Mulheres do futebol: 8 livros para pensar o protagonismo feminino nos esportes

Por Dóris Régis e Ligia Dona

23 de abril é conhecido mundialmente como o Dia do Livro e, para celebrar essa data e divulgar publicações sobre mulheres, o Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB) selecionou 8 obras da biblioteca do Museu do Futebol para você conhecer mais sobre a história de atletas brasileiras.

Foto Ligia Dona | Museu do Futebol

A Biblioteca do CRFB é o maior acervo público sobre futebol do país, como já mencionamos anteriormente aqui no Medium. São cerca de 3.800 livros sobre clubes, campeonatos, jogadores e jogadoras, além de uma extensa coleção de periódicos, trabalhos acadêmicos e uma midiateca, tudo isso disponível para consulta no Museu do Futebol. O Museu e a biblioteca estão fechados temporariamente como parte dos esforços para conter a propagação do COVID-19, mas você já pode acessar o material digital pelo nosso banco de dados.

Dos mais de 3 mil livros da biblioteca, somente uma parcela ínfima é dedicada à história das mulheres no esporte: 34 títulos.

Apesar de poucos, esse número representa uma pequena revolução… Metade desses volumes foram lançados na última década, demonstrando que o caminho para mudar o ponto de vista da história do futebol (uma “descolonização” do futebol) está aberto e pavimentado. Dica: para saber mais sobre a evolução dos livros sobre futebol, não deixe de consultar este livro aqui.

Com a produção acadêmica, de dissertações, teses, artigos, não é diferente. Dos 627 trabalhos catalogados e disponibilizados em nosso banco de dados, apenas 92 falam sobre mulheres. E destes, 63 foram produzidos a partir do ano de 2010. Desde essa data aliás, o Museu organiza o Simpósio Internacional de Estudos Sobre Futebol, em parceria com a USP e outras universidades de ponta no país. Foram três edições (2010, 2014 e 2018) que resultaram na produção de 18 artigos sobre mulheres, todos disponíveis para download aqui. O número também muito pequeno, no entanto, quadruplicou na última edição, como mostra o gráfico abaixo:

Imagem Hugo Takeyama | Museu do Futebol

Assim, no Dia Internacional do Livro, a gente comemora com um pedido: leiam sobre mulheres! Procurem saber mais sobre personagens femininas, questionem as histórias “consagradas” sobre o quanto elas invisibilizam o papel das mulheres.

Para ajudar os e as amantes do futebol, preparamos uma seleção com 8 obras que retratam o esporte a partir desse recorte. Queremos que, assim como nós, vocês também sejam inspirados por essas histórias. Fizemos uma seleção bem diversificada, com biografias, livros infantis e pesquisas acadêmicas, algumas delas realizadas a partir de estudos feitos na nossa casa, no Museu do Futebol!

Esperamos que esse texto faça a quarentena de vocês mais agradável e, que em breve, vocês possam nos visitar de novo! Mas para isso, por enquanto, é preciso que fiquemos em casa!

SILVA, Giovana Capucim e. Mulheres impedidas: a proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo. Rio de Janeiro: Drible de Letra, 2018.

Você sabia que o futebol feminino foi proibido por lei no Brasil? E que foi Getúlio Vargas que assinou o decreto-lei que vigorou por mais de 40 anos e chegou a prender mulheres? Não? Tudo bem, é por isso que trouxemos aqui uma tríade sobre a proibição do futebol feminino no Brasil. Para começar, o livro da Giovana Capucim e Silva é perfeito para iniciar um panorama geral do que circulou nos grandes jornais da década de 1940, principalmente no estado de São Paulo. A pesquisadora situa historicamente a proibição da prática desportiva que foi chancelada por um decreto-lei assinado por Vargas em 1941, endossado por discursos midiáticos. O livro é resultado das pesquisas feitas por Giovanna para a sua Dissertação de Mestrado, que está disponível para leitura em nosso banco de dados.

ALMEIDA, Auriel de. Evas do Gramado: a história do Primavera Atlético Clube, o time de futebol feminino proibido no Governo Vargas. Rio de Janeiro: Hanoi, 2017. 107 p.

