Anime: um alto preço a se pagar

Felipe Massahiro
Nerd / Articles
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7 min readSep 8, 2015
Charlotte (Visual Art’s/Key)

Acredito que qualquer um que assista a um anime o faça por diversos motivos, mas dois deles são quase que uma constante: porque gosta e por causa da história. Esses dois motivos não são muito diferentes de qualquer um que assiste a um filme ou a uma série de televisão.

Contudo, há algo presente nos animes que encanta. Algo que faz muitos de nós nos apaixonarmos pela arte, pelo estilo e por seus personagens. Existe um carisma facilmente tangível nos animes. Sejam eles exagerados e engraçados como Sumomomo Momomo, épico como Gurren Lagann, dramáticos como Clannad ou complexos como Steins;Gate ou Code Geass.

Por trás deles sempre existem histórias cativantes, personagens carismáticos e muita diversão, ainda que alguns deles roubem lágrimas de tristeza ou alegria, uma coisa é certa: se a pessoa assiste ao anime certo, ela se apaixona por esse universo.

Essa paixão mundial que os animes proporcionaram possui um preço. Um preço que fica cada vez mais difícil pagar, mas que, de alguma forma, as produtoras conseguem arcar.

Diferente dos extensos animes mais antigos, que possuíam uma grande tiragem de episódios, hoje as séries são bem mais curtas, algumas chegando a ter 6 episódios, como o foi Shinigami no Ballad. A razão para isso são várias.

Uma delas é o preço. Um anime de 13 episódios pode chegar a sair aproximadamente US$ 2 milhões, enquanto um de 24 pode chegar até o dobro disso.

Esse valor, ainda que com os avanços tecnológicos a produção tenha facilitado, um anime ainda precisa de muitas pessoas para sua produção e hoje, são funcionários do mundo inteiro operando para a produção de um único título.

Se é tão caro, porque antes haviam mais episódios? Simples, nos anos 80 o Japão costumava a ser uma grande potência econômica, disponibilizando uma verba generosa para gastar, hoje, nem tanto.

O fator econômico mudou também a forma de se produzir um anime. No artigo dividido em 3 partes da ANN é possível ver os detalhes da economia por trás da produção de um anime. Os chamados Seisaki Iinkai ou Comitê de Produção, reúne uma série de empresas de diversas especialidades para produzir um anime, cada um com uma certa voz em sua área. A imagem abaixo do mesmo artigo ilustra essa estrutura.

imagem retirada do artigo da Anime News Network

Também há um princípio para que um anime seja levado a frente: merchandising. Muitos animes são produzidos pensando na oportunidade de marketing. Lembram-se de Zillion, um anime de 1987 que chegou a passar no Brasil pela rede Gazetinha lá pelo início dos anos 1990? A Sega foi parceira na produção do anime. Também era ela a responsável pelas pistolas utilizadas pelos personagens da série. Se você teve um master system deve se lembrar dela.

Zillion (1987 — Tatsunoko Production)

Outro também bastante famoso é o Bongo, ou Opa-Opa. Teve jogo dele também!

Essa ideia de produzir um anime para divulgar um produto não é nenhuma novidade, inclusive ainda hoje é uma tática utilizada. A diferença estão nos objetivos de marketing.

Se o anime é voltado para crianças, vender lancheiras, brinquedos e cards colecionáveis é uma boa, isso ainda acontece.

Bongo, personagem de Zillion

Por outro lado há um novo problema, o baixo índice de natalidade no Japão. Não há mais tantas crianças nascendo, o que faz com que utilizar apenas uma tática de merchandising não seja a melhor solução econômica para os animes.

A solução pode vir em produtos voltados ao público mais adulto, logo animes com temáticas mais adultas são necessários.

Novamente há um novo problema, a população japonesa gasta grande parte de seu tempo trabalhando, então como fazer com que eles gastem seu precioso tempo assistindo a um anime na seção noturna?

Em um outro artigo igualmente interessante, essas questões são levantadas e as respostas são voltadas ao marketing.

Como recurso para uma produção de um anime que tenha melhores chances de sucesso, recorre-se para outras fontes. Animes baseados em Light Novels (Spice and Wolf, Haruhi Suzumiya, Kara no Kyoukai), mangas (Tsubasa Chronicles, Fruits Basket), jogos (Steins;Gate, Air, Clannad), são apenas algumas das mídias que, quando fazem sucesso, o anime pode receber sinal verde, trazendo ainda mais fãs para esses meios, como também abrindo a possibilidade para novos merchandising, que afinal é parte de como entrar no breakeven dos custos da produção.

Ore no imouto ga Konna ni Kawaii Wake ga Nai (2010 — Aniplex, Bandai Namco Games)

Isso sem contar com a arrecadação de DVDs, que oferecem aos fãs uma oportunidade para colecionar. Esse comportamento mais presente no Japão auxiliou no custeio da produção de animes, já que normalmente são lançados em vários volumes por um alto preço de venda.

Mas isso é para os colecionadores. Na era da internet os animes tornaram-se ainda mais divulgados e consumidos por muitos meios ilegais. Os fansubbers que legendam os animes não oficialmente eram muito consumidos. Ainda o são, contudo com a chegada de serviços oficiais de streaming o acesso ao anime por meios lícitos ficou ainda mais fácil, até mesmo aqui nas terras brasileiras.

Os serviços como da Crunchyroll e Netflix são apenas alguns dos exemplos que disponibilizam animes para o público do Brasil. No caso do primeiro exemplo, muitos animes requerem assinatura, outros são disponibilizados gratuitamente.

Por que pagar? a resposta é simples. Advertising não da muito dinheiro para as empresas de streaming que também precisam pagar uma porcentagem de royalties para os donos originais do anime, se os sites dependessem inteiramente de ads, a industria estaria com sérios problemas, por esse motivo as assinaturas foram criadas. Através delas não apenas os sites conseguem se manter em atividade com uma pequena margem de lucro, mas também repassam o valor de royalties para as empresas produtoras de animes para que eles possam continuar produzindo.

O grande problema é fazer com que as pessoas cheguem à esses canais oficiais para assistir animes. Para iniciantes ou para pessoas que desconhecem completamente o universo dos animes, não é incomum que caiam em serviços de streaming ilegais ou acabem utilizando as versões de fansubbers espalhadas por mundo a fora. É preciso divulgar os meios oficiais para colaborar com o mercado lá do outro lado do mundo.

Afinal de contas, o anime não é barato. Sua produção é complicada e desgastante. Além de que o futuro para a série é sempre incerta. Economicamente a produção de um anime é assustadoramente instável, mas o mercado sempre foi assim. Estamos nos adaptando ainda a era das novas mídias, o mercado também está tentando acompanhar essa nova tendência tecnológica de consumo imediato sem perder muito dinheiro, pois é isso que faz com que as produtoras continuem… bem, produzindo.

“De certa forma, o mercado de anime tem sorte. Nossos fãs são muito mais apaixonados do que a maioria de outros grupos de consumidores, então nós podemos depender em um número muito maior de colecionadores por aí.” — Justin Sevakis

Não importa a dificuldade, os animes fazem parte da cultura do dia a dia, não apenas no Japão, mas como em praticamente todo o mundo. Tanto o é a sua influência, seja para crianças, jovens, adultos e até pessoas mais velhas, serve a todos os gostos e estilos. Os animes, em sua grande maioria, sempre contam excelentes histórias e normalmente são ótimas adaptações, muito porque o Comitê de Produção costuma não se envolver no processo de adaptação dos criadores do anime. Erros acontecem, às vezes grotescos, mas essa liberdade dada aos criadores originais evita bastante esses problemas.

Para muito além de entretenimento, os animes também fazem parte do que nos cativa. Por exemplo a universidade Kyoto Gakuen produziu comerciais em formato de anime.

A gigante NHK também utilizou os recursos do anime para sua campanha que reflete no famoso termo japonês “Mottainai”.

Esses são apenas alguns exemplos. Existem centenas de comerciais produzidos no formato de animes, propagandas, campanhas motivacionais e muitas outras coisas. Os animes dominam nossa rotina com sua beleza e seu carisma.

Ainda há muitas dificuldades para o anime no Brasil. Fãs recorrem a importação de DVDs e Blu-Rays, que saem muito caro devido a alta taxa de importação e diferença cambial. Produtos colecionais que chegam às lojas também sofrem com preços ainda mais altos. Porém, ainda consumimos ocasionalmente.

O advento dos serviços de streaming disponibilizados em território nacional abre novas portas para o nosso mercado. Da mesma maneira que os mangás e a literatura japonesa começou a conquistar as lojas brasileiras, os animes começam a entrar com muito mais força e divulgação por meios oficiais.

No fim são para os fãs que toda essa dedicação na produção de um anime é voltado. Tudo isso para entregar momentos únicos para todo o mundo.

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Felipe Massahiro
Nerd / Articles

Jogador compulsivo, escritor obcecado, amante perturbado da literatura e jornalista de vez em quando.