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20 min readDec 15, 2016

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Quando eu tinha 10 anos estudava numa escola em que na porta sempre tinha um homem que vendia picolés. Teve uma época em que esses picolés vinham com mensagens escritas no palito e se você tirasse o palito premiado poderia concorrer a um skate ou uma bicicleta. Depois de seis meses comprando picolés todos os dias a promoção acabou e pararam de vir mensagens nos palitinhos. Nunca ganhei o skate, mas tirei um palito com a frase que me fez ganhar o primeiro selinho da menina que gostava — curiosamente também tirei um palitinho que dizia que quando fosse a hora certa eu começaria a escrever sobre videogames subjetivamente. Enfim, não precisei me preocupar muito com o skate porque no Natal daquele ano eu ganhei um PlayStation com Tony Hawk’s Pro Skater 4.

Videogames sempre vão ter atrelados a si essa capacidade de tentar simular feitos que não podem ser vividos imediatamente pelo jogador. Por isso certos jogos têm como objetivo, mesmo que por um momento que seja, realizar as fantasias pessoais de quem joga videogame, mas não só joga videogame. Daí que surgem os “seja um skatista e faça piruetas no Tony Hawk”, “dirija um carro no Outrun” ou “seja um rockstar no Guitar Hero”. Eu não tenho nenhum problema com esse tipo de apelo; até acho que é bem humano querer criar videogames para fazer as pessoas se visualizarem nessas fantasias, mas tenho dois problemas com Guitar Hero. Veja bem, meu Primeiro Problema é o seguinte: Guitar Hero é um jogo feito para robôs. Talvez isso seja porque aprendi música bem antes de jogar, mas é que o jogo é “perfeitinho” demais. Não acho que a Harmonix não goste ou não entenda de música, vi os vídeos de making of que tinha nos extras dos todos os jogos; sei que eles gostam e entendem. Só que com o Guitar Hero eles tinham essa missão de querer fazer qualquer um se sentir um rockstar e no meio do caminho isso reduziu tanto que se perderam as nuances da música. Jogos de ritmo como ele ou o Rock Band não são sobre as notas, nem sobre a batida. Não importa o quanto você queira meter uma nota a mais naquele solo porque o momento te pede, a música pré-gravada vai tocar ao fundo enquanto você aperta botões que passam em trilhos e não será de outro jeito. Se você apertar o botão na hora certa no GH, a nota sai e o som da música continua; se você apertar o botão atrasado em vez de a nota sair atrasada, você ouve o som de um balde de latão caindo ou de uma lâmpada estourando; se você quiser apertar os botões do mesmo acorde mais umas duas vezes no ritmo da música e o jogo não pediu isso, vem uma microfonia e instrumentos desafinam e tudo vira caos. Deixa eu te falar uma coisa: se você quer fazer um jogo em que os outros possam se sentir um rockstar, não faça eles sentirem como se estivessem separando as roupas brancas das coloridas para lavar, só que cada vez que eles botam uma roupa na pilha certa ganham um doce e cada vez que colocam na pilha errada vem um cara e derruba tudo no chão — também, mas não principalmente, porque tenho certeza que o Dave Murray nunca separou pilhas de roupas durante um show.

Videogames geralmente são mentiras que nós aceitamos acreditar, faz parte do pacto que é jogar. Guitar Hero é um péssimo mentiroso. Jogos como ele são sobre agradar as químicas malucas que acontecem no nosso cérebro quando apertamos um botão na hora certa. Tudo bem até aí, porque essa também pode ser a mesma definição de videogames e eu só tô aqui agora escrevendo isso porque uns 18 anos atrás Sonic me fez gostar de apertar botões, mas tanta preocupação com isso só faz com que esses jogos musicais não sejam sobre música. É a técnica pela técnica sendo colocada no pedestal e isso só acontece porque o resto mundo ainda não descobriu que jogos de luta são a melhor forma de entretenimento que existe.

