7. Preparação de terreno: o MHC e a apresentação de antígenos

Victor Tohmé
Mundo Molecular
Published in
7 min readMay 9, 2020

Até agora sabemos que as células apresentadoras de antígeno (APC) são:

  • Macrófagos.
  • Células dendríticas (CD).
  • Linfócitos B.

As APCs possuem em sua membrana receptores especializados em se comunicar com os linfócitos. Como se fosse um “acesso”, que só elas tem, de conversar com os agentes especiais. Uma vez que “conversam” com o linfócito T, este processa o sinal e será ativado.

Mas todos os linfócitos T estão aptos a matar aquele antígeno? É só lembrar da principal coisa da imunidade adquirida: ela é específica. Ou seja, temos o linfócito T certo para matar o antígeno. E como encontrá-lo? É trabalho da APC fazer isso.

Uma vez que encontra o linfócito T, este só será ativado se receber dois sinais:

  1. Conexão entre o receptor da APC (chamado de MHC) com o receptor específico do linfócito T (chamado de TCR). De um lado teremos o antígeno no MHC e de outro o linfócito recebendo esse sinal através do seu TCR.
  2. Mas além desse primeiro sinal, o linfócito T precisa de uma confirmação: ele precisa ter certeza que irá para o campo de batalha. A APC possui uma molécula coestimuladora em sua membrana (chamada de B7–1 ou B7–2) que vai se ligar à um segundo receptor do linfócito T (chamado de CD28). O segundo sinal, então, se dá dessa interação entre uma das B7s e o CD28.

Este processo será detalhado mais a frente, mas precisamos ir mais a fundo em alguns detalhes.

Os receptores que reconhecem antígenos

Temos 3 classes de moléculas que reconhecem antígenos:

  • MHC.
  • TCR.
  • Anticorpos.

A grande diferença é que enquanto o TCR e os anticorpos são muito específicos, reconhecendo exatamente aquele antígeno, o MHC não é tanto: cada molécula de MHC consegue reconhecer uma gama de antígenos diferentes.

Receptor MHC (Complexo Principal de Histocompatibilidade)

É uma das classes de moléculas que reconhecem antígenos. Sua descoberta se deu no estudo de transplantes, já que são os principais receptores responsáveis pela rejeição à um órgão transplantado.

Ele é um receptor que só se expressa na membrana se estiver apresentando um antígeno. Caso contrário, é recolhido para dentro da célula. Mas o trabalho efetivo do MHC é fazer a apresentação. Assim, a todo instante apresenta algo, até mesmo partes do nosso corpo. A não ser que você tenha problemas de autoimunidade, não precisa se preocupar: o antígeno próprio não tem nenhum linfócito que o reconheça. Assim, não tenho nenhum tipo de resposta.

É aqui que surge o problema com os transplantes: estes possuem células que originalmente não são da pessoa. Assim, pode ser que o MHC apresente um antígeno estranho e aconteça uma resposta imune ao órgão doado.

Tipos de MHC

Há duas classes e em ambas, existem prolongações da molécula onde vai caber um antígeno:

  • MHC de classe 1 (MHC-1): está presente em todas as células nucleadas do nosso corpo.
  • MHC de classe 2 (MHC-2): está presente apenas nas células apresentadoras de antígeno.

Na figura ao lado podemos ver esquematicamente a estrutura das duas classes de MHC. Percebem a parte que parece um buraco? É onde o antígeno se ligará.

A ligação do MHC com TCR

Bom, até agora nada muito complexo, certo?

Quero que relembrem duas coisas:

  1. Os linfócitos T possuem um conjunto de proteínas e que a partir delas conseguimos dizer se ele será o linfócito T auxiliar (CD4) ou o linfócito T citotóxico (CD8). Caso não lembre, recomendo visitar o artigo em que falo sobre isso.
  2. A pouco contei sobre a ligação do MCH diretamente com o TCR.

O detalhe que faltou é que acontecem duas ligações nesta interação MHC e TCR.

  1. A primeira é entre o MHC e o TCR.
  2. A segunda é entre o MHC e aquele conjunto de proteínas do linfócito (CD4 ou CD8).

Assim:

MHC classe I se ligará à molécula de CD8.

MHC classe II se ligará à molécula de CD4.

