Por mais amor a Melanina!

Existe um horizonte infinito disponível para ser desbravado por nós, mulheres, negras. Não digo que seja fácil, a batalha é árdua e diária. Entretanto, você não precisa lutar nesta guerra sozinha.

Gisele Marques
Mulheres de Produto
9 min readJul 25, 2022

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Imagem do rosto de uma mulher de pele negra, com cabelo longo estilo rastafari, aparenta ter mais de 18 anos. Abaixo dos olhos existem pequeninas flores coloridas presas com pedaço de fita, tipo durepoxi. Na fita está escrito a frase: “Take care of yourself.” (tradução livre: Cuide de si mesma.)
Foto de Tasha Jolley, no Unsplash

Este texto nasce com o intuito de valorizar a identidade da mulher negra na data em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e da Diáspora (reconhecido pela ONU). No Brasil desde 2014 essa data é conhecida como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher. Sabe-se da relevância no estabelecimento de datas comemorativas, mas o foco deste artigo será nos dias anteriores e posteriores à data de 25/07. Estamos exaltando a mulher negra nos outros dias do ano?

1- Por que sonhar com uma vida em liberdade?

Sueli Carneiro, é uma mulher de pele mulher, com cabelo longo, aparente ter mais de 50 anos, usando óculos retangulares e blusa branca. Segura um microfone com as duas mãos.
Sueli Carneiro

No artigo O Matriarcado da Miséria, Sueli Carneiro, Coordenadora de Difusão e Gestão da memória Institucional do intelectual no Geledés- Instituto da Mulher Negra, destacou que:

“A conjugação do racismo e o sexismo produzem sobre as mulheres negras uma espécie de asfixia social com desdobramentos negativos sobre todas as dimensões da vida.”- Sueli Carneiro

Também pertence a Sueli Carneiro o alerta sobre o reconhecimento para a habilidade da mulher negra para modificar o destino, afinal após a abolição da escravatura, apesar das condições de miserabilidade, as mulheres negras sobreviveram através do empreendedorismo. No relatório do Sebrae sobre empreendedorismo negro de 2019, as mulheres respondem por 33,6% dos empreendimentos. Porém, em média, as mulheres negras empreendedoras têm 1,7 ano a menos de escolaridade que as mulheres brancas.

Vilma Piedade, mulher de pele negra com cabelo acima dos ombros, aparente ter mais de 50 anos, está usando batom vermelho e maquiagem escura nos olhos, blusa preta com listras horizontais brancas e colar branco.
Vilma Piedade

Vilma Piedade, professora de Língua Portuguesa e Literatura e escritora, explica através do conceito de “Dororidade” este sentimento partilhado pelas mulheres negras: dor e solidariedade que une estas pessoas e promove a resistência e inclusão.

“A dor das ausências e partidas. A dor de ser preterida, no amor, no trabalho, no baile. A dor de carregar a responsabilidade de ser a mais forte e manter a família. A Dororidade quer falar das sombras. Da fala silenciada, dentro e fora de nós…e essa Dor é preta.”- Vilma Piedade

2- O que o passado te ensina?

Eunice Prudente, é uma mulher de pele negra com cabelo crespo acima dos ombros, aparenta ter mais de 50 anos, usando faixa em tecido colorido no cabelo, óculos em formato quadrado, casaco marrom e blusa branca.
Eunice Prudente

Apenas um instante de reflexão é suficiente para buscar na memória inúmeras histórias com a personagem: mulher, negra e pobre. Eunice Prudente, professora da Faculdade de Direito da USP, ressalta que a mulher negra sofre triplamente na base da pirâmide socioeconômica brasileira.

Segundo dados de 2020 do IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- as mulheres negras compõem 28% da população brasileira, somando quase 60 milhões de pessoas. Quase sempre estagnada na base da pirâmide socioeconômica brasileira, a mão de obra feminina negra, na maioria das vezes, ocupa atividades manuais como o emprego doméstico e serviços gerais, estando em posição mais vulnerável sem carteira assinada ou trabalhando como autônoma.

Em 2020, a pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher da negra no mercado de trabalho” elaborada pela Consultoria Indique uma Preta e a empresa de pesquisa Box1824, revelou que das trabalhadoras negras entrevistadas para o estudo, 54% não exercem trabalho remunerado e 39% delas dizem estar procurando emprego no atual momento.

3- Mulheres pretas não têm o privilégio do comodismo.

Apesar de serem maioria nas universidades públicas brasileiras, dados de 2019 do IBGE mostram 50,3% de estudantes é composta por mulheres negras, em adição a constante busca por qualificação tais mulheres ainda lidam com o mito enraizado de que não possuem qualificação necessária para inúmeras vagas.

A desigualdade de renda entre brancos e pretos sempre foi gritante, segundo o IBGE em média a mulher negra recebe 45% do salário de um homem branco, conforme apontado no “Mapa do Negro no Mercado de Trabalho”, elaborado pelo DIEESE- Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos- no segundo trimestre de 2020.