Meu Segundo Problema com o Guitar Hero é ter pelo menos 40 horas em cada um — bom, menos no Live, esse eu joguei por três minutos em uma loja de videogames. Não é preciso jogar mais do que isso.

Vinte anos antes de Guitar Hero, em 1985, a PSY・S lançou o que poderia ter sido essencialmente o primeiro álbum de música de joguinhos se a Yellow Magic Orchestra não tivesse chegado antes. Sério, depois ouve Big Kitchen ou From The Planet With Love, é Músicas de Videogames — Aula 1. O Different View é um álbum cheio de misturas. Ele tem umas músicas que parecem ter duas ou mais músicas dentro de si. Um monte de ritmos e sintetizadores que vão se sobrepondo e se combinando trazendo ideias que muitas vezes não parecem vir de um mesmo lugar (talvez seja essa a Visão Diferente? (!!!)). Esse primeiro álbum deles é uma experimentação com a música dentro do que ela mesma pode fornecer e é uma experiência muito boa. Em 1993 o Masaya Matsuura, tecladista e líder da banda, fundou a NanaOn-Sha e começou a desenvolver softwares e CDs interativos de música. Três anos depois eles decidiram que era hora da banda terminar; durante 11 anos a PSY・S fez música boa.

A NanaOn-Sha começou a fazer joguinhos em 1996 e tá aí até hoje. Talvez não seja um estúdio tão famoso por não fazer jogos grandes ou não ter uma fórmula de design e nem pretender ter. A impressão que você tem ao jogar um jogo do Masaya é que aquilo foi feito por alguém que cria nas horas vagas por diversão e prazer e que quando sente que aquela ideia também pode ser divertida pra mais alguém, transforma num videogame. Ele é basicamente um desenvolvedor indie com bom senso (uhh) que gosta de fazer jogos experimentais para crianças e tem dinheiro o suficiente pra bancar a própria empresa.

É imensamente importante notar aqui que o principal compositor da PSY・S também foi o primeiro aposentado a ter game design como hobby.

Dois anos depois do primeiro parágrafo, a menina com quem posso ou não ter andado de mãos dadas mudou de escola e eu nunca mais falei com ela. Nesse ano descobri uma loja perto de onde eu estudava que vendia jogos de PlayStation com impressão no disco. Meu pai passou a me levar lá de vez em quando depois da aula para comprar jogos e ficar olhando gente jogar enquanto ele fumava na porta. O filho do dono da loja, apesar de ser meio cretino, era sempre quem me vendia os jogos, já que o pai dele não sabia muito além de Winning Eleven e Silent Hill (desejo tudo de bom para este senhor bem aqui). Eventualmente descobri Vib-Ribbon no meio de um dos estojos de CD da Skol que eles usavam como vitrine e era exatamente como nessa imagem ali em cima. Separei ele e continuei olhando o estojo. Na hora que o filho cretino veio falar comigo eu mostrei os jogos que tinha separado: Ape Escape e Vib-Ribbon. Ele me explicou no primeiro você viajava no tempo caçando macacos com uma rede e no segundo desviava de coisas no ritmo da música e que você podia colocar mais músicas para jogar nele. Essa é a história de como nunca joguei Ape Escape.

Quando cheguei em casa, liguei o videogame e aquele coelho vetorial começou a cantar duas oitavas acima de um humano normal me apaixonei por esse jogo. É impressionismo orientado por som e não por luz. A dinâmica é a seguinte: você tem uma coelha andando em uma linha, a velocidade em que ela anda representa o batimento da música. Dependendo do ritmo e dos timbres, obstáculos específicos vêm na direção dela e você tem que apertar um dos quatro botões para desviar deles. O X faz rolar por cima de ondas no chão, o R1 faz girar num looping, o L1 faz pular por blocos e o direcional pra baixo faz desviar de buracos no chão. Também podem vir coisas como um bloco com ondas em cima ou um looping com um buraco, por exemplo, aí você tem que apertar combinações de botões para desviar. E sabe o que mais, Guitar Hero? Vib-Ribbon deixa você improvisar entre os obstáculos! Isso mesmo, agora sai daqui com esse seu controle em forma de guitarra que você não tá enganando ninguém.