O segundo livro da tríade é o de Auriel de Almeida. Em Evas do Gramado, o autor conta a trajetória do clube Primavera Atlético Clube, um dos times de futebol feminino que ganhou o Rio de Janeiro na década de 1940. Seu formato de romance histórico tem como objetivo apresentar ao leitor o esforço de algumas mulheres como Nicéa, Sally e Carlota que estiveram à frente da fundação e manutenção do clube que teve as atividades encerradas pela polícia na mesma década em função do decreto-lei assinado por Getúlio Vargas em 1941. A proibição não só interveio na atuação do clube, como também na vida pessoal de Carlota Alves de Rezende, que foi presa sob a acusação de lenocínio (consiste em explorar, estimular ou facilitar a prostituição, havendo ou não mediação) pouco tempo depois.

A brilhante trajetória da equipe é contada também através de jogos com outros times femininos da época, como o Sport Club Brasileiro, Casino Realengo, Opposição e Independente, alguns fundados e presididos por mulheres.

JANUÁRIO, Soraya Barreto. Mulheres no campo: o ethos da torcedora pernambucana. São Paulo: Fontenele Publicações, 2019. 92 p.

Esse livro é dedicado para aqueles que gostam de pesquisas quantitativas. A pesquisadora Soraya Barreto entrevistou nada mais nada menos que 500 mulheres que frequentaram a Arena Pernambuco em 2018, alcançando torcedores alvirrubras, tricolores e rubro-negras! Através do questionário que deu origem ao livro Mulheres no Campo: o ethos da torcedora pernambucana, a autora traçou o perfil do público feminino presente nas partidas locais. Ela constatou, por exemplo, que cerca de ⅓ das entrevistadas escolheram o time do coração a partir do desempenho da equipe em campeonatos passados. Outro dado interessante é sobre a influência familiar na escolha: cerca de 22% das mulheres foram influenciadas pelas mães ou avós! O número não parece tão alto, mas em um país em que as mulheres já foram proibidas de jogar por lei e com a possibilidade de encarceramento, parece uma boa porcentagem, não é?

ELSEY, Brenda; NADEL, Joshua. Futbolera: a history of women and sports in Latin America. Texas: University of Texas Press, 2019.

O único livro em inglês da lista tem uma boa razão para estar aqui: é praticamente uma busca arqueológica a respeito da inserção de mulheres em práticas desportivas na América Latina. Produzido a partir de pesquisas feitas no acervo do CRFB, além de histórias pessoais de atletas latino-americanas, há também a contextualização do surgimento de programas de educação física para meninas. Pensando as diferentes realidades dos países que compõem o continente, Brenda Elsey e Joshua Nadel dedicam um espaço especial para analisar o papel atribuído aos esportes femininos durante as ditaduras militares que se instauraram no continente nas décadas de 1970 e 1980, bem como a influência dos movimentos feministas e democráticos que surgiram nesse entremeio.

NASCIMENTO, Karine. A verdadeira regra do impedimento: a história do futebol feminino cearense. Natal: Primeiro Lugar, 2019. 150 p.

Para contar a história do futebol feminino no Ceará, Karine Nascimento nos transporta até o ano de 1983, na disputa da final do Campeonato Cearense entre Ferroviário e Salgado da Gama. Dividido em nove capítulos, o livro-reportagem narra as dificuldades enfrentadas pelas jogadoras que atuaram no período, mesmo ano em que ocorria a regulamentação da prática no país. A pesquisa também traça paralelos entre o desenvolvimento do futebol feminino nos estados do Ceará e do Rio de Janeiro, além de recortes com matérias de jornais da época, que muitas vezes reforçavam o preconceito com a modalidade. A verdadeira regra do impedimento: a história do futebol feminino cearense é o trabalho de conclusão de curso da autora, formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará.

RAMOS, Suellen dos Santos; GOELLNER, Silvana Vilodre. Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz!: a trajetória esportiva de Duda. Rio de Janeiro: Drible de Letra, 2018. 132 p.

Este livro, escrito por Suellen dos Santos Ramos e Silvana Vilodre Goellner, narra a trajetória esportiva de Eduarda Marranghello Luizelli, a Duda, personagem fundamental na história e na popularização do futebol feminino no Rio Grande do Sul.