A imagem ao lado mostra a interação “frontal” entre o MHC e o TCR e “lateralmente” a interação entre o MHC e um CD do linfócito. O que vale ter em mente é que a apresentação via MHC-1 sempre vai ser para linfócitos T CD8 (citotóxicos) e a apresentação via MHC-2 sempre vai ser para linfócitos T CD4 (auxiliares). Abaixo uma tabela para não confundir tanto a cabeça de vocês:

Como o linfócito T citotóxico é especializado em combater antígenos que estão dentro de uma célula, para ativá-lo eu preciso apresentar este antígeno via MHC-1.

Já o linfócito T auxiliar é especializado em capacitar as células imune no combate ao inimigo externo, assim, para ativá-lo, eu perciso apresentar este antígeno via MHC-2.

As vias de produção de MHC

Vamos ver como se monta um receptor MHC. Como o combate ao antígeno depende de qual linfócito T entrará em combate, temos duas vias possíveis:

  • Via endolítica.
  • Via citosólica.

Via endolítica — Montagem do MHC-2

São para antígenos extracelulares.

Tudo começa com uma célula fagocitando o antígeno. O inimigo é englobado em uma estrutura chamada de fagossomo. Dentro da célula o fagossomo se junta à uma outra organela, o lisossomo, onde terão várias enzimas que processarão o antígeno.

Simultaneamente, no retículo endoplasmático — RE (organela vizinha), há a produção de MHC-2. Este só poderá aparecer na membrana da APC caso tiver um antígeno junto.

Enquanto o antígeno processado é levado até o RE, este possui um clip que prenderá o MHC para ele não ir até a membrana.

O clip é substituído pela chegada do antígeno e, assim, o MHC-2 chegará à membrana com seu antígeno, onde poderá se ligar ao linfócito T auxiliar (que expressa CD4).

Via citosólica — Montagem do MHC-1

São para antígenos intracelulares.

Toda célula tem uma maneira de marcar proteínas que precisam ser destruídas: é através da estrutura ubiquitina. Assim, uma proteína marcada é uma proteína ubiquitinada. Apenas estas proteínas marcadas que são destruídas por uma segunda estrutura, o proteassoma (é um tubo por onde a proteína ubiquitinada será picotada e do outro lado sairá em pequenos peptídeos).

Supondo uma célula parasitada por um vírus. Este, no citoplasma, vai produzir suas proteínas virais no nosso ribossomo.

A célula vendo isso marcará as proteínas virais através da ubiquitina. E essas proteínas serão processadas pelo proteassoma.

Novamente, no retículo endoplasmático (RE), o MHC estará sendo produzido para poder apresentar as proteínas virais ao linfócito T.

No RE teremos as proteínas TAP (TAP-1 e TAP-2) que vão estar o tempo todo bombeando por transporte ativo proteínas do citoplasma para dentro do retículo. Dentre as proteínas bombeadas estarão as proteínas virais.

O MHC-1 recém produzido já se liga à proteína viral e se expressará na membrana externa da célula, para apresentar o inimigo ao linfócito T citotóxico (que expressa CD8).

Depois de uma apresentação, o linfócito T ativado irá até o local da infecção. Atraído pelas quimiocinas, reconhecerá o inimigo e atuará para destruí-lo.

A dinâmica geral

Eu sei que foi MUITA informação e talvez tenha ficado confuso algumas partes. Se for o caso, releia, faça resumos e anotações até pegar.

Abaixo estou deixando o geral de todo esse processo, entrando o mínimo possível em detalhes.

O processo

Uma APC percebe que um patógeno acabou de invadir nosso corpo. Enquanto a inflamação começa e se estabelece, as APCs precisam apresentar o antígeno para os linfócitos.

Tudo começa na fagocitação. Quando englobam o antígeno para seu interior, irão produzir o MHC apropriado (seja o de classe 1 para mostrar o antígeno para o linfócito CD8 ou o de classe 2 para mostrar o antígeno para o linfócito CD4).

O linfonodo (local onde ficam células imunes) está o tempo todo produzindo quimiocinas. As APCs são atraídas por elas e vão direto para o linfonodo, onde poderão encontrar o linfócito T alvo. Achando o agente especial, precisa lhe mostrar dois sinais:

  1. Primeiro sinal: ligação entre o MHC + antígeno com o TCR, além do cluster (CD4 ou CD8) ligando-se ao MHC.
  2. Segundo sinal: ligação da molécula coestimuladora da APC (B7) com a molécula coestimuladora do linfócito T (CD28).

O linfócito T, ao confirmar que precisa agir, será ativado e irá até o local da infecção para agir.

Vamos, então, finalmente ver a ação destes agentes especiais em campo de batalha.

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