Outra coisa é que não tem números durante o jogo. Seu desempenho na música é representado pela forma da Vibri: se ela vira uma princesa, você está indo muito bem; se ela continuar um coelho você está indo OK; se ela virar um sapo você está indo mal e se ela virar uma minhoca você está horrível. Nem a pontuação do jogo tem números, são formas geométricas que ficam circulando o topo da tela e só viram números depois que a fase termina. No CD mesmo só tem seis faixas de música e você pode até pensar “nossa, esse jogo só tem seis músicas?” Bem, ele exige que você goste de música a ponto de ter discos em casa, então se as músicas do jogo não são boas a culpa é sua. Como eu tinha 12 anos, tive que usar a coleção da minha mãe. Joguei muito Pior É Te Perder — Zezé di Camargo e Luciano. A melhor parte é que não são fases aleatórias, Vib-Ribbon realmente gera elas baseado em padrões que encontra nas músicas, então aquela música sempre vai gerar aquela fase. Colocar um CD nesse jogo é pedir pra sair algo a mais daquilo que você já gosta. Por mais que um dia adaptem Vib-Ribbon para ler pen drives ou o seu Spotify, vai ser bom, mas não vai ser a mesma coisa. O ato de gerar fases a partir de álbuns físicos de música que você tem por perto e nunca considerou colocar dentro de um videogame para jogar é tão videogames quanto apertar botões nessas fases depois. Vib-Ribbon é um dos jogos mais criativos que eu já joguei. Assim como Portal, ele te faz perceber que você sempre quis aquilo que nunca tinha imaginado antes. Outra muito boa de jogar é Dancing Queen. Aparentemente, assim como o Masaya, a Vibri gosta muito de sintetizadores, então músicas pop e com teclado normalmente geram fases mais agitadas do que metal ou até mesmo sertanejo goiano.

(Enquanto eu procurava o vídeo de Dancing Queen achei alguém jogando Revived Power do Shadow Of The Colossus no Vib-Ribbon.)

Bem, 1996 foi o ano em que a PSY・S acabou. O Masaya Matsuura já tinha feito uns CD-ROMs que infelizmente nunca joguei tipo o The Seven Colors. Dá pra dizer que ele estava tentando entender a mídia, já que não demorou para ele querer fazer um jogo que as pessoas pudessem comprar numa loja de videogames. PaRappa The Rapper: The Hip Hop Hero é o videogame mais importante da NanaOn-Sha. Não que os que eles fizeram depois não tenham peso, mas é que o primeiro jogo deles já foi o Chrono Trigger dos jogos de ritmo. PaRappa The Rapper foi feito por um músico, um desenhista, um rapper e um editor de revista que muito provavelmente se reuniam no meu quarto enquanto eu dormia e anotavam cada palavra que eu balbuciava durante a noite (infelizmente ninguém que faz RPGs veio fazer isso ainda, por isso não temos um jogo 3D que começa no momento em que o vilão morre e o jogo todo é sobre um grupo que já se conhece ter que voltar pra casa depois de uma aventura que a gente nunca vai jogar (também com uma progressão de cenário invertida da padrão de RPG em que o ambiente fica mais colorido e feliz enquanto avança — talvez um dia eu faça isso, enquanto não fizer: a ideia tá aí) (eu gosto das cores do Dragon Quest VIII)).

