The Last of Us — Part II: A essência da vingança

Bruno Deolindo
Na Moita
Published in
10 min readJul 7, 2020

The Last of Us Parte II realmente é um jogo controverso, infelizmente para muitos o jogo se torna uma situação de ame ou odeie, no meu caso eu amei o jogo. Não fiquei confortável enquanto jogava ele, nem com tudo que acontecia nele, muito menos com todas as decisões que tomei durante ele, mas no final isso é algo bom, as vezes nos como espectadores ou jogadores de algo não devemos receber aquilo que nós queremos e sim o que precisamos.

Eu sei é complicado admitir e encontrar paz nisso, afinal cada vez mais nos tornamos pessoas mimadas, condicionados a consumir apenas aquilo que nos apetece e termos nossas verdades prontas e engatilhadas para qualquer situação e quando um jogo, querido ainda, tenta subitamente colocar uma mensagem que não era o que queríamos, sim meu amigo o ódio reina. Eu entendo essa parcela de pessoas para ser franco eu fui uma delas durante algumas horas de jogo, mas consegui achar a luz durante o jogo, então por favor abaixe as tochas e se desarme.

Até pois também não vou pelo caminho fácil de falar que as pessoas não gostaram do jogo só por questão da sexualidade de alguns personagens, ou que as pessoas são isso, ou aquilo e etc. Sinceramente isso é o ponto mais irrelevante do jogo, apesar de toda mensagem sobre inclusão e coisa e tal ser algo bacana de ver e presente até na quantidade absurda de opções para pessoas com deficiências, realmente não é o pilar de toda a historia, reduzir toda mensagem do jogo apenas a inclusão é muito pouco, seja para criticar ou para elogiar.

Inicialmente eu já tinha escrito um review e até publicado aqui, algo bem rápido falando do jogo em si, dinâmicas, gameplay e blá-blá-blá, tentando dar um motivo para se jogar o jogo e ser absorvido nele, mas evitei ao máximo falar sobre a história, pois acho que cada um deve tirar suas próprias conclusões. Mas após ver tanta gente malhando violentamente o jogo resolvi colocar um pouco do meu entendimento da história dele, não para mudar a cabeça de alguém, mas para debater algo que para mim é o cerne do jogo, a essência destrutiva da vingança, algo que pelo menos para mim falou bem forte em suas nuances.

Obviamente para explicar tudo isso é preciso falar da historia e dar spoilers do começo ao fim do jogo, então se não quer saber mais da história acho definitivamente bom parar de ler esse texto aqui.

Continua aqui? Tem certeza? Bem vamos lá então TLoU 2 (para abreviar) é um jogo amargo, reflexivo, brilhante, mas amargo, o jogo claramente não lhe deixa com um gosto bom na boca ao terminá-lo. Essa é uma das melhores qualidades do jogo, pois nunca algo foi tão bem construído para retratar a vingança como esse jogo, sendo um excelente ode a vingança.

Cite aqui todas aquelas frases prontas de vingança:

“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”
“Com a vingança, o homem iguala se ao inimigo, sem a ele superá-lo”
“Quem busca vingança deve cavar duas covas”


Por mais poéticas que elas sejam, todas são meramente frases, que são esquecidas frente a qualquer tensão maior. É inevitável não requerer justiça por qualquer ato injusto que nos acometa e se ninguém for capaz de prover a justiça na qualidade e quantidade que queremos, a reação mais humana que existe é nos mesmos buscá-la com nossas próprias mãos e ir atrás da vingança que poeticamente chamaremos de justiça aos nossos olhos.

Algo que precisa ficar claro e eu entendo é que o tom dessa sequencia muda muito. É quase surreal imaginar que aquele jogo que trazia uma jornada brutal, mas estranhamente aconchegante de um homem destruído pela tragédia, Joel, arrastando uma pré-adolescente marrenta, Ellie, por um EUA destruído por um fungo/vírus mortal que transformava pessoas em algo próximos a Zumbis, tenha tomado essa curva tão para baixo.

Por mais violento que seja todo o mundo do primeiro jogo, a jornada de Joel e Ellie por esse mundo é para um bom motivo, já que Ellie é a única pessoa imune a esse fungo/vírus que se tem notícia e toda a ideia da jornada é levá-la para os Vaga-lumes, uma espécie de revolucionários, para criar uma vacina. A relação dos dois é um ponto de luz em um mundo não só de prédios destruídos, mas também pessoas e por mais controverso e imoral que o fim do jogo seja, com Joel tomando uma decisão meramente egoísta em salvar a vida de Ellie ao preço de uma possível cura para toda a raça humana, nós deixamos isso passar, pois certamente nos conectamos com os personagens e não queríamos ver nenhum deles mortos.