Nascida no ano de 1971, Duda começou a jogar bola aos 12 anos de idade no Sport Club Internacional, time que defendeu por quase 10 anos. Suas habilidades no meio-campo a levaram para o futebol italiano, onde integrou as equipes do Associazione Calcio Milan e do Hellas Verona Football Club. Defendeu também as Seleções Gaúcha e Brasileira, onde conquistou o título de campeã Sul-Americana (1995).

Duda foi uma das principais jogadoras da década de 1990, e, mesmo após sua aposentadoria, foi essencial no desenvolvimento do esporte. Como mencionam as autoras na introdução da obra: “Escrever sobre Duda é também escrever sobre a história do futebol de mulheres no Brasil. Reconhecer seu protagonismo significa, em última instância, afirmar que o futebol também lhes pertence” (p. 17).

RUBIO, Katia (org.). As mulheres e o esporte olímpico brasileiro. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. 259 p.

Organizado por Katia Rubio, uma das principais pesquisadoras do esporte olímpico no Brasil, o livro traz diversos artigos que narram a participação das mulheres no esporte nacional. Esses textos são resultado do projeto “Mulheres Olímpicas Brasileiras” (2007), que produziu 192 entrevistas de história oral com atletas de diferentes gerações e modalidades. A pesquisa foi desenvolvida e realizada pelos membros do Grupo de Estudos Olímpicos do Centro de Estudos Socioculturais do Movimento Humano e da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.

SIMÕES, René. O dia em que as mulheres viraram a cabeça dos homens. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007. 200 p.

O livro O dia em que as mulheres viraram a cabeça dos homens é um relato do técnico René Simões de um dos momentos mais marcantes da história do esporte brasileiro: a conquista inédita da medalha de prata pela Seleção Feminina de Futebol nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Através das anotações de seu diário, René nos relata as dificuldades passadas por ele, por sua equipe técnica, e, principalmente, pelas jogadoras da Seleção Brasileira, durante esse processo. Diversas histórias de bastidores estão na obra, como o drama de Kátia Cilene, que após meses de treinamento, foi cortada das Olimpíadas por uma contusão no joelho. Traz também fotos e detalhes de todos os jogos disputados pela equipe nas Olimpíadas, incluindo as fichas técnicas.

BÔNUS

LEMOS, Maíra. PRADO, Rebeca. O Gol de Budi. Belo Horizonte: Miguilim, 2019. 28 p.

Os nossos bônus são para que as meninas continuem a serem inspiradas pelo esporte! O Gol de Budi conta a história de uma garota em sua primeira ida ao estádio. Budi era uma telespectadora assídua de partidas de futebol e aprendeu todas as regras apenas pela telinha, até o dia em que seu pai a leva para assistir um clássico e ela passa a ter a certeza de que quer ser uma jogadora. Mesmo ouvindo de muitas pessoas que futebol era “coisa de menino”, passou a treinar muito e entrou para a turma de peladeiros do bairro, incentivando outras garotas que também gostavam do esporte a jogar com ela. Tem melhor forma de dizer às nossas garotas que “lugar de mulher é onde ela quiser”?

FERNANDES, Eveline Jorge (Eve Jo). Gol delas. Diadema: edição da autora, 2020. 22 p.

Gol delas conta a história de Maria e Julia, meninas muito diferentes que compartilham da mesma paixão: o futebol. Juntas, elas enfrentam o preconceito para jogar bola e se divertir. A autora e ilustradora da obra é a mineira Eve Jo, que lançou o livro via crowdfunding em 2019. Formada em Educação Física, Eve fez o curso de desenho na Quanta Academia de Artes de São Paulo em 2015.

REFERÊNCIA

D’ANGELO, Domingos Antonio; TAKARA, Ademir. Bibliofut: a literatura do futebol brasileiro. Jundiaí: In House, 2019.

AUTORIA

Este texto é de autoria de Dóris Régis e Ligia Dona, do time do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB) do Museu do Futebol.

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Centro de Referência do Futebol Brasileiro
Museu do Futebol

Núcleo do Museu do Futebol dedicado a produzir, reunir e disseminar pesquisas e curiosidades sobre o futebol no Brasil.