Você deve ter notado no último parágrafo que comparei PaRappa The Rapper e Chrono Trigger e, se você não for o tipo de pessoa insuportável que se ofende instantâneamente com tudo, provavelmente ficou curioso do porquê comparar esses dois. Bem, deixa eu explicar com a diferença entre eles: o grupo de pessoas incríveis que trabalhou em Chrono Trigger já trabalhava com videogames! O Matsuura reuniu as pessoas perfeitas para participar daquilo com ele naquele momento: o Ryu Watabe, que é um radialista e rapper que cresceu e viveu no Estados Unidos até voltar pro Japão lá pelos 1980; o Rodney Greenblat, que é um artista plástico que fazia livros infantis; e o Gabin Ito, que na época era editor de revista e professor de artes. Alguns deles já tinham feito CDs interativos, mas ninguém tinha trabalhado com videogames antes. Todos eles se apaixonaram pelo que estavam fazendo e adicionaram o que só eles podiam adicionar ali, isso é bonito demais. É curioso pensar que a maior parte desses caras não voltou a fazer muitos jogos depois. Eles não se apaixonaram por Videogames, se apaixonaram por PaRappa.

PaRappa The Rapper: The Hip Hop Hero é (provavelmente) o melhor jogo de ritmo que existe e também é o primeiro a ser feito com o coração (certeza). Acho que ele também foi o último jogo que comprei naquela loja de videogames. Foi em dezembro de 2006 — naquele ano passei Natal e Réveillon jogando ele na casa da minha avó (só agora que percebi que fazem exatos 10 anos que isso aconteceu). As fases acontecem de uma forma meio episódica, como se ele fosse um desenho animado (ou como músicas que, por mais que não sejam todas sobre a mesma coisa, ainda são parte do mesmo álbum). PaRappa é sobre um cachorro adolescente que está crescendo e tendo que lidar com coisas que ele acha que talvez não esteja pronto. Ele também gosta de uma garota que faz parte do grupo de amigos. A história aqui é simples e por isso se permite expandir em tantas coisas. Você faz aula de kung fu porque quer lidar com os valentões. Tira carteira de motorista porque quer poder sair com os seus amigos. Vai trabalhar num bazar porque não quer que seu pai brigue por você ter batido o carro dele. Aprende a cozinhar porque quer fazer um bolo para a menina que gosta e depois é convidado para fazer um show e lá se declara pra ela. Tudo isso enquanto um cara que é literalmente um super-herói rico é seu rival amoroso. A simplicidade e positividade que PaRappa traz é excepcional. É um jogo sobre amizade e sobre coragem e é naturalmente pessoal. E ainda tem partes como a de ter que se virar para resolver desesperadamente uma dor de barriga no meio de um encontro — que, vamos ser honestos, é provavelmente o mais realista que videogames jamais serão.

Sério, adoro profundamente estética do Rodney e o humor do Gabin nesse jogo. Enquanto você não tem nem carteira de motorista ainda, o cara que dá em cima da garota que você gosta tem um conversível vermelho de doze metros com piscina; tem também a hora que o Parappa faz caretas por causa da dor de barriga, aí a Sunny fica olhando para ele e pensando: “Parappa looks so manly today…”. É bobo. É bom. Todas as vezes em que tentei mostrar esse jogo para alguém as pessoas reagiam como se fossem Legais Demais Para Jogar PaRappa. “Esses gráficos são ruins demais”. “Que bizarro, tem uma cebola fazendo rap com um cachorro”. “Deixa de jogo de criança e vem comigo pro Conquer Online”. Não, quer saber? Que se foda! Que se foda o Conquer Online também! PaRappa é que é LEGAL DEMAIS PRA VOCÊS. É muito fácil olhar para ele e querer diminuir as coisas ali dizendo que é “brega” ou “de criança” já que todo adolescente tem sempre que satirizar e ironizar até ninguém mais poder sentir nada de verdade no mundo porque tudo vai ser irônico. Bem, Parappa ganha aqui justamente por não ser irônico. Ele é humilde e é consciente dos valores que carrega, justamente por isso abraça eles e mostra a importância disso para quem joga. É reflexo do carinho que os criadores colocaram nele — e não é por ser bobo que essas coisas se tornam menos relevantes.