Em 2020, Global Gender Gap Report (Relatório global de lacunas de gênero) produzido pelo World Economic Forum (Fórum de Economia Global), apresentou uma previsão alarmante: “Neste ritmo, serão necessários 257 anos para alcançar a paridade econômica de gênero.” Por hora existem propostas e iniciativas para ao menos promover o avanço do debate sobre a assimetria de gênero. Por exemplo, em Julho de 2020 a Nova Zelândia aprovou uma nova lei garante que mulheres e homens sejam pagos igualmente por trabalhos diferentes, mas de igual valor, inclusive em indústrias cronicamente mal remuneradas e dominadas por mulheres. Contudo, se questione:

Quanto tempo será necessário para adicionar raça nesta discussão?

Ilustração com mulher de pele negra, cabelo crespo acima dos ombros, aparenta ter mais de 25 anos, usando batom vermelho e brinco dourado. Do lado esquerdo, balão de texto com a frase: Humm…paridade salarial?
Meme em vetor editável, do Teams

4- Ancestralidade, somos nós por nós!

Como mulher negra, muitas vezes senti que pedaços do mundo não foram construídos pra pessoas como eu.” — Annie Jean-Baptiste, Diretora de Inclusão e Equidade de Produtos, na Google.

Banner com números da pesquisa sobre poder de consumo da mulher negra, do Instituto Locomotiva: mulheres negras movimentam R$704bi ano no Brasil; 27% querer comprar um carro; 83% das consumidoras negras afirmam que as mulheres que aparecem nas propagandas são diferentes delas; 35% pretendiam comprar passagem de avião pra viajar no Brasil em 2020.
Resultados da pesquisa sobre o poder de consumo da mulher negra, no Brasil. Fonte: Instituto Locomotiva

Representatividade, pertencimento e visibilidade são conceitos que precisam ser compreendidos pela sociedade urgentemente para que não sejam naturalizados os inúmeros fatos/ situações injustas e ainda, espaços de decisão sejam ocupados também por mulheres negras.

Explorando o horizonte para além da barreira da moralidade e ética do fator humano, o tema Diversidade, Equidade e Inclusão tem a oportunidade de tornar-se também o diferencial competitivo de um negócio.

Em um estudo realizado em 2019 pela Google e Female Quotient, sobre a percepção de representatividade em torno da publicidade e marketing entre consumidores americanos, ressaltou que a expectativa relacionada ao tópico Diversidade e Inclusão influencia diretamente na escolha de marcas, produtos e serviços.

Também em 2019, o Instituto Locomotiva a pedido da Folha de São Paulo, realizou um levantamento sobre o poder de consumo da mulher negra brasileira, que revelou que este público movimenta R$ 704 bi por ano no Brasil.

5- Onde estão as lideranças negras femininas?

Jojo Todinho, mulher de pele negra, cabelo longo, aparenta ter mais de 20 anos, usando batom roxo, blusa preta e relógio dourado no braço direto. A mão direita está segurando a ponta do cabelo. Na parte inferior da foto está escrito a frase: “Empoderamento como experiência!”
Jojo Todinho

Em tempos de Era Digital, o questionamento sobre representatividade pontua um fato inquietante: Por que não vemos mulheres negras ocupando cargos de liderança?

Ainda segundo a pesquisa “Potências (in)visíveis: a realidade da mulher da negra no mercado de trabalho”, 72% das mulheres negras não foram lideradas por outras mulheres negras nos últimos cinco anos de trabalho. E o “Mapa do Negro no Mercado de Trabalho” destaca que apenas 1,9% dos cargos de Direção eram ocupados por mulheres negras e, 5,3% por mulheres não negras.

6- O mercado de tecnologia está bombando, mas para a mulher negra é preciso ter disposição para bater de frente!

Angela Davis, é uma mulher de pele negra cabelo curto estilo black power. No contorno do cabelo está escrito a frase: “Ser mulher já é uma desvantagem nesta sociedade machista. Agora imaginem ser mulher e ser negra.”- Angela Davis.
Angela Davis

No levantamento “Potências Negras Tec” realizado pela jornada Potências Negras e Shopper Experience, entre junho e julho de 2021, observou-se que cerca de 61% das mulheres negras consideram atrativa a quantidade de vagas na área da tecnologia. Além disso, 33% das mulheres negras acham que a maior dificuldade de entrar no mercado da tecnologia é a pouca diversidade e inclusão, área dominada por homens e pessoas brancas; quando comparado às mulheres brancas, este número cai para 23% das entrevistadas.

7- Diversos tons da Preta.

O processo de miscigenação no Brasil aconteceu baseado na violência contra mulheres africanas e indígenas. Sem romantizar esta tragédia perpetuada por séculos, é possível identificar como um dos resultados gerados a composição plural na cor da epiderme das pessoas pretas.

O Colorismo ganha nome na década de 80, caracterizando a forma de preconceito que cria tonalidades da pele negra como se fosse uma cartela de lápis de cor, com tons claros e escuros. Este está diretamente conectado com o processo de embranquecimento no país, pois seguindo tal categorização a pessoa negra que tem a tonalidade de pele mais clara será mais aceita na sociedade por ter a pigmentação de pela mais próxima da etnia branca.