No entanto toda escolha tem consequências, enquanto Joel simplesmente massacra todos para salvar Ellie, ele dá início ao primeiro gatilho de toda essa trama de vendetta desse jogo, pois um dos médicos que se esforça para impedir Joel de tomar a chance de cura da humanidade é justamente o pai de Abby, uma das peças importantes desse jogo e dessa jornada de eterna vingança.

Como disse todas as escolhas tem consequência e Joel é o primeiro a pagar por suas escolhas, sim isso mesmo o personagem principal do jogo anterior está morto e aqui é a primeira grande cisão do jogo com seus espectadores. A morte de Joel não é gentil, ela é extremamente violenta e desagradável, muitos veem como um desrespeito ao personagem eu já vejo como fruto de toda a violência exercida em TLoU. Nenhum de nossos inimigos durante todos os jogos são mortos de forma gentil, a violência é uma linguagem que esse jogo usa muito bem e ela tem um lugar essencial em toda essa narrativa. Por mais brutal que seja a morte de Joel ela tem propósito e não é apenas para chocar os jogadores.

Mas infelizmente Joel é morto por Abby e seu grupo, dando assim início ao novo ciclo de ódio e vingança, que é a jornada de Ellie para caçar todos os responsáveis por isso. Aqui é onde o jogo mostra a primeira parte interessante, a transformação e a absorção da violência como ferramenta, não só de Ellie mas também de nos jogadores.

É impossível não ficarmos com o mesmo sangue nos olhos que Ellie enquanto vamos atrás de Abby e sua trupe em Seattle, afinal Joel não era só querido a ela a nós jogadores ele também era, sendo assim simplesmente nos mutilamos qualquer coisa que passe pela nossa frente por essa vingança. Por mais que os inimigos supliquem misericórdia, ou entrem em desespero ao chamar o nome de seus amigos mortos, nós não paramos, nós estamos em frenesi e tudo é justificável, nem mesmo cachorros são perdoados em nossa busca por vingança, afinal eles são os inimigos, eles começaram tudo isso.

Porém é impossível não entender que estamos cruzando uma linha, durante corpos e corpos de inimigos esse sentimento vai crescendo em nós, cada decisão abrupta que tomamos percebemos que estamos descendo um degrau em nossa humanidade. As mesmas táticas de interrogatório que condenamos durante o jogo, estamos realizando, até mesmo a morte brutal de Joel que desprezamos prontamente, executamos sem titubear em um dos responsáveis por ela. Tudo movido pela fúria e pelo ódio, por mais que saibamos, por mais que nossa personagem saiba disso, não podemos parar, não vamos parar, Abby tem que morrer.

Nesse frenesi chegamos ao ponto mais baixo de nossa vendetta, quando matamos friamente outros responsáveis pela morte de Joel, Mel e Owen,seriam só mais dois inimigos mortos porem quando descobrimos que matamos a sangue frio uma mulher grávida, o mundo gira, não só para Ellie mas a nos também, é impossível não se perguntar se isso é justificável? Será que Joel passaria essa linha? Era isso que ele queria? Mas eles não mataram Joel? Eles não são os inimigos? Os animais? Eles com certeza merecem isso, tudo no jogo é construído para justificar essa nossa escolha.

Porém o jogo não é gentil com nós e aqui coloca um outro ponto de cisão e muda drasticamente a perspectiva de tudo para Abby, voltando a história para nosso primeiro dia em Seattle, sim a partir daqui você comanda a antagonista do jogo. Desse ponto em diante as coisas se tornam muito mais confusas, pois todos aqueles personagens genéricos que você vinha nos últimos dias matando a torto e a direito são retirados de sua alcunha de vilões e transformado em pessoas. Não pessoas vis e más, como vilões de novela, mas só outros sobreviventes de um holocausto, vivendo com suas escolhas e decisões, da mesma forma que Joel e Ellie.

E é justamente isso que Abby está fazendo, vivendo sua vida, ela não é atormentada pela morte brutal de Joel, nem é uma personagem maligna como todos esperavam. Ela é só uma pessoa que foi consumida pela vingança e a alcançou, mesmo sacrificando relacionamentos no meio do caminho. Para ela tudo no fim valeu a pena e agora é vida que segue. No entanto nos jogadores sabemos, justamente o fato de ela ter alcançado sua vingança vai fazer com que ela perca tudo e nos jogadores somos os responsáveis por isso, tiramos tudo que ela ainda tinha e ela nem mesmo sabe por enquanto.

A jornada de Abby é o segundo ponto de cisão do jogo com seus fãs, para muitos a morte de Joel já é um ponto alto de descontentamento e a tentativa de humanizar justamente a sua assassina é imperdoável. Para mim não é bem disso que se trata, toda jornada de Abby é muito agradável, pois não há remorso, não é uma jornada de redenção do que ela fez, para ela a morte de Joel e um capítulo fechado, algo que o mesmo fez por merecer.

