Review — Charlotte

Felipe Massahiro
Nerd / Articles
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6 min readSep 28, 2015

O recente anime da Visual Art’s/Key chegou ao fim em seu 13° episódio. Diferente de tudo que Jun Maeda escreveu até então, Charlotte é uma série de altos e baixos com algumas reviravoltas inesperadas para quem conhece os trabalhos da empresa, algumas surpreendentes, outras, nem tanto, em especial a sua conclusão aparentemente precipitada.

Jun Maeda é reconhecido pelo seu talento não apenas como compositor, mas como um roteirista que consegue mexer com os sentimentos das pessoas com maestria sem igual. Angel Beats é um excelente caso, mas não distante, como roteirista das Visual Novels que originaram os animes Clannad, Air, Kanon e Little Busters!, Maeda é um mágico que faz com que as pessoas possam se divertir, rir, chorar, chorar e chorar em uma onda depressiva.

Charlotte, contudo, é algo bastante diferente da zona de conforto do roteirista. Repleto de mistério que envolvem adolescentes com poderes sobrenaturais, o anime é uma exploração a um lado inédito de Meada.

Yu é um jovem que possui o poder de tomar posse do corpo de uma pessoa por alguns segundos. Enquanto ele usa e abusa de seus poderes para benefício próprio, ele encontra Tomori, uma garota que pode ficar invisível para uma pessoa — e uma pessoa apenas —além de também trabalhar como uma espécie de guardiã de outros adolescentes com poderes mágicos.

A escola para a qual Yu é transferido é também um abrigo para pessoas com poderes. Outro detalhe é que esses poderes desaparecem quando os jovens atingem 16 ou 17 anos. Em outras palavras, os poderes mágicos são como uma doença.

Vou evitar falar a trama em detalhas para não dar spoilers.

Maeda é conhecido por trabalhar com o humor e tragédia na medida exata para chocar as pessoas o suficiente para roubar algumas lágrimas. Charlotte tem isso, e tem de forma bastante chocante e impactante. A lição que trazemos de animes como Clannad, Air, Kanon e Angel Beats é de que a vida não é justa, que todo o “bom” também tem sua parcela de “ruim”, a inevitabilidade (ou hitsuzen, com a entonação de Yuuko), é uma constante para qualquer pessoa.

É aí que as coisas ficam interessantes. Para fãs que acompanharam as obras de Maeda, Charlotte parece em um momento alimentar a expectativa da qual podemos esperar da história do anime, mas logo em seguida a tragédia é, de certa forma, revertida para um outro patamar inesperado.

O desenvolvimento dessa história, com a tragédia de Yu e sua irmã Ayumi, assim como de Tomori e Shunsuke, ou o drama inevitável de Misa e Yusa (irmãs com o poder de incorporar os mortos e pirocinese), são característicos de outras obras do roteirista, mas todos trabalhados de forma diferente.

Talvez isso pareça interessante, mas Charlotte conta com uma série de pequenos problemas. Os personagens principais Yu, Shunsuke e Tomori, são bem trabalhos no geral, no entanto o grupo que eles formam, o conselho estudantil que lida na procura de outros adolescentes com poderes mágicos, é trabalhado de forma superficial.

No inicio do anime o conselho estudantil fundamenta o desenvolvimento da trama, o que acaba resultando no encontro de Misa e Yusa que acabam se juntando aos personagens. Contudo, a trama não termina aí, há por trás ainda uma agência que persegue os jovens com poderes, uma organização internacional que faz o mesmo, mas em escala global, e ainda há a participação de uma banda criada para a série ZHIEND.

A banda ZHIEND tem uma boa importância para o desenvolvimento de Tomori, mas não é tão aprofundada como foi Girls Dead Monster em Angel Beats. As organizações e agências são tão misteriosas quanto o restante, elas aparecem apenas como uma desculpa para surpreender com o desenvolvimento da série.

