Mulher loira de cabelos longos soltos e de armadura segura uma espada desembainhada. No fundo, detalhes de um mapa antigo. Imagem de Éowyn do filme O Senhor dos Anéis.

A Jornada da Heroína

Quando os valores antigos não servem mais

Paulo Moreira
Escritos Fantásticos
6 min readMay 15, 2021

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A Jornada da Heroína é um arco “feminino” psíquico-espiritual elaborado por Maureen Murdock, uma aluna de Joseph Campbell, o conhecido criador da aclamada Jornada do Herói. É considerada a primeira alternativa à Jornada do Herói. Para Murdock, a narrativa de Campbell não era muito adequada a histórias femininas. Quando ela perguntou a ele a respeito das mulheres em 1983, ele respondeu:

“Mulheres não precisam realizar a jornada. Toda jornada mitológica tem suas mulheres. Tudo que elas precisam perceber é que elas são o lugar que as pessoas estão tentando alcançar.”

Em outras palavras, a Jornada do Herói mostrava as mulheres como um símbolo de perfeição que devia ser alcançado pelo protagonista, um “prêmio” a ser obtido ou almejado. Alguns exemplos simples para você captar melhor: o cavaleiro que vai resgatar a princesa; o filho que deve ser o orgulho da mãe; o aventureiro viajante que quer retornar pra sua terra pra viver finalmente em paz.

A mulher é então um objeto para o crescimento do herói. Isso se deve muito provavelmente aos mitos analisados por Campbell, que eram a maioria de sociedades ocidentais patriarcais que envolviam figuras masculinas.

Descontente com essa narrativa, Murdock propôs uma alternativa, baseando-se tanto nela quanto em terapias com mulheres: A Jornada da Heroína, A Busca Feminina pela Completude, dividida em dez etapas.

Essa narrativa pode ser usada em histórias contemporâneas, quando valores de mitos antigos não cabem mais à sociedade atual, constantemente perturbada por problemas tecnológicos, políticos e ecológicos. Enquanto a Jornada do Herói nos convida a observar e aplaudir uma história, a Jornada da Heroína nos convida a observar uma história e refletir sobre nós mesmos.

Conceitos importantes

Antes de partir para as etapas, é preciso trabalhar dois conceitos: o que é o feminino e o que é o masculino.

O feminino, ou Mãe, geralmente é algo mostrado no início da história a quem a heroína pertence e se identifica, mas que é rejeitado pelo masculino, ou Pai, a figura dominante e repressiva.

O feminino é associado à espiritualidade, crescimento psíquico, harmonia e aprendizado, enquanto o masculino é associado à materialidade, repressão, sucesso e violência.

A heroína terá as duas figuras dentro de si, que modelarão suas ações em diferentes momentos. As figuras também podem ser personificadas em personagens reais.

As ações femininas serão reprimidas e as masculinas valorizadas num primeiro momento, trazendo decréscimo psíquico-espiritual, mas sucesso material e reconhecimento.

Num segundo momento, é o masculino que é reprimido e o feminino curado e valorizado, trazendo crescimento psíquico-espiritual, mas fracasso e decepções.

E no terceiro e último momento, o masculino é curado e a heroína aceita a completude, equilibrando seus lados feminino e masculino.

Feitas essas considerações, vamos as etapas, tendo como exemplo o personagem Zuko de Avatar, A Lenda de Aang — sim, a Jornada da Heroína também não é só para mulheres. Nesse caso, a heroína é o próprio Zuko; os personagens associados ao seu lado feminino: Iroh e Aang; e ao lado masculino: Ozai e Azula.

A Nação do Fogo e seus ideais também podem se encaixar na ideia do Masculino, e o que os opõe, ao Feminino. Toda a sua Jornada da Heroína também cai no Arco da Redenção, que veremos em outro artigo.

Um rapaz de cabelo pretos e vestido de vermelho. Tem uma cicatriz de queimadura cobrindo metade do rosto. Acima de sua mão, há uma chama, como se ele estivesse segurando-a. No fundo, uma montanha e um céu azul. É o personagem Zuko de Avatar.

