Over the Garden Wall — O inferno disfarçado de jardim

João Gabriel
Moeda Galactica
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6 min readSep 3, 2017

Patrick McHalle usa uma forma sutil e obscura para contar sobre os 9 portões do inferno de Dante Alighieri

Olá viajantes! Hoje eu resolvi trazer para vocês uma análise de duas das minhas obras favoritas, como se complementam e podem trazer um grande enriquecimento interior para nós. Eu realmente acredito que essas histórias que tanto me encantam podem nos transformar positivamente e que os autores sempre tem um pensamento para nos passar que vai além do que podemos entender. Em cada obra há um pedacinho da vida de alguém, e isso pode nos levar a sorrir mais e entender a si mesmos. Sente no seu sofá vermelho, prepare chá e boa viagem!

Se você é, assim como eu, extremamente apaixonado e aficionado por desenhos animados, com certeza já ouviu falar sobre a obra de Patrck McHalle: Over the Garden Wall (traduzido no Brasil como”O Segredo Além do Jardim”), que foi exibido pela Cartoon Network do Brasil. A série animada contém dez episódios extremamente ricos de conteúdo e referências e acabou por agradar alguns fãs, mesmo com sua pouca publicidade.

O desenho acabou passando despercebido por muita gente, pois era exibido em horários de pouca audiência, além de apresentar um teor um tanto quanto sombrio e com uma trilha sonora muito sentimental. Isso fez com que a obra não fosse um dos desenhos preferidos das crianças, contribuindo para a pouca fama nas terras brasileiras.

Porém, Over the Garden Wall é uma obra prima que traz conceitos sobre comportamento, cuidado e, acima de tudo: a busca pela identidade própria. Esse é um daqueles tipos de desenho que deixam as pessoas pensativas ao fim de cada episódio, levando a aquelas epifanias sobre a própria vida junto das teorias que você cria para entender as personagens e o que a história está querendo passar. Acontece que toda essa riqueza não poderia ser criada do nada, se um tipo de referência pesada nesse ramo.

Over the Garden Wall conta, de forma sutil, a jornada de Dante Alighieri ao inferno, porém da sua forma criativa, envolvendo o telespectador a uma nova história com o intuito de passar os mesmos valores que Dante a um novo público que, na minha opinião, está mais do que necessitada de amor próprio, compaixão e identidade. Antes de explicar o que o desenho e a obra possuem em comum, vamos falar um pouco sobre Dante e A Divina Comédia.

O que é a Divina Comédia?

Obra de Gustave Doré inspirada no poema de Dante.

No dia 11 de abril de 1472 (segundo alguns historiadores) foi publicado um dos poemas mais icônicos e conceituados da humanidade: A Divina Comédia, obra do italiano Dante Alighieri. Na história, Dante realiza uma visita aos três espaços pós morte do cristianismo, sendo dividido em três: Inferno, Purgatório e Paraíso; sendo que o mais longo e conhecido deles é o primeiro ato, o Inferno.

Por mais que as comédias e tragédias greco-romanas sejam conhecidas pelos seus finais extremamente pesados e trágicos (que burrice cara, são tragédias, você queria o quê?), a obra de Dante possui um formato único de construção e desenvolvimento, pois aparentemente não foi desenvolvida para ser lida a um grande público (na época, os poemas e contos não eram publicados, mas sim lidos para a multidão que, em grande maioria, não eram letrados).

A obra foi escrita num período pesado para Dante, pois uma série de acontecimentos trágicos aconteceram em sua vida, o que o levou ao banimento do seu país e nação. Por isso, a Divina Comédia tem um grau de dificuldade absurda para que seja entendida, visto que cada canto presente no poema remete a algum acontecimento específico da vida do autor.

Um exemplo pode ser visto logo na primeira frase: “Quando eu me encontrava na metade do caminho da nossa vida, me vi perdido numa selva escura e a minha vida não mais seguia o caminho certo.”. Nessa etapa, Dante tinha cerca de 20 anos de idade e havia acabado de ser exilado da sua nação, Florença, cidade pela qual havia batalhado, era envolvido politicamente e tanto amava. A expectativa de vida de um homem na época era de 40 anos, e o exílio deixou Dante realmente sem um caminho a seguir perdido no mundo, sem pátria e nem identidade. Coincidência? Acho que não!

