O storytelling nos games

Felipe Massahiro
Nerd / Articles
Published in
6 min readOct 5, 2015
Child of Light (Ubisoft, 2014)

Na literatura, no teatro, no cinema, em uma mesa de bar, dentro de um taxi ou em uma roda de amigos, a história (ou estória) é algo essencial para envolver uma pessoa. Afinal de contas, se a história de um livro é chato e/ou mal escrita, logo o fechamos. Na televisão é ainda pior, podemos simplesmente mudar de canal ou trocar de programa no caso de serviços de streaming.

Contudo, não é apenas uma boa história que conquista o público. A forma como ela é contada é tão importante quanto.

O storytelling é fundamental para contar uma boa história, transmitindo as emoções certas, no momento certo. Seja na literatura, seja no teatro, seja no cinema e, em especial, nos games.

Devido a revolução tecnológica, os jogos eletrônicos tornaram-se mais complexos e realistas. Um novo formato de storytelling nascia e, com o passar dos anos, essa nova mídia passaria a ser reconhecida como uma nova forma de arte.

Muito diferente de apenas ser um espectador ou um leitor, enfim, um agente passivo que recebe a história, os games permitiram que a pessoa vivenciasse uma história. Interagisse com o contador de história.

Explorar o universo de uma história, encarnar no personagem central e ser um agente influenciador em suas decisões, tudo dentro da escala permitida pelos games, era algo inimaginável.

A história como elemento é importante, pois faz com que o ser humano se identifique com um cenário. Por mais estranho que pareça, até mesmo um jogo como Space Invaders possui uma história e ela começa pelo título.

Space Invaders (TAITO, 1978)

Em uma época em que a ficção de invasão alienígena era um tema recorrente, o cenário de Space Invaders, por si, já era uma história. Invasores vindos do espaço precisam ser detidos. Cabe ao jogador defender o planeta terra dessa ameaça.

Se é o planeta terra que está sendo invadido, se o jogador está realmente protegendo-a, não há como saber, mas é a premissa que se carrega inconscientemente. Essa é a história de por trás do jogo e a narrativa encontra-se na ação de destruir os alienígenas invasores.

O storytelling parece primitivo, mas conforme a tecnologia se aprimorou, narrativas mais complexas e explorativas surgiam. Desde jogos como Myst, até Mass Effect ou o famigerado The Last of Us, todos evoluíram com histórias mais complexas, detalhadas e cuidados.

No entanto, o storytelling têm evoluído pouco nesse sentido. Como escritor e roteirista, uma das coisas fundamentais que aprendemos sobre a arte de se contar uma história está nos detalhes. Se mostramos ou descrevemos um objeto, como uma faca, por exemplo, é porque essa mesma faca terá relevância para a narrativa.

Resumidamente, no storytelling não pode haver excessos desnecessários, tudo é apresentado por uma razão. Tudo tem uma razão para existir dentro da história que é contada.

Com essa premissa, o artigo de Phil Owen faz sentido. Os games atuais evoluíram em muito a complexidade das histórias que criam, porém pouco avançaram no quesito do storytelling.

Há ainda uma certa desconcordância em relação a história e a mecânica de um jogo. Um elemento em excesso para a narrativa acaba por ser a desculpa por ser um elemento de diversão na mecânica de um jogo. O exemplo citado por Owen a respeito de The Last of Us é muito bem colocado. Forjar um shiv com os recursos necessários, são tão irreais quanto ao fato de que ele quebra após um ou dois usos.

Para quem estudou conceitos de design de games, há algo chamado de “Fluxo Cognitivo”. No gráfico podemos ver que o fluxo que impulsiona o jogador a continuar jogando está entre a ansiedade e o tédio. Esse equilíbrio é importante para quem desenvolve a mecânica e o design de fases de um jogo, fazendo com que o jogador mantenha-se sempre satisfeito e com vontade de continuar jogando.

Gráfico de Fluxo Cognitivo. Fonte: Gamasutra

Isso não é apenas importante para o jogo, mas também para a história. Da mesma forma como um escritor quer fazer seu leitor continuar lendo e desvendando a história que está contando, um jogo quer fazer com que o jogador continue jogando e, supostamente, também que desvende a história.