Em paralelo é legal imaginar que se o jogo tivesse terminado antes dessa mudança de perspectiva, com nos matando Abby, provavelmente imaginaríamos Ellie voltando a sua vida normal sem remorso nenhum, com o sentimento de missão cumprida e talvez iniciando uma nova espiral de ódio e ressentimento. Essa talvez seja uma das criticas mais geniais do jogo.

Eu sei que é muito complicado se desligar de um personagem querido e ver outra perspectiva, mas a jornada de Abby é justamente vital para mostrar que a vingança nunca termina, que o ódio sempre vai gerar mais ódio, tendo você vencido ou não. Pois enquanto a trama de Abby, que é completamente desconexa de todos os pormenores com Joel e Ellie está rolando, você sabe que ela está pagando o preço por todas suas escolhas. Essa talvez seja uma das melhores representações do ciclo que é uma vingança, ninguém sai por cima.

Quando você finalmente chega em um dos clímax do jogo, o confronto entre Abby e Ellie, após viver sobre os sapatos de Abby e ver sua trama se desenvolver, seus fantasmas de vingança pairando sobre ela e as coisas que ela abriu mão por isso, é difícil saber dizer quem está errado e quem está certo. As duas personagens tem seus motivos para suas vinganças, porém Abby é a primeira a achar um motivo para viver, na forma de toda a jornada que ela viveu.

Por um momento até mesmo nos como jogadores queremos que ela viva, pois ela certamente já pagou sua cota em toda essa trama de vingança, nós nos certificamos disso. O fato de ela poupar Ellie nesse primeiro embate fecha o ciclo por parte dela, novamente ela teria todos os motivos para iniciar o ciclo novamente, afinal Ellie fez coisas deploráveis, mas Abby também as fez e ela sabe, sua conversa com Mel deixa bem claro o quanto ela sabe, o quanto esse ciclo tirou dela e inevitavelmente iria continuar tirando.

Porem a vingança é um remédio amargo mas viciante, por mais que Ellie tenha sobrevivido, até mesmo tenha uma vida melhor agora, nós sabemos que algo não está certo é difícil fechar o ciclo da vingança. Mesmo tendo tudo nada tem gosto, nada parece suficiente e assim Ellie volta novamente a caçar Abby, abrindo mão de tudo que ela conquistou, apos sua derrocada no ultimo confronto.

Durante essa nova caçada talvez seja o momento que nos bate o momento mais vazio até aqui e novamente nos questionamos que algo não está certo. O que isso vai acrescentar? O que de positivo isso irá alcançar? Joel realmente iria querer isso? Ao descermos mais um degrau em nossa humanidade nessa jornada, nos vemos como Ellie ao fim, destruídos, pensando o que estamos fazendo aqui, longe de tudo que amamos e gostamos.

Toda a sequência final de combate é horrível, pois vimos duas mulheres destruídas, consumidas pela chama da vingança, vítimas de um ciclo que elas não iniciaram, apenas propagaram, lutando para não alcançar nada e talvez acender outra chama da vingança e perpetuando o ciclo.

Eu realmente não quis finalizar o jogo, pois num momento eu não fiquei confortável e satisfeito com a decisão que estava sendo forçado a tomar, foi fácil mutilar inimigos pois acreditava na justiça de minha jornada, mas eu não tinha mais essa certeza não via os outros como inimigo. Para mim aqui foi a parte mais brilhante do jogo, a lição do dia, nós não temos inimigos. Não temos adversários vis, que qualquer meio é justificável para destruí-los, a morte violenta de Joel foi só uma morte violenta de quem acha que tem razão para liberar toda sua fúria sobre seus inimigos, pois não os vemos como humanos mais e sim como monstros.

Não há vingança que valha a pena, no fim nos perdemos tudo, todos nós perdemos, em especial nossa humanidade durante essa jornada de fúria, raiva, ódio, intolerância e ressentimento. Abrimos mãos de tudo que tínhamos de bom por algo negativo, deixamos aquilo que nos odiámos guiar nossa vida, ao invés do que amamos, essa mensagem é muito forte no jogo e deveria talvez ser exemplo para todos.

No final Ellie até consegue enxergar a luz após se afundar tanto no abismo da vingança e poupa Abby, porém não há prêmios para quem busca o caminho da vingança nem por umminuto, mesmo tendo mantido o restante de sua humanidade Ellie perde muito em toda essa jornada, sendo um exemplo vivo que a vingança não compensa.

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Bruno Deolindo
Na Moita

Um cara foda e humilde aos fins de semana andando por aí na rua da vida, enquanto escreve um pouco sobre o que o coração das cartas mandar.