Proptech, Construtech, Urbanismo, Airbnb & Dados

Business Architecture e o potencial das Startups de tecnologia no setor imobiliário

Julio Fontes
Coletividad
Published in
10 min readOct 14, 2019

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Imagem do clássico jogo Sim City 2000

Momento nostalgia vendo essa imagem do jogo Sim City 2000.

Apesar de um jogo, Sim City traz um equilíbrio entre diversão e realismo no planejamento da sua cidade. Por exemplo o papel de zonas comerciais, industriais e residenciais, a relação entre crime e valorização de lotes, custo de manutenção de estradas e valor da terra tributável, entre outros.

Mas o interessante para esse texto é como o jogo traz essa vista aérea. Que dá uma sensação de controle e soberania sobre os acontecimentos da sua cidade, além da noção de causas e consequências.

No mundo real, em 2017 a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), reponsável pela criação da Internet, do GPS, da World Wide Web, da Video Conferência, entre outros feitos tecnológicos financiou uma startup de tecnologia em fazenda e cultivo chamada Descartes Labs, que usa imagens de satélite para analisar e prever o desempenho de colheitas.

A agência que tem como objetivo principal manter a superioridade tecnológica das Forças Armadas Norte Americana não estava preocupada com arroz e trigo.

Região sudeste do Delta do Nilo, mostrando uma mistura de campos de arroz e áreas de irrigação. Por Descartes Labs.

A DARPA percebeu como o preço do pão afeta a estabilidade local, o surgimento de conflitos e consequentemente a segurança nacional.

Nesse cenário, ter ferramentas mais precisas para monitorar, prever e proteger a saúde das colheitas pode previnir a fome e antecipar uma intervenção humanitária, ao invés de uma intervenção militar.

Proptechs e Construtechs

No Brasil, só no mês de julho (2018), foram transacionados no Brasil aproximadamente 82 mil imóveis, que movimentaram R$ 45,6 bilhões.

Um setor cheio de assimetrias, em que a maioria dos processos é lento, ainda feitos no papel, e que os clientes dependem de uma estrutura centralizada, com um enorme incentivo para se manterem obscuros e burocráticos.

Assimetria é igual a oportunidade.

No Brasil já temos mais de 500 Proptechs/Construtechs.

Proptechs/Construtechs são empresas que usam tecnologia no projeto, gestão da obra, maquinário e materiais, marketplace, compartilhamento de espaços, mapeamento, captação de recursos e intermediação digital principalmente, entre outros segmentos do universo imobiliário e/ou da construção civil.

As startups brasileiras QuintoAndar, Viva Real e Zap (Grupo Zap), e Loft por exemplo, focam em ‘transações domésticas’ com a proposta é facilitar a compra, venda e/ou aluguel de imóveis, direta e indiretamente dos consumidores — também chamadas de “iBuyers” em certos casos — e/ou entre consumidores.

O sucesso dessas empresas significa consequências diretas e indiretas como:

  • Redução de barreiras de entrada no mercado imobiliário;
  • Otimização de preços e margens em todos os níveis do setor com geração de mais oportundiades de negócio, liquidez e volume geral de transações;
  • Agilidade, redução dos bloqueios sociais nas transações, do estresse e da hesitação de quem imagina um processo desgastante;
  • Criação de mais empreendimentos, empregos e serviços de suporte.

E assim por diante.
É um sistema complexo.

Ir além da compra, aluguel e venda

Em geral o modelo das empresas é responder:

  • Quais são os melhores bairros para cada perfil?
  • Quantos imóveis totais existem para compra e venda? Quantas leads por imóvel?
  • Quanto devemos pagar por um imóvel?
  • O que motiva o dono a listar um imóvel?
  • Por quanto a empresa vende?
  • Quão rápido podemos vender ou alugar? Qual será nossa margem?
  • Quais reformas são necessárias nesse imóvel? Quanto podemos gastar na reforma? Quais fornecedores devem ser alocados para a reforma?

Oportunidades e potencial de impacto

Eu acredito que o setor de Proptechs/Construtechs é extremamente promissor.

Um dos maiores setores em volume ($$$) e potencial de impacto positivo. Especialmente no Brasil.

Com olhar de Business Architecture sobre as Proptechs/Construtechs eu penso que a visão, estratégia, capacidades e fluxo de valor pode ir além, com mais ambição e agressividade.

Ir do ciclo transacional de curto prazo:

Compra → Venda/Aluguel → Margem %

Para um pensamento sistêmico sobre:

Urbanização → Desenvolvimento Econômico

Diagrama editado e originalmente postado no texto sobre Business Architecture.

“Encontrar a localização correta é essencial para uma vida de sucesso, também para um empreendimento de sucesso e para um assentamento duradouro — em suma, para a sobrevivência do grupo. Adicionalmente, uma localização adequada tem que ser a localização dos acontecimentos certos. […]” (Lösch, 1954, p. 3)

A cidade é um sistema complexo, e a fonte de desenvolvimento em si e não a conseqüência.

Seu desenvolvimento acontece por conta da crescente capacidade das sociedades em promover a geração de idéias na forma como concentra o capital humano, produz e concentrar recursos que suportem populações, riqueza (e pobreza), trabalho e capital cada vez maior.

Essa expansão urbana por sí só é um desafio.

A área coberta por cidades em expansão deve crescer aproximadamente o dobro da taxa da população. Por exemplo, de 1985 a 2000, a população de Accra, Gana, aumentou 50%, enquanto a área da cidade cresceu 153%.

Esse é o potencial real das Proptechs/Construtechs.

Considerar teorias como Hotelling’s Law, Agglomeration Effects, Demographic Gravitation, Braess’s Paradox, Central Place Theory, entre outras para interferir positivamente no destino de pessoas e cidades.

Transformar espaços e:

  • Reduzir custos de transporte através da expansão de rotas e alternativas;
  • Fertilizar mercados locais;
  • Expandir a demanda e oferta de mão-de-obra para especialistas;
  • Gerar fertilização cruzada entre empresas e setores através da aglomeração de conhecimento e capital humano;
  • Otimizar a produção de ferramentas, produtos e serviços cada vez mais especializados;
  • Promover mobilidade, sustentabilidade, equidade e inclusão;
  • Influenciar comércio, entretenimento, saúde, educação, turismo, política, etc…
Estudos & “Teoria do Lugar Central” retirados do Artigo “Geomarketing: Memórias de Viagem” (2001) de Francisco José Espósito Aranha Filho e Susana Figoli

Oportunidades de entender, responder e oportunizar:

  • Qual impacto (social, econômico, cultural) das ondas migratórias?
  • Como determinado bairro vai evoluir urbanisticamente? Qual a probabilidade e ordem de surgimento de determinados estabelecimentos (comércios, entretenimento, turismo, etc..)?
  • Qual é o impacto individual de infraestruturas (parques, escolas, colégios, hospitais, delegacias) no desenvolvimento do bairro? Qual é a melhor localização para uma nova infraestrutura?
  • Como as estruturas residenciais afetam (economia) o comércio local e a criação de novos novos hábitos (pessoais, de compra, etc…)?
  • Como os grandes investimentos em startups vai afetar a distribuição geográfica de empresas (novos escritórios e prédios)?
  • Como a localização geográfica dessas empresas e estrutura de mobilidade vai afetar o fluxo de profissionais e influenciar a eficiência na atração de talentos para nova posições?
  • Como o perfil que busca imóveis mobiliados na Vila Olímpia e Pinheiros afeta o surgimento soluções visando a economia do aluguel (mobiliário, roupas, utensílios): uso de curto prazo e sem compromisso, sem dores de cabeça, custo ou propriedade?
  • A solução para o perfil que busca imóveis mobiliados na Vila Olímpia e Pinheiros principalmente como dormitório para estar perto do trabalho é realmente um apartamento?
  • Qual é a ‘tolerância urbanistica’ desses bairros para receber mais empresas? Quais outros bairros em potencial estão aptos a receber novos aglomerados de empresas?

Entre várias outras perguntas com extensas aplicações e consequências.

Exemplo de diagrama de ‘Teoria do Lugar Central’

O jeito Airbnb

A empresa que pensa na sua existência no próximo século, não apenas o próximo trimestre (segundo o fundador e CEO Brian Chesky) acaba de anunciar IPO para 2020 com valuation de US$ 31 bilhões, parece ter essa consciência ampla e sistêmica.

Inúmeras vezes o Brian Chesky fala sobre “um horizonte de infinitas possibilidades” e como as empresas podem ser mais audaciosa, assumir mais responsabilidade pelo que fazem e criar mudanças mais duradouras.

As ações e iniciativas da Empresa sugerem que eles — já com uma Cultura fortíssima de Comunidade e Experiências — estão indo cada vez mais nessa direção e pensamento sistêmico em relação aos espaços.

  1. Através de projetos que apóiam famílias e comunidades. Como o investimento de US$ 25 milhões na construção de moradias populares e outras necessidades de comunidades da Califórnia — onde os moradores estão lidando com altos custos de moradia (também por influencia do próprio Airbnb) e um aumento no número de sem-teto.
  2. Parceria com construtoras criando prédios construídos para especificamente para o modelo de aluguel a curto prazo do Airbnb — que ao mesmo tempo visam preencher a lacuna no cenário da hospitalidade, combinando uma experiência, design e tecnologia de ponta com o serviço, segurança e consistência dos hotéis.
  3. Prototipos de novas maneiras de construir e compartilhar imóveis. Além de investigar como os edifícios podem utilizar técnicas sofisticadas de fabricação, tecnologias de residências inteligentes (Smart Homes) e responder com atenção às mudanças nas necessidades de proprietários ou ocupantes de longo prazo.
  4. As “Experiências”, que querem tirar as viagens de uma papel transacional para um papel de aventuras altamente selecionadas — antes de domínio exclusivo de agentes de viagens premium — que hoje incluem cursos, eventos, shows e recentemente roteiros com animais.

E esse “jeito Airbnb”, por sua escala não está livre de consequências ruins. Algo que reforça o real potencial de uma empresa alterar não só o espaço, como nossos hábitos e consequentemente vidas. Por exemplo:

  • Um estudo da ‘University of McGill’ mostra o impacto do Airbnb no mercado de aluguel em Nova York. Entre setembro de 2014 e agosto de 2017 p Airbnb removeu de 7.000 a 13.500 unidades imobiliárias do mercado de aluguel de longo prazo da cidade e contribuiu para um aumento de US$ 380 por ano em média para os inquilinos de Nova York.

Tecnologia, dados e economia

Assim como no jogo Sim City e através das imagens de satélite da Descartes Labs, a oportunidade de uma ‘vista aérea’ compreensiva traz uma enorme vantagem.

Imagens de satélite, combinadas com outros fluxos de dados como GPS, cookies, beacons e mídias sociais trazem clareza, capacidades e oportunidades que antes eram impensáveis.

E consequentemente soluções melhores.

As imagens de satélites comerciais (não militares) nos EUA são limitadas por lei a uma resolução de 25 centímetros — o tamanho de um tênis 36.

Além da DARPA, investidores e fundos de capital de risco estão usando a tecnologia geo-analytics para ter transparência nas micro-tendências locais e acessar informações sensíveis com mais precisão e confiança.

Algo extremamente útil, que começa a ser aplicado em soluções de Proptechs/Construtech nos Estados Unidos.

E essa resolução é suficiente para que investidores:

  • Prevejam o suprimento de óleo a partir das sombras projetadas dentro dos tanques de armazenamento. Além disso, é possível monitorar o número de pessoas que trabalham em uma refinaria em relação ao número de contratados externos para manutenção de rotina ou para lidar com acidentes, através dos smartphones, veículos e outros fatores (como mostra a imagem/GIF abaixo).
O uso de geo-analytics para monitorar os telefones dos trabalhadores e detectar eventuais problemas nas refinarias em tempo real — Motiva Enterprises Refinaria, em Port Arthur, no Texas, EUA.
  • Estimem o PIB real de uma região inacessível com base na luz que emite à noite;
  • Contabilizem o tempo de permanência e a quantidade carros em estacionamentos de grandes varejistas como Wall Mart e prevejam fluxo de vendas e liquidez diária;
Desenvolvimento de infraestrutura na região de fronteira de Khorgos, por Orbital Insights.
  • Monitorem a atividade e construção em países como a China (um importante impulsionador global da macroeconomia) e seus projetos de infraestrutura. Isso indica o desenvolvimento e progresso de regiões estratégicas em relação as metas de crescimento nacionais e compromisso do país com exportações.

É foi exatamente isso o que a imagem de satélite (acima) da região revelou.

Que a zona de Khorgos Eastern Gates, importante via na exportação de ativos ferroviários para a Europa, teve um crescimento de 6% na construção de estradas e um aumento de 4% em novos edifícios de 2016 a 2017.

Apesar de aplicações estratégicas questionáveis em países estrangeiros, ninguém está isento. E foi isso que o Elon Musk descobriu, quando disse pelo Twitter que a Tesla trabalhava dia e noite para aumentar a produção do Tesla Model 3. Concorrentes, investidores e outros interessados tiveram suas dúvidas sobre a entrega dos resultados e capacidade da empresa.

E essa é a oportunidade para empresas como a Thasos Group, que aluga bancos de dados de trilhões de coordenadas geográficas coletadas por aplicativos para smartphones.

Assim como o GIF de capa desse texto, a empresa usou sua tecnologia para encontrar os pings (de smartphones) criados geograficamente na fábrica de Tesla, e depois compartilhou os dados com seus clientes de fundos de investimento, mostrando que o turno da noite realmente havia aumentado em 30% de junho a outubro e consequentemente a produção do Model 3.

Eu não vou explorar nesse texto, as importantes e graves questões de privacidade, direitos, liberdade na aplicação de tecnologias como a de geo-analytics. Provavelmente farei um próximo texto só para isso.

Conclusão

  1. Cabe mais ambição e impacto no setor de Proptechs/Construtech no Brasil;
  2. A tecnologia só dá suporte ao sistema — não é a proposta de valor em si;
  3. Entendam o potencial real de interferirem positivamente no destino de pessoas e cidades;
  4. Expandam e organizem as perspectivas em uma estrutura de modelos;
  5. Considerem o uso de dados adjacentes, além do “uso visível” pelo usuário.

Obrigado pela leitura.

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