Digo “supostamente” porque o storytelling, a arte em se contar uma história, nem sempre se encaixa com a mecânica do jogo, por mais que a última se adeque à estrutura do fluxo cognitivo.

Não é apenas pelo storytelling.

Todo jogo tem uma história e a importância dela se reflete ao estilo do jogo. FPS ou shooters costumam ter uma história simples, dando ênfase na diversão, mecânica e multiplayer. Adventures costumam dar ênfase muito maior na história, na trama e na narrativa. Enquanto RPGs misturam história com mecânica.

Em todos o storytelling está presente.

Não é apenas como se conta uma história, mas os motivos pelos quais estou jogando um jogo.

Particularmente eu jogo pela história, quero desvendar os mistérios de uma trama e me sentir impelido em continuar jogando. O problema começa quando eu me sinto obrigado a jogar para entender uma história.

Quando um jogo desperta esse sentimento, há uma grande falha no storytelling. Se a ênfase é dada a história e a maneira como ela é contada falha, então o jogo é prejudicado.

Isso se deve a muitos fatores. Um fator é a irrealidade nas ações que tomamos no jogo em relação à história que nos é apresentada. O exemplo do shiv do The Last of Us se encaixa aqui.

Outro é quando o que fazemos perde o sentido para o contexto. Enslaved é um jogo que se inspirou na lenda de Goku, colocando-o em um cenário pós apocalíptico. Eu me interessei bastante pela história, mas os puzzles e a mecânica do jogo tornam-se rapidamente repetitivos, o que me fez parar na metade.

Apesar da história, o storytelling foi uma barreira que não consegui ultrapassar.

Se um jogo utiliza a história como desculpa para a diversão, isso pode dar certo. Gastei mais tempo jogando Destiny do que The Last of Us, por exemplo. Por mais inexistente que seja a história de Destiny, o jogo preza pela diversão o que me conquistou.

Por outro lado, Eden* e To the Moon, são jogos que joguei bem menos, mas que suas histórias ainda reverberam muito na minha cabeça. São jogos que eu recomendaria para qualquer pessoa. Além de serem títulos que normalmente me vêem a mente quando me perguntam sobre bons jogos.

Para onde ir agora?

A resposta é a mesma que Janet H. Murray em Hamlet on the Holodeck disse sobre a cibernarrativa. Talvez até alinhada com as palavras de Henry Jenkins em Convergence Culture.

Não há como saber.

Estamos hoje vivenciando as mudanças proporcionadas pela era digital. Seja na narrativa. Seja em nossa cultura e maneira de viver.

De um lado as grandes empresas de games continuarão com as mesmas ferramentas de storytelling, um tanto distante das inovações. Do outro, teremos desbravadores, alguns grandes, como o foi Heavy Rain e atualmente Until Dawn; outros menores, como To the moon.

Gêneros como adventures, visual novels, kinetic novels e RPGs costumam a dar maior ênfase na história e no storytelling. Mas isso não deixa de fora outros gêneros que exploraram formas narrativas diferentes, como Bioshock/System Shock e Deus Ex.

Há ainda um longo caminho em reunir a história e narrativa com as mecânicas de um jogo.

Contudo, como Murray propôs, é hora de programadores e storytellers se reunirem e perceber que a distância em ciências humanas e ciências exatas, na cultura em que vivemos, já não existe da forma como o foi no passado.

Nos games isso é ainda mais importante, já que sua história (ou estória) é uma forma de expressão que pode educar, transmitir valores morais e culturais, assim como passar importâncias históricas.

Pouco a pouco o storytelling e a relevância da história de um jogo ficam mais e mais complexos e importantes. Pouco a pouco esses desbravadores unem a diversão proporcionada pelos elementos de jogo, com a narrativa que desenvolve uma rica história, sem excessos e exageros desnecessários.

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Felipe Massahiro
Nerd / Articles

Jogador compulsivo, escritor obcecado, amante perturbado da literatura e jornalista de vez em quando.