Enfim, você veio até aqui com o intuito de saber sobre Over the Garden Wall, certo? Agora que você já sabe o que é a Divina Comédia, vamos ao que interessa (dependendo do seu interesse pelo querido Dante, eu faço um artigo só sobre a Divina Comédia, mas ajuda a divulgar aí).

O que é Over the Garden Wall?

Direitos reservados à Cartoon Network

Trata-se de uma série animada escrita por Patrick McHalle. O desenho foi produzido pela Cartoon Network e foi o ar, nos Estados Unidos, no dia 3 de novembro de 2014, sendo exibida em 23 de março de 2015 no Brasil recebendo o nome de “O Segredo Além do Jardim”.

A história se passa em um jardim conhecido como Unknown, onde existem criaturas bizarras e muitas histórias escondidas. Dentre elas a de Wirt e Greg, dois irmãos que estão perdidos e saem numa jornada em busca do caminho que os levará novamente para casa. Porém, essa procura pode ser bastante perigosa e guardar muitos segredos que são destrinchados ao longo da história.

Não vou falar mais nada nesse tópico, pois qualquer bobeira ou palavra que eu proferir pode acabar dando um spoiler forte e acabando com a sua experiência ao assistir o desenho. Portanto, curta a obra.

É um simples desenho, eles disseram

Direitos reservados à Cartoon Network

O criador Patrick McHalle nunca deixou claro que se inspirou em Dante Alighieri para escrever o seriado animado Over de Garden Wall, porém, o formato com que o desenho foi construìdo é muito semelhante ao Ato I — Inferno da Divina Comédia. Além disso, as personagens da série representam muito bem as existentes no poema.

A primeira grande referência que percebemos no desenho é um pássaro chamado Beatrice, que realiza aparições para dar lições de moral e criar certa empatia com o personagem principal, Wirt. Na Divina Comédia nós também contamos com uma Beatrice, a grande paixão de Dante, e que o leva a ter certos pensamentos e amadurecimentos ao longo de sua jornada.

O segundo ponto que percebemos ao analisar as duas obras é o personagem que guia o protagonista. Em A Divina Comédia, a personage Virgílio é o grande mestre que leva Dante pelo caminho correto para o fim do Inferno, mostrando todo o percurso e explicando o que ele deve fazer de forma bastante peculiar. Em Over de Garden Wall, temos Greg, o irmão mais novo de Ward, que assim como Virgílio, leva o protagonista onde ele deve chegar e sempre tem alguma forma bastante única de mostrar a Wird o que deve ser feito.

A concepção dos episódios é o nosso terceiro ponto. A série conta com dez episódios, sendo que cada um deles traz lugares bem diferentes e com temáticas meio assustadoras. Em A Divina Comédia, o inferno é dividido em nove partes, denominadas portões, sendo que cada uma dessas camadas é constituída por um pecado diferente. Ao final do inferno há um vestíbulo que pode ser visto como um décimo portão.

Para provar que isso não é coisa da minha cabeça, basta ver um episódio por exemplo, em que Wird entra numa taberna cheia de gente gulosa em que um cão dorme na porta, sendo que o portão da gula na Divina Comédia é guardada pelo cachorro de três cabeças.

Quer mais uma ligação entre as duas obras? Então lá vai a mais simples: lembra que eu falei da primeira frase do poema e disse que Dante estava perdido? Em Over the Garden Wall, Wird e Greg estão buscando o caminho de volta para casa, para a salvação. Ou seja, ambas as histórias conta a busca dos protagonistas pelo fim de uma jornada pelo inferno, seja ele físico ou apenas interior.

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Veja também o nosso post sobre a importância da animação Fantasia para o cinema.

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João Gabriel
Moeda Galactica

Fascinado pelo universo fantástico, desejo motivar as pessoas a correrem atrás de seus sonhos através de palavras e experiências da vida do nerd que vos fala.