Imagem de rosto dividida em 4 quadrantes, sendo em cada um deste a pele desta mulher negra está com uma tonalidade diferente, exemplificando a diversidade entre a pigmentação da pele negra.
Foto no Geledés

Libertar-se das amarras instituídas pelos grupos historicamente privilegiados torna-se um exercício vigilante e por isso, fugindo de estereótipos reflita:

A negritude da mulher preta tem apenas uma tonalidade na escala cromática da pele?

Tem formato de nariz?

Tem textura de cabelo?

E quando a força da natureza demonstra a ancestralidade negra em singelas nuances, esta mulher será menos preta?

Pretas de pele retinta são mais pretas do que mulatas, “morenas escuras” e pardas?

No início de Maio de 2022, a Google em parceria com o sociologista Ellis Monk apresentou a recente criação, a escala MST- Monk Skin Tone (tradução livre: Tons de pele Monk). Tal escala representa uma ampliação na paleta de cores da pele humana para o mundo da Tecnologia, todavia este avanço tem potencial de impactar ainda mais a raça negra visto que atualmente na visão computacional (um tipo de IA que permite que computadores vejam e interpretem imagens) existe um abismo de representatividade da gama de tons da pele negra.
Na prática, inovações como esta além de contribuir para equidade também trazem acolhimento para conflitos do cotidiano da mulher preta como a decepção ao abrir a embalagem da maquiagem comprada pela internet ou a dificuldade para cadastrar biometria facial em um aplicativo.

8- Protagonismo de mulheres negras.

A escassez na valorização da mulher negra persiste silenciosamente quando o foco se descola das datas instituídas para celebração de movimentos negros e, se volta para o dia a dia. Reconhecer e exaltar estas verdadeiras potências, que sem heroísmo algum constroem o cotidiano brasileiro, é um exercício necessário e urgente para evolução da sociedade brasileira..

Eu Gisele Marques, mulher negra, após mais de uma década trabalhando em um ecossistema patriarcal e elitista, migrei para o mercado de Produto. E esta transição de carreira somente foi possível com o apoio genuíno que recebi de várias mulheres extremamente competentes e generosas, nas inúmeras mentorias gratuitas.

Por mais de 30 anos eu me inspirei em homens brancos. Somente através da maturidade eu tive coragem para atravessar o véu da ignorância e despertar para a realidade ordinária que me rodeia: eu sou uma mulher negra e quero ser protagonista da minha própria história.

Existe um horizonte infinito disponível para ser desbravado por nós, mulheres, negras. Não digo que seja fácil, a batalha é árdua e diária. Entretanto, você não precisa lutar nesta guerra sozinha.

Taís Araujo, é uma mulher com a pele negra, cabelo crespo longo, aparenta ter mais de 30 anos, usando maquiagem rosa nos olhos, casaco jeans. No contorno do cabelo de Taís, no lado direito está escrito a frase: “Referência para mulheres pretas? Temos sim!”
Taís Araujo

E pra quem precisa de um incentivo para se empoderar da potência negra feminina que habita em você, aqui está uma singela lista com mulheres negras com as quais eu pude aprender com as respectivas trajetórias:

  1. Aretha Duarte- Primeira mulher latino-americana a chegar no cume do Monte Everest;
  2. Arlane Gonçalves-Consultora e Palestrante de Diversidade, Equidade e Inclusão;
  3. Caroline Costa- Psicóloga;
  4. Caroline Moreira- Consultora de Diversidade Racial, Mentora de negócios, Palestrante;
  5. Conceição Evaristo -Escritora
  6. Danielle Falcão -Idealizadora da 1ª comunidade de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de tecnologia no Brasil;
  7. Dirlene Silva- Economista e Palestrante;
  8. Eline Pimentel- Pessoa Desenvolvedora;
  9. Elizabete Scheibmayr- Diretora de Diversidade, Educação e Cultura;
  10. Flávia Garcia -Diretora de Diversidade, Equidade e Inclusão;
  11. Janaina Moreira- Operações de Design de Acessibilidade;
  12. Jordana Gonçalves -Líder de Produtos;
  13. Juli Vidal- Gerente de Produtos;
  14. Juliana Martins -Líder de Produto;
  15. Karen Santos -Co-Fundadora de Edtech;
  16. Keila Almeida- Palestrante de D&I e Consultora de Gestão Estratégica;
  17. Luíza Nunes- Gerente do Programa de Diversidade na América Latina;
  18. Natalia Nascimento -Trainee em Tecnologia;
  19. Nathalya Nascimento -Empreendedora e Líder de Marca de Empregador;
  20. Renata Florez- Pessoa de Produto;
  21. Simara Conceição- Pessoa Desenvolvedora e Professora de linguagem de programação;
  22. Simone Henrique -Advogada e Doutoranda em Direitos Humanos
  23. Vânia Santana dos Santos- Especialista em Educação financeira;
  24. Vilma Vilarinho -Especialista de Design;
  25. Vitor Martins- Mulher trans, Palestrante e Especialista em D&I.

9- Para conhecer e saber mais:

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Gisele Marques
Mulheres de Produto

IDEA Belonging Strategist | Product Ops | Operations Manager