Talvez esse seja o maior problema com Charlotte, de inicio acreditamos entender para onde a trama está nos levando, mas logo somos obrigados a recuar e repensar. O charme de Charlotte está em seu trama difícil de desvendar, pensei muitas vezes “para onde essa história pode ir?” e dificilmente o resultado era algo que esperaria. Isso também acaba por ser um defeito.

Além das conspirações e da memória bloqueada de Yu e Ayumi de seu passado, a origem dos poderes dos adolescentes quando o é revelado, é algo tão simples que beira entre a decepção e surpresa, uma medida interessante que acaba sendo pouco utilizada para o contexto final.

Falando nisso, o final. Até o episódio 10 ou 11 pensei que o anime estaria tomando algum rumo clássico da Visual Art’s/Key, até me surpreendi com o episódio 12, mas foi no último episódio, o 13, que foi bastante decepcionante.

Não foi um desfecho ruim, na verdade foi um desfecho bastante interessante, mas a fatalidade foi em sua velocidade. Até então a trama da série trabalhou em uma velocidade tranquila, com uma série de altos e baixos no desenvolvimento da trama, inclusive com eventos impactantes, o último episódio foi exatamente o contrário.

Percebe-se nele uma relevância importante e uma ideia genial para onde Charlotte estaria caminhando, mas tudo é resumido nos aproximadamente 25 minutos. Os eventos são acelerados, os acontecimentos tão resumidos que fica difícil acompanhar o desenvolvimento de Yu. Como prometi não dar spoilers, vou apenas falar apenas que é possível reparar as mudanças do personagem mediante suas escolhas, mas a forma como são colocadas é tão rápida que simplesmente falta, muitas vezes, a profundidade.

Charlotte é um bom anime, mas está longe de ser um obra tocante como foram seus antecessores. Fica claro perceber que Jun Maeda tentou arriscar por uma trama bem diferente do que está acostumado a escrever, além de ter abordado uma narrativa em partes inéditas para ele.

O problema de Charlotte é justamente o seu desenvolvimento. Da mesma forma como o pensamento “para onde o anime está indo?” gera uma excelente expectativa para quem assiste, o que é entregue no desfecho final é algo muito acelerado, mas que mostra uma ousadia inédita do roteirista em fazer algo diferente, algo inesperado para os fãs de seu trabalho.

Além da arte maravilhosa e da trilha sonora fantástica — não poderíamos esperar menos de Jun Maeda — que conta, entre muitos outros artistas, a reconhecida cantora Lia, Charlotte me lembrou em certos aspectos Little Busters!, é algo diferente da Visual Art’s/Key, há a identidade clássica da empresa (e de Maeda), mas também arrisca em alguns aspectos novos.

No geral, Charlotte é um anime com diversos problemas, especialmente no uso de personagens e profundidade, mas também mostra uma vertente de inovação que a empresa pode desenvolver, surpreendendo os fãs. Essa ousadia em procurar uma nova narrativa, saindo, mesmo que um pouco, da zona de conforto que foram as obras anteriores, é uma coisa muito importante e Charlotte foi um ótimo “pontapé inicial”.

O mistério misturado com a calamidade após a alegria, a ideia de “a vida que segue apesar das desgraças pelas quais passamos,” tudo está presente, mas organizados de uma maneira diferente. E mesmo o desfecho final acelerado, o que pode desapontar as pessoas, ainda apresentou uma centelha de que toda a trama funciona na teoria, e funcionou muito bem na prática em muitas partes.

Talvez de todas as obras que assisti da Visual Art’s/Key, Charlotte tenha sido o título mais fraco, contudo foi o mais ousado em termos de projeto narrativo e em questão de trama. A complexidade existe, o desenvolvimento também, mas parece que no meio do processo o projeto foi cortado para 13 episódios, ou que esqueceram-se de que o anime teria 13 episódios.

Charlotte está disponível através dos serviços de streaming Crunchyroll, Viewster, Aniplex e Daisuki.

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Felipe Massahiro
Nerd / Articles

Jogador compulsivo, escritor obcecado, amante perturbado da literatura e jornalista de vez em quando.