delicioso de saber lidar com os próprios erros, ao invés de não errar.

O segredo é simples, comece pisando sobre a sua uva, com generosas doses de humor, depois, de saltos de humor, e por fim, peça aos que te amem, que também pisoteiem a sua uva.

Quem se importa com o tamanho do ego do outro, quando se está 100% focado em olhar o tamanho do seu próprio umbigo? O bom mesmo é ser pequeno, é mais negócio. Sábio Gandhi!

Enquanto todos brigam acirradamente defendendo suas opiniões, como se abrir mão representasse a morte, você esboça um retrato claro, costurando palavras como em uma canção e segue com sua própria flauta. A ausência do egocentrismo, te faz reconhecer os Hamelins (flautistas)ao seu redor de longe, e eles existem aos montes!

6) Nos tornamos donos de nossas expectativas

A mim esses mares de palavras, agora, são velhos conhecidos e eu me delicio em navegar por essas águas, esta é a única razão da “brincadeira” acima. É que quando envelhece-mos com franqueza, o que antes era embate torna-se brincadeira.

A gente aprende que nenhum caminho é definitivamente fechado ou absoluto, nem para dor e nem para alegria, então, para que se preocupar? A gente simplesmente desapega, nos tornamos donos de nossas expectativas e damos risada do como agimos.

Óbvio, façamos o possível, porém conscientes de que os meus e os seus projetos, definitivamente serão revistos pela vida.

O desapego, como sabemos, não é uma rejeição, mas uma liberdade que prevalece quando deixamos de nos atar às causas do sofrimento. Em um estado de paz interior, com conhecimento lúcido de como funciona a nossa mente.

Matthieu Ricard

Essa capacidade de desapego, inclusive à necessidade de realização de um projeto, além de transformar a coisa toda em pura diversão te acrescenta a capacidade de gerir a sua expectativa.

Eu invariavelmente aprendo com os que estão ao meu redor, e no final o caminho sobre o qual a expectativa era única, se multiplica em várias opções. Se permitir ser guiado pelo outro é uma dádiva do desapego.

Sobre expectativas e os que estão ao redor, envelhecer também é descobrir e aceitar de forma natural, que muitos destes possuem mais do que você. Mais dinheiro, mais sucesso, mais conhecimento e mais ousadia!

Evidentemente, se descobre também, que se tem mais que muitos outros. Se já se tornou ponderado, você descobre que tem ainda mais, quando entende que precisa de muito menos. Descobrimos no final que temos muito.

A bem da verdade, alguém sempre terá mais, e alguém sempre terá menos, embora tudo que se tenha seja emprestado, pois um dia todos devolvemos tudo!

7) Maturidade o presente mais importante

Temos sempre a opção de rejeitar nossos presentes, os de alguém, os da vida e os do tempo que nos avança a idade.

Mas quando desejamos de coração e com muita gratidão, que aqueles que nos ofertam alguma coisa, possam nos ofertar cada vez mais, e ao mesmo tempo resguardamos as expectativas, não consigo pensar em outra palavra que descreva essa postura, que não seja maturidade.

A maturidade é a contraparte do que nos pisoteia a uva (o ego), e a pisa a todo momento. Nos pede para assumir a pequenez em troca de sabedoria.

Michel Luca

Não podemos realmente fazer o relógio parar os “tic-tacs”, nem proteger nossas pequeninas uvas, mas podemos ouvir o coração, nos fazer presentes, ponderar e escolher, com bom humor, maturidade e expectativas coerentes, o que faremos e como iremos interpretar a cada vivência.

E o que faremos do que fazem com a gente.

Em ambas as formas, estaremos corretos, como miseráveis fujões, vítimas cuja a centelha de vida se desvanece, ou, como enólogos apaixonados, heróis criadores da boa safra.

Se você pensa que pode ou se pensa que não pode, de qualquer forma você está certo.

Henry Ford

Acredito que os caminhos percorridos pelo texto nos trouxeram justamente a ela, a maturidade. Sem sombra de dúvidas, o que há de melhor e mais notável sobre o envelhecer é a maturidade que nos soma. Embora, também encarne em si a dicotomia básica da vida, sobre a qual paira o livre-arbítrio.

É que essa mesma maturidade, se por um lado, nos faz ver a insensatez, a brevidade e insignificância de tantas coisas, de um argumento, de uma ideia, de um contexto, de uma relação, da dor de um coração partido ou de uma discussão calorosa, por outro, de forma implacável também nos mostra que o tempo realmente voa, e com ele, em um dia qualquer voamos nós!

Nada é tão pequeno que seja insignificante, e nada é tão grande que signifique verdadeiramente alguma coisa.
Sobre o caminho do meio

Michel Luca

Esta história apareceu primeiro no: Blog MichelLuca - O Nosso tempo realmente Voa

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Muitíssimo obrigado por ler 🤗

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Michel Luca
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Desenvolvimento Pessoal, Desenvolvimento de Software e Inspirações. Acredito que o mundo ideal, se constrói, quando compartilhamos o saber!