Dar uma oficina é como preparar um ensaio

Escrever é um modo de dar materialidade aquilo que só existe como um pensamento

Taís Bravo
Mulheres que Escrevem
4 min readJan 4, 2022

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1.
Tudo começa com uma citação. “Sou uma escritora-leitora”, a Aline Aimee diz em um dos encontros depois de ler o seu poema em diálogo com Virginia Woolf.
Acho que eu sou uma leitora que escreve e que dá oficinas para compartilhar essas leituras. É sempre a partir de uma citação que nasce uma ideia ou uma pergunta.
Se sentir convocada por uma citação — escrita ou falada — é uma sensação compartilhada por quase todo mundo. Aquele trecho específico de um texto que, de alguma forma, resume todo o seu âmago ou aquele verso de um poema que quase funciona como um provérbio. Eu coleciono citações que anoto em post-its, cadernos, diários, mensagens de texto, legendas de fotos nas redes sociais. Citações que me acompanham e que de tanto serem repetidas se transformam em outra coisa.
Citações são poderosas. Como pode um punhado de palavras condensar um pensamento e atravessar os tempos? Muitas vezes uma citação não está sozinha mas é acompanhada por uma constelação de escritos, dialoga com uma trajetória que a antecede, ao mesmo tempo em que produz a possibilidade de outras ideias ou sentimentos serem nomeadas. Para mim, uma citação é o retrato de um pensamento em trânsito.

2.
Gosto de escrever ensaios porque eles me permitem testar e investigar ideias enquanto costuro relações entre diferentes leituras, seja de produções artísticas ou de acontecimentos da minha vida íntima. Escrever é um modo de dar materialidade aquilo que só existe como um pensamento. E esse trabalho feito com mãos que seguram canetas que digitam entre teclas e telas tem sempre um teor de mistério, de abertura. Porque o processo concreto de transpor um pensamento em palavras inevitavelmente nos conduz até uma imagem, um nome ou um modo de ver que até então não existia.
Há um ponto do trabalho de escrita que ultrapassa a nossa compreensão sobre um tema, nosso planejamento e nossas pesquisas. Como um salto que, apesar de ser preparado por nós mesmas, nos aguarda enquanto estamos desprevenidas. Esse ponto de suspensão e de entrega é talvez o que mais amo na escrita.

3.
Recentemente descobri que essa abertura, que só é possível porque existe uma inconclusão, ou seja, um movimento de ensaiar sem uma rota ou rumo pré-determinado, também pode ser experienciada no processo de mediar ou participar de uma oficina.
Como um ensaio, as oficinas nascem a partir das perguntas que um fragmento, um pedaço de texto ou um verso podem provocar. Se no ensaio há a liberdade de seguir testando, ensaiando até onde essa pergunta pode nos levar, nas oficinas, a inconclusão é o ponto de partida. Usamos a palavra “encontro”, não são reuniões ou aulas: o que acontece na oficina são encontros. E a cada encontro um grupo de pessoas diferentes se debruça sobre palavras e imagens expandindo suas possibilidades de leitura. As oficinas são um modo de ensaiar coletivamente, tecendo juntas conexões entre nossas escritas e leituras.
A escrita que se dá fora do papel, a nossa escrita situada em nossos corpos e vidas é feita de caminhos que estão sempre abertos.

4.
Eu amo escrever, porque fico imersa. No meu processo de escrita, vivencio memórias, o gosto, o tato, a sensação, então tem muito da minha experiência. Mas não só isso, tem o prazer de mentir, de friccionar. O prazer de usar algo que aconteceu comigo, mas mudar a trajetória desse acontecimento, seja para aquilo que eu desejava ou para algo que não desejava.

Em um dos encontros da oficina Mulheres que Escrevem a Poesia Contemporânea apresento essa citação da poeta Valeska Torres em entrevista para a MqE para propor o seguinte exercício de escrita: Usar a poesia para mudar a trajetória de um acontecimento que inspire raiva, ódio, ira.
Usar a poesia para mudar a trajetória de um acontecimento ou de um sentimento é uma tecnologia de sobrevivência. Uma estratégia para forjar autonomia e transformar aquilo que é silenciado em linguagem e em ação, como bem nos ensina Audre Lorde.
Nos nossos encontros, quando estamos ensaiando outros modos de ler e de escrever descobrimos juntas essa chave criativa em que é possível usar a linguagem para mudar a trajetória de nossas vidas. Ensaiar é também abrir brechas, inventar atalhos, descobrir saídas.

Estamos com duas oficinas com inscrições abertas atualmente, você pode se cadastrar pelos links:

  • Mulheres que escrevem de verão: Vem aí a nossa já clássica oficina Mulheres que Escrevem de verão, quatro encontros para você começar o novo ano destravando e refrescando a escrita! Clique aqui para se inscrever.
  • Oficina jogos de leitura-escrita: Movida por essa questão essa oficina criativa propõe jogos como adedanha, ligue os pontos e quebra-cabeça como práticas de leitura e escrita a partir da poesia contemporânea escrita por mulheres. Clique aqui para se inscrever.

Este ensaio foi publicados na iniciativa Mulheres que escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link para conhecer nossa iniciativa!

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