6. Armas especiais: os anticorpos

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
6 min readMay 8, 2020

Os anticorpos (ou imunoglobulinas) são proteínas que circulam no nosso plasma e são os principais mediadores da nossa imunidade adquirida humoral.

O que precisam ter em mente é: existe o anticorpo certo para cada antígeno que existe no mundo. É essa especificidade que é a marca registrada da imunidade adquirida.

Dessa forma é preciso que a gente tenha inúmeros anticorpos diferentes circulando no nosso sangue de forma a poder combater os infinitos antígenos pelos quais podemos ser expostos.

Mas do que ele é feito? Como funciona?

É isso que veremos nas próximas linhas.

Funções e formas

A única coisa que um anticorpo sabe fazer é se ligar ao seu antígeno específico. Em decorrência dessa ligação vai acontecer inúmeras ações muito importantes que determinarão o combate àquele agente invasor.

O anticorpo pode ser encontrado no organismo em duas formas:

  • A primeira é livre, circulando pelo sangue.
  • A segunda é aderido à membrana do linfócito B, como se estivesse grudada a ela. Nessa forma o anticorpo assume o papel de receptor, chamado de receptor da célula B (ou BCR).

Para cada uma de suas formas pode assumir papeis diferentes.

Anticorpo na forma livre

Ele irá se ligar em um antígeno e, a partir disso, desencadeará diversas consequências. O anticorpo é uma proteína em Y e, quando se liga em seu alvo, não está sozinho: outros anticorpos também se ligarão, mais ou menos assim:

A partir disso várias coisas podem acontecer:

  1. O anticorpo atua como barreira mecânica, tampando receptores específicos do inimigo para que estes não consigam matar as células. Se o antígeno for uma toxina, essa não conseguirá se ligar ao seu alvo.
  2. O anticorpo realiza a opsonização, marcando seu alvo. Assim, células imunes, como o macrófago, terão em sua membrana receptores para opsoninas, sabendo o que podem ou não fagocitar. Se você boiou no assunto opsonina, te convido a dar uma checada no artigo de sistema complemento.
  3. E, por fim, o anticorpo também consegue ativar a via clássica do sistema complemento, através do complexo antígeno-anticorpo. A partir daí começa uma série de reações que resultam na formação da MAC, matando a célula-alvo infectada.

Percebem que todas as funções acima são em decorrência da ligação do anticorpo com seu antígeno alvo?

Anticorpo como BCR

Como receptor do linfócito B ele tem a exclusiva função de ativá-lo. O anticorpo acorda o linfócito B para que ele consiga produzir e secretar mais anticorpos contra aquele determinado antígeno. Estes novos anticorpos irão circular pelo sangue para realizar as suas funções.

A estrutura de um anticorpo

Vimos que ele é uma proteína no formato de um Y (uma perna com dois braços pra cima).

Possui uma região constante (a perna), que é igual para todos os anticorpos existentes no mundo.

E possui uma região variável (os braços para cima), que torna aquele anticorpo único. É por meio desta porção que o anticorpo realiza a ligação entre ele e seu antígeno.

Assim, existem milhares de anticorpos diferentes circulando nos nossos fluídos, de forma que cada anticorpo diferente vai ser responsável pelo reconhecimento de 1 e somente 1 tipo diferente de antígeno.

A ligação antígeno-anticorpo

Dentre os milhares de anticorpos, vamos chamar, a título de exemplo, um de anticorpo A.

Na figura acima conseguimos ver a cor azul clara e a cor laranja. O anticorpo A tera a cadeia pesada igual e a cadeia leve também igual.

A ligação entre o antígeno e seu anticorpo acontece nas pontas dos braços levantados. Uma parte pertence à cadeia pesada e outra à cadeia leve. E como essa ligação é específica com determinado antígeno, essas partes da cadeia leve e pesada vão sempre variar de um anticorpo para outro.

Mas a que parte do antígeno o anticorpo se liga? Não é o antígeno inteiro que é reconhecido pelo sistema imune e sim, suas partes. O nome dado à essas partes é chamado de epitopo do antígeno.

Observação: um mesmo antígeno pode ter um ou mais epitopos diferentes em sua estrutura. Se possuir vários diferentes, cada um vai ser reconhecido por anticorpos diferentes.

E, por fim,os braços do Y são as regiões que se ligam ao antígeno — regiões chamadas de fração Fab. E a perna do Y é a região que está para fora — região chamada de fração Fc.

Vale salientar que a parte Fc do anticorpo é a que dá a real função para ele. Isso porque será essa parte que se ligará ao sistema complemento, ao receptor de uma célula imune, etc., para desencadear as reações derivadas dessa ligação.

As classes dos anticorpos

Existem 5 tipos de cadeias pesadas, que são numeradas com letras gregas:

  • Alfa.
  • Delta.
  • Epsolon.
  • Gama.
  • Mi.

O tipo de cadeia pesada que o anticorpo tiver determinará a sua classe, que são:

  • Anticorpo Iga: é aquele que possui cadeia pesada alfa.
  • Anticorpo Ige: é aquele que possui cadeia pesada epsolon.
  • Anticorpo Igm: é aquele que possui cadeia pesada mi.
  • Anticorpo Igg: é aquele que possui cadeia pesada gama.
  • Anticorpo Igd: é aquele que possui cadeia pesada delta.

Se a porção Fc do anticorpo é quem dá a sua real função e existem 5 diferentes tipos de porção Fc, teremos 5 funções ligeiramente diferentes para cada classe de anticorpo.

  • Anticorpo Iga: está associado às mucosas. E é ele que passa da mãe para o filho durante a amamentação.
  • Anticorpo Igd: é encontrado exclusivamente na membrana do linfócito B. Nunca vamos achar ele livre, circulando.
  • Anticorpo Igm: é o primeiro anticorpo a ser secretado quando um linfócito B é ativado. Se for pedido um exame de anticorpos e tiver alto número de Igm, é um indicativo de que a infecção é recente.
  • Anticorpo Igg: bastante relacionado com o sangue e os fluídos, conseguindo até mesmo atravessar a placenta e passar da mãe para o filho durante a gestação.
  • Anticorpo Ige: bastante relacionado ao combate de vermes (helmintos) e aos processos alérgicos.

O início da produção de anticorpos

No início existe o linfócito B com sua membrana cheia de BCRs. Quando encontra um antígeno, este se ligará ao BCR, fazendo o anticorpo sofrer 3 modificações principais:

  1. Vai acontecer a maturação da afinidade entre anticorpo e antígeno. Ou seja, a ligação entre eles ficará mais efetiva, mais forte.
  2. O anticorpo sairá de sua forma membranar (BCR) pra sua forma secretada. Ainda, o linfócito B passará a produzir anticorpos livres na circulação.
  3. O primeiro anticorpo produzido é o Igm. E, a partir disso, as mais variadas classes são produzidas, mas sob uma condição: a presença de um linfócito T (por meio da liberação de citocinas específicas). Caso não exista um linfócito T presente, o B apenas produzirá Igm.

Uma vez circulantes, realizarão a opsonização e a mágica acontecerá.

A produção de anticorpos é o início da atividade da imunidade adquirida.

Para ela acordar e começar a funcionar, as células apresentadoras de antígeno precisam fazer seu trabalho.

Bora conhecê-lo?

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