Apesar de ser basicamente a mesma mecânica de um Guitar Hero: apertar botões para a música sair, não é sistemático como é lá. É um videogame de ritmo em que a música e ato de jogar são uma coisa só porque você não aperta botões só na hora que o jogo pede, mas principalmente quando não pede também. Do mesmo jeito que Vib-Ribbon, PaRappa tem quatro classificações: “Cool”, “Good”, “Bad” e “Awful”. Se você acertar todas as notas que o jogo te manda, sua classificação sempre vai ser “Good”. Para ser maior é necessário improvisar. Não é errado achar primariamente que isso só acontece pelo rap poder ser tão livre, só que três anos depois eles fizeram UmJammer Lammy e mostraram que não é o rap que é livre, mas sim a música. PaRappa requer que você adicione seu ritmo e entusiasmo naquilo, já que o objetivo não está só em repetir o que o jogo manda, mas criar usando as ferramentas que ele dá no momento. Você pode fazer improvisos de um jeito que soe bem ou apertando sem se importar muito pro que sai já que só quer ganhar mais pontos — honestamente, fazer isso é jogar o Metal Gear Solid inteiro com a bazuca com bala infinita. Não é bem o que ele quer que você faça, mas ele te permite fazer (e isso não é uma falha). Reclamar dessa possibilidade no PaRappa é igual quando a sua avó desistiu de te ensinar música quando você era pequeno porque você não quis aprender posicionamento de mão no piano já que a graça ali era brincar de fazer sons. PaRappa é um microcosmo do que é música. É o prazer da expressão sobrepondo o prazer da capacidade de apertar botões. Ele não foi feito para fazer todo mundo querer aprender música, mas foi feito para poder brincar com ela. Por isso que videogames existem.

Eu gosto de PaRappa The Rapper: The Hip Hop Hero por muitos dos mesmos motivos pelos quais gosto de Vib-Ribbon. Ambos são jogos criativos, com botões deliciosos de se apertar, têm um tema musical que é sobre a música, têm poucas ações e justamente por isso conseguem fazer tudo que é possível com elas e foram criados por alguém que sabe que música é mais do que só fazer o barulho certo na hora certa. Masaya Matsuura criou Vib-Ribbon depois de já ter feito o PaRappa The Rapper e enquanto um é sobre as possibilidades que a música tem, o outro é o que ela representa.

Tá, sinto que preciso falar uma coisa. Deixa abrir um parênteses aqui:

(Não quero falar de PaRappa The Rapper 2, não gosto de falar de PaRappa The Rapper 2. Não quero nem tentar fazer uma analogia para ele (espera, pensei em uma). PaRappa The Rapper 2 é como estar na fila da pizzaria de noite esperando há duas horas pela senha 53 e quando chamam ela você descobre que na verdade a sua senha é a 153. Assim que eu me sinto sobre esse jogo. Tenho certeza que no jantar que eles fizeram para comemorar o fim do desenvolvimento do PaRappa tinha um cara da Sony todo empolgado com uma pasta cheia de anotações e ideias para o Segundo Jogo, mas ninguém na mesa quis ser cruel o suficiente pra dizer pra ele que já estavam pensando no UmJammer Lammy e PaRappa não era para ter um segundo jogo. Aí ele abriu a pasta, começou a ler as ideias no meio do jantar e todo mundo foi ficando desconfortável enquanto ele falava que a última tela do primeiro jogo deveria ter escrito “PaRappa The Rapper 2” porque era marketing bom. Durante cinco anos ele mandou todos os dias de manhã um e-mail para o Masaya com as ideias dele organizadas de mais legal até não tão legal assim perguntando “Quando a gente vai poder conversar mesmo? No aguardo”. Esse é o único motivo pelo qual aquilo existe.

