Identidade Auto-Soberana — Parte 2

O estado das coisas

Mosaico University
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4 min readJun 25, 2018

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Por Juan Meleiro

No post anterior buscamos uma definição funcional de identidade, que iremos usar para explorar esse tema. Agora, vamos começar a buscar os problemas que o envolvem, mas também o que podemos tirar de bom das soluções que já existem.

Como em muitos assuntos, o tema da identidade se divide em dois mundos: o digital e o físico. Historicamente, utilizamos documentos feitos de papel ou material semelhante para registrar e atestar afirmações. A validade desses atestados em geral vem do fato de que é difícil forjar certas características desses documentos (pense em assinaturas, ou marcas d’água). Mas nas últimas décadas surgiu a Internet, e cada vez mais relações que antes eram exclusivamente presenciais se dão através de fibras. É claro, documentos físicos não funcionam na rede, mas ainda assim surgiu a necessidade de alguma forma de identificação. Uma solução comum são esquemas de usuário e senha.

Esses dois mundos tem suas deficiências, embora também tenham suas vantagens. O que veremos no próximo post é como podemos juntar essas últimas numa única tecnologia; mas por enquanto vamos esmiuçar as características das duas.

Windley (n.d.) lista cinco problemas envolvendo identidade no mundo digital:

O Problema da Proximidade — […] Como não estamos interagindo com pessoas fisicamente, nossos meios tradicionais de saber com quem estamos lidando são inúteis. Em seu lugar, os substituímos por esquemas de autenticação baseados em nome-de-usuário e senha. O resultado é que as informações de identidade das pessoas são replicadas em vários silos de identidades ao redor da Internet.

O Problema da Proximidade é um desafio que deve ser superado por qualquer tecnologia de identidade na Internet. Um problema derivado é o da concentração e distribuição de informação nos tais “silos” de identidade, que muitas vezes podem ser mais vulneráveis do que o desejável.

O Problema da Escala — A identidade digital atualmente depende de hubs de informação de identidade. Fazemos login usando o Facebook ou o Google — enormes “provedores de identidade”. Mas para todos os lugares que usam um desses grandes provedores de identidade, há dezenas que nunca farão parte do sistema social de login.

Esse problema também constrói em cima do anterior. Na falta de uma solução estandardizada, múltiplas soluções e plataformas incompatíveis proliferam.

O Problema da Flexibilidade — Muitas das chamadas “soluções de identidade” em jogo hoje são limitadas por esquemas fixos ou conjuntos de atributos. […]

Em outras palavras, não basta uma solução que se aplique a apenas um caso. É necessário uma solução geral.

O Problema da Privacidade — As soluções atuais de identidade digital dependem de coleções de dados, geralmente coletadas sem o conhecimento do sujeito. Os dados são replicados em diferentes sistemas. Terceiros usam identificadores universais, como números do Social Security [(RG, ou CPF)] ou números de telefone, para correlacionar informações de identidade, novamente sem o conhecimento do sujeito. Elas são ferramentas do século 20 inadequadas para a era digital.

O Problema do Consentimento — E os dados nesses milhares de silos de identidade são frequentemente compartilhados com outros sem consentimento. Às vezes isso é feito a serviço do sujeito, mas muitas vezes é feito a serviço […] da organização que controla o silo.

Esses dois últimos, resumidos, falam da falta de soberania que o sujeito tem sobre sua identidade. Então buscamos um sistema que empodere o usuário, e lhe dê escolha sobre quem pode acessar que informações sobre si.

Documentos físicos também tem problemas. Antony Lewis (2017) elenca três:

  1. Documentos de identidade normalmente vem na forma de dados desestruturados. Isto é, fotos ou texto que não pode ser lido facilmente por um computador. Isso dificulta a interação com sistemas digitais e comumente força a participação de humanos em processos que poderiam ser automáticos (aumentando custos de transação).
  2. Armazenamento descentralizado das informações longe das mãos do usuário dificulta mudanças, pois requer que ele comunique a cada um dos provedores de identidade sobre uma eventual mudança de informação (e.g., mudança de endereço). Isto também pode ser um problema com identidade digital.
  3. Documentos físicos tem uma facilidade maior de serem falsificados do que muitas provas criptográficas.

Mas ainda assim, um documento físico é impressionante. Como pontuamos no post anterior, realizam a façanha de atestar uma informação pela simples virtude de ser, sem que seja necessária comunicação entre quem o recebe e quem o emitiu.

Resumindo o que encontramos, nos termos do post anterior, nossas soluções atuais de identidade se dividem em digitais e físicas. Uma afirmação no mundo digital comumente vem acompanhada de uma prova na forma de usuários e senhas, ou em conexão com grandes provedores de identidade como a Google ou o Facebook que fornecem atestação. Dentre os problemas dessas soluções está a centralização de informação (em hubs de identidade), a descentralização de informação (ou falta de comunicação entre diferentes hubs), e a falta de privacidade.

No mundo físico, documentos em papel servem como provas de nossas afirmações. Mas sofrem com problemas como a inerente incompatibilidade com o mundo digital e a falta de estruturação de dados.

Por outro lado, as duas soluções, se combinadas, se complementam. De fato, identidades digitais são formadas de dados estruturados, e funcionam à distância. Documentos físicos permitem que um usuário tenha a posse física de sua informação, além de funcionarem independentemente da comunicação com seu emissor.

Como podemos combinar as características boas das duas tecnologias é algo que veremos no próximo post: Identidade Auto-Soberana — Parte 3.

Referências

Antony Lewis. 2017. “A Gentle Introduction to Self-Sovereign Identity. Bits on Blocks.” May 16, 2017. https://bitsonblocks.net/2017/05/17/a-gentle-introduction-to-self-sovereign-identity/.

Windley, Phil. n.d. “Fixing the Five Problems of Internet Identity.” Accessed June 4, 2018. http://www.windley.com/archives/2017/10/fixing_the_five_problems_of_internet_identity.shtml.

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