Etapas da Jornada da Heroína

  1. A Heroína se separa do feminino: mostra-se o “feminino”, geralmente uma figura mãe/mentora ou um estranho marginalizado/proscrito.

A heroína Zuko toma uma atitude proscrita e feminina ao ser contra a morte de soldados da Nação do Fogo. Essa atitude é reprimida pelo lado dominante e masculino: Ozai desafia Zuko ao duelo de Agni Kai e o derrota. Bem antes, quando Zuko ainda é criança, vemos uma representação mais clara dessa separação: Zuko é separado da mãe, tendo que aceitar a filosofia conquistadora do pai.

2. Identifica-se com o masculino e ganha aliados: a heroína abraça um novo modo de vida ao escolher um caminho diferente do feminino.

Zuko é expulso da Nação do Fogo, mas o pai o aceitará de volta se ele encontrar o Avatar. Ele escolhe esse caminho.

3. Encontra ogros e dragões na estrada: a heroína enfrenta problemas para seguir o caminho masculino escolhido. Em determinados momentos, a figura feminina tentará chamá-lo, distanciando-o da figura masculina escolhida.

Essa é a longa jornada de Zuko tentando capturar Aang. Azula mente para Zuko, Zuko passa um episódio inteiro sozinho, consegue viver uma vida quase normal trabalhando com seu tio em Ba Sing Se, isso para afastá-lo do lado dominante.

4. Prova os ganhos do sucesso: a heroína supera os obstáculos e alcança seu objetivo masculino.

Zuko fica do lado de Azul em As Encruzilhadas do Destino e o Avatar é morto. Zuko é aceito de volta na Nação do Fogo mas o tio é preso.

5. Sente a morte de sua espiritualidade: O sucesso é ilusório ou não preenche a heroína como deveria preencher.

Zuko entra em conflito, não se sente inteiro mesmo alcançando seus objetivos.

Conheça outra Jornada Feminina: A Promessa da Virgem

6. Iniciação e descida à Deusa: a heroína fica desesperada. Tudo que ela conquistou seguindo o lado dominante/masculino. Ela toma uma decisão precipitada para reconectar-se ao lado feminino.

Zuko trai Ozai durante o eclipse, rejeita-o como pai e começa a aceitar Iroh.

7. Anseia por reconectar-se ao feminino: a heroína tenta voltar ao estado inicial, mas não consegue. O lado feminino ainda não está curado, mas o masculino está doente, levando-o ao fracasso.

Zuko não consegue mais dominar o fogo e falha em ser o mestre de Aang, consequências da masculinidade doente. Ele faz de tudo para se integrar na equipe Avatar.

8. Cura a relação conflituosa mãe/filha: A heroína recupera algumas das suas habilidades iniciais.

Zuko é aceito na equipe ao derrotar o Homem Combustão. Mais tarde, ele perde perdão ao tio, curando as feridas do lado feminino.

9. Cura o interior masculino ferido: a heroína fica em paz com o lado masculino ao compreendê-lo melhor.

Zuko restaura a dominação de fogo ao descobrir um novo significado para ela além da violência.

10. Se integra ao masculino e ao feminino: a heroína abraça seus dois lados para trazer ou ter uma nova visão de mundo que não é ofuscada pelos extremos.

Zuko entende que restaurar o equilíbrio ao Mundo é o mais importante, ajudando o Avatar. Mais tarde, se aceita como Novo Senhor do Fogo para conseguir restaurar a honra da sua Nação perante as outras, compreendendo isso como sua missão.

É sempre bom lembrar que as Jornadas do Herói e da Heroína não são receitas de bolo para serem seguidas exatamente como são. O Pai, a Mãe, a Deusa, por exemplo, não são figuras literais, mas símbolos. Se precisar alterar etapas para que sua história fique melhor, altere-as. Pule, retroceda, alongue, você é livre para tomar suas decisões.

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Paulo Moreira
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Brazilian pharmacist in loved with History, Fantasy and Ecofiction. Author of The Blood of the Goddess. I write about nature in poems and fantasy stories.