Assim, não é que tudo nele seja ruim. Gosto que dê pra mudar a cor do gorro do PaRappa e que cada cor é um nível de dificuldade diferente. Gosto do multiplayer de batalha de rap. Definitivamente não gosto do Practice Time — imagina se em toda fase de Mario o jogo te deixasse jogar ela por quinze segundos para depois te colocar no começo dela de novo dizendo “agora é pra valer, hein!”. Não gosto da maioria das músicas (gosto dessa). Gosto que o Rodney Greenblat aparece como personagem. Não gosto nem um pouco da fixação em macarrão que o jogo tem.

PaRappa The Rapper 2 parece que sofre do problema de se esforçar pra mostrar que é um videogame. Não era mais 1996, agora era 2001. A Sony estava muito mais em cima na produção e a equipe era bem maior também. Não podia mais ser um jogo pessoal como antes e nem um em que as fases não são interligados por uma Trama. Quem Joga quer uma história grande e aventuresca. Quem Joga quer mais e mais barras na tela para mostrar desempenho. Quem Joga quer um vilão. Quem Joga quer um Mundo Principal em que dê pra escolher as fases, mesmo que escolher entre elas pelo menu do primeiro jogo fosse como escolher faixas de um álbum de música! Tá, podia ter um vilão, podia ter uma história sobre macarrão e podia até ter aquelas barras na tela que não dizem nada fingindo que fazem alguma coisa. Podia ter isso tudo se ainda tivesse o mesmo coração que o primeiro jogo. UmJammer Lammy já não tem mais tanto a magia de explosão criativa e natural do PaRappa The Rapper, mas ainda é muito prazeroso. No PaRappa 2 essa ausência é muito maior. É um jogo em que nada parece espontâneo e que também não carrega mais os valores que carregava no primeiro jogo. PaRappa The Rapper é sobre crescer e aprender a acreditar em si mesmo. Você faz as coisas não só por si, mas por quem você gosta. No PaRappa 2 você faz tudo porque fica chocado ao ser chamado de criança e não gosta de macarrão. Aqui o PaRappa é egoísta — isso não está certo. O que eu não gosto na verdade é que PaRappa The Rapper 2 não tenha nem metade da alma que o primeiro tem e isso se espalha por ele todo. É uma pena isso.)

Me sinto meio arrependido de um parênteses de três parágrafos sobre PaRappa The Rapper 2.

Realmente acredito que PaRappa é o jogo mais importante da NanaOn-Sha e o mais triste disso é ele estar praticamente injogável hoje em dia. Assim, videogames estão diretamente atrelados à tecnologia. Não é como quando vamos ler um livro ou ouvir uma música, com videogames precisamos de um jogo específico, do videogame específico, de um controle específico e de uma tela. Isso é o que me faz perguntar: como vou fazer daqui a 50 anos se eu quiser jogar Metal Gear Solid 2? Como vão fazer daqui a 600 anos? Não sei, queria realmente saber. Espero que alguém esteja pensando nisso. O problema com PaRappa é que a grande maioria das telas de hoje demoram muito mais para processar informação do que as de 1996. Têm mais funções, mais filtros, mais opções, mais pixels e várias outras coisas. Tudo isso faz com que a imagem chegue atrasada e, quando reagimos, o computador já processou o erro. As primeiras fases já são um problema, mas as posteriores se tornam quase impossíveis. Por isso que PaRappa, um jogo de ritmo de 96 que não foi feito considerando esses atrasos, tem esse problema. Até o port do PSP sofre um pouco com isso. Outra coisa é que PaRappa foi feito para só ser terminado no modo normal. O modo fácil, apesar de aumentar a leniência e permitir o jogo ser jogado, vai só até a terceira fase. Infelizmente emuladores também têm dificuldades com isso já que nem todas as soluções funcionam para todos. Isso faz com que PaRappa seja bem menos acessível hoje em dia e muitas pessