Associação ou Coletivo?

Devemos formalizar a organização ou continuar como um coletivo informal?

Renato Orozco
Nossa Cidade
7 min readFeb 17, 2019

--

Toda a vez que um grupo de pessoas se reune com a intenção de fazer algo juntos, vejo esse fenômeno acontecer:

As pessoas param de focar no que gostariam de fazer e começam a falar sobre criar uma organização.

Nesse artigo, quero compartilhar minha experiência após ter fundado uma associação e um coletivo, além de observado diversos movimentos de pessoas que cairam na “armadilha” de formalizar uma instituição muito cedo.

Obviamente, não há uma regra que se aplique a todas as situações. Nem certo ou errado. A escolha por formalizar vai depender de diversos fatores e deve ser bem pensada. Espero que esse texto ajude na reflexão.

Qual a diferença entre associação e coletivo?

Uma associação é formada por pessoas ou empresas que estabelecem um Estatuto Social criando uma nova entidade jurídica, com missão e mandato bem definido, na qual cada parte (membro) se liga formalmente por meio de direitos e deveres.

Já os coletivos são formados por pessoas que organizam alguma atividade de forma colaborativa e informal (sem registro em cartório e criação de uma nova entidade jurídica).

Muita gente se perde tentando entender qual a diferença entre ONG, OSCIP, Fundação, Cooperativa, Sindicato… Para quem quiser saber mais, recomendo esse manual do Instituto SocioAmbiental. No mais, tudo sobre associação que for dito nesse artigo vale também para todos os demais formatos.

Embora ambas possam se organizar da forma que quiserem, normalmente um coletivo adota maior horizontalidade organizacional. Por não ser hierárquica, a partilha de informação e a tomada de decisão está mais ao alcance de todos os membros, estando os mesmos livres para agir de forma mais autônoma. Também é uma organização mais flexível, pois os combinados podem ser alterados de forma fácil e sem custos adicionais.

Na associação, será necessário definir as regras de funcionamento via estatuto e eleger uma diretoria, onde presidente e tesoureiro, responderão juridicamente e serão autorizados a realizar movimentação bancária pela associação. Embora seja possível dar contornos mais horizontais e não hierárquicos para a associação, o simples fato de haver uma diretoria eleita já traz um elemento de hierarquia. A associação também é mais engessada pelo fato de estatuto e diretoria estarem registrados no cartório. Qualquer mudança custa caro e leva tempo.

Não tenha pressa em criar uma associação

Não queime a largada! Criar uma associação antes da hora pode ser a pior escolha de todas!

Resguardados casos e circunstâncias especiais, sempre defendo que não haja pressa para se criar uma associação. Eis o que acontece a partir do momento que se decide pela criação de uma associação:

1. Custo

Para registrar a associação, o estatuto e ata de fundação, conte com pelo menos R$ 1000 de despesa. Mas não para por aí. Haverá cobranças de taxas relacionados ao local onde estão sediados, para registrar na prefeitura, tirar bloquinho de nota fiscal, tirar o CNPJ, etc.

Você terá também que contratar um contador (meio salário mínimo?) pois mesmo que a associação fique parada, existem obrigações declaratórias frente ao fisco, tais como DES (Declaração Eletrônica de Serviços), transmissão da SEFIP (mensal) e RAIS (anual), emissão de balancetes, balanço anual e Declaração de Imposto de Renda.

É um custo fixo relativamente pequeno mas que para uma organização recém constituida, gera stress e pressão. Ter que passar o chapéu todo o mês para cobrir esses custos desmotiva quem cobra e quem é cobrado

2. Burocracia

Além da burocracia contábil (acima), tem uma burocracia legal e cartorial que deverá ser respeitada: convocação formal de reuniões, eleição dos diretores e conselheiros, com lista de presença e ata registrada em cartório, documentos, estatuto e regimento interno.

Ninguém gosta de burocracia. Várias das organizações morrem nesse processo, pois quando o foco deixa de ser no propósito inicial do grupo e passa a ser na aprovação de um estatuto, gera desânimo e os colaboradores se afastam.

3. Jogos de Poder / Ciúme / Inação

Tem algo que muda quando se indica cargos e responsabilidades.

Além do jogo de poder, vaidade, ego e ciúme que são inerentes a natureza humana, estabelece-se formalmente uma relação de “alguns mandam” e outros “obedecem”. De forma sutil e simbólica, a voz de uns passam a ter mais força que a voz de outros.

Logo, logo, a associação estará dividida em dois grupos de pessoas:

Metade da turma reclamando que não podem fazer nada pois só os da outra metade mandam e fazem tudo. E outra metade falando que fazem tudo e que a primeira metade não participa de nada.

4. Enquanto queremos salvar o mundo, a vida acontece!

Ao contrário de empresas, onde existe um salário, a pessoa bate ponto, pode ser demitida ou ganhar uma promoção, gerando incentivos e compromisso, a natureza do trabalho voluntário é muito diferente.

Quando a coisa aperta na vida das pessoas — doença, crise financeira ou conjugal, falta de tempo, etc — o trabalho voluntário é o primeiro a ser negligenciado.

Quando em uma associação, alguém que assumiu formalmente um papel de “diretor de qualquer coisa”, começa a falhar em seu compromisso, ninguém se sente empoderado para resolver o problema pois o diretor fulano foi legitimizado naquela posição por uma votação, registrada em cartório!

Desta forma, é estabelecido uma relação de culpa e cobrança. As pessoas que não estão dando conta e se sentem péssimas. E as demais, ao invés de ajudar, ressentem que as coisas não estão dando certo por causa de fulano.

No coletivo, as coisas são muito mais fluidas! Quando aparece uma necessidade e alguém não está dando conta, outras pessoas ficam mais a vontade para agirem. Cria-se assim um clima de companheirismo, em que um sabe (e ajuda) na vulnerabilidade do outro.

E o lado bom de ser associação?

Obviamente, tem vantagens também de ser uma associação: ter um CNPJ e conta bancária institucional, maior credibilidade, possibilidade de captar recursos institucionalmente, mais segurança jurídica, adquirir bens que serão propriedade da associação e não de um indivíduo, etc.

No longo prazo, quando a necessidade estiver latente e o grupo estiver maduro, penso que formar uma associação é um passo necessário e desejável.

Enquanto isso não acontece, minha sugestão é que o coletivo resolva essas questões da seguinte forma:

Tenha uma (ou várias) parcerias com instituições que poderão “emprestar” o CNPJ para captação de recursos ou outras ações que necessitem maior formalização.

Nem sempre é necessário ter um CNPJ para captar recursos. Várias fundações já abrem editais que aceitam que um indivíduo receba e se comprometa com os recursos em nome de um coletivo. Para aqueles casos que só dá para concorrer com um CNPJ, é ainda possível fazer uma parceria com uma ONG ou associação para concorrer, receber o recurso e repassar.

Fazemos esse tipo de parceria via Associação Nossa Cidade.

Por exemplo, captamos recurso para compra de equipamentos para compostagem de um projeto do Massalas (um negócio social) que é nosso parceiro.

Em mais de uma ocasião, fizemos captação de brinquedos via CNPJ Nossa Cidade, mas com utilização pela Casa dos Sonhos, a serem distribuidos para as crianças da Vila Nova Cachoeirinha em Belo Horizotne.

Selecione pessoas confiáveis no coletivo para lidar com o dinheiro, e crie uma conta específica para isso.

Existem plataformas como o Paypal ou Wirecard que servem para receber, guardar e fazer pagamentos. Algumas contas digitais como Nubank e ou Banco Inter são baratas, fáceis de se criar e podem ser usadas por algum membro do coletivo para controlar as finanças.

No Awesome Foundation Minas Gerais, um coletivo que ajuda idéias fantásticas a se realizarem, com aportes de R$ 1500, temos uma conta de pessoa física no Wirecard para as transações financeiras. Funciona muito bem. Conseguimos nos focar nas ações que pretendemos sem burocratizar ou aumentar o custo via formalização do coletivo.

Crie um estatuto e regimento interno, sem formalizar.

Ter regras claras de funcionamento é bom.

Por que não criar um estatuto e regimento interno, como se fosse registrar a organização como associação, mas não formalizar o mesmo? Dessa forma, vocês podem testar e ver se essas regras funcionam e fazem sentido. E se precisarem mudar, não vão precisar gastar tempo e dinheiro com cartório.

Teste: Devo abrir uma associação?

Responda as perguntas abaixo. Quanto mais NÃO forem respondidos, mais provável que você NÃO DEVA criar uma associação nesse momento:

  1. Os propósitos e missão do coletivo estão bem definidos e alinhados?
  2. O grupo tem maturidade e experiência trabalhando juntos nessa causa?
  3. Há alguma atuação passada das pessoas que estão mais envolvidas com o coletivo, sobretudo os líderes e candidatos a diretoria, que dê segurança de que estarão compromissados a longo prazo?
  4. Os líderes e candidatos a diretoria estão em uma fase estável de suas vidas? (Por exemplo, se estiverem para mudar de emprego ou começar um novo curso ou empreendimento, se estiverem na iminência de terem um bebê, ou com alguma situação de doença na família, talvez não estejam em uma “fase estável de suas vidas”)
  5. Os membros do coletivo estão compromissados a contribuirem todo mês com um dinheiro para a associação? Esse valor é maior do que R$ 1000?
  6. O coletivo planeja adquirir em breve propriedades (imóvel, veículo, equipamentos) que pertençam ao coletivo?
  7. O coletivo tem necessidade de uso de CNPJ para seu funcionamento?

Independemente se você decidir ser associação ou coletivo, conte com a Associação Nossa Cidade para ajudar em suas atividades. Temos vários associados com experiência relevante na área e que estão sempre muito abertos a colaborar.

Tanto associações como coletivos podem se cadastrar em www.idealist.org , uma plataforma que conecta pessoas com oportunidades de ação (voluntariado, emprego, estágio, encontros, etc) para criarmos um mundo melhor.

A Nossa Cidade é uma associação de pessoas que semeiam juntas o dia em que todos viverão bem, em comunidades abundantes de um planeta saudável.

Acreditamos em pequenas reviravoltas locais.

Junte-se a nós!

--

--

Renato Orozco
Nossa Cidade

Empreendedor Social na www.nossacidade.net, www.awesomefoundation.org e www.idealist.org - eu escrevo sobre empoderamento comunitário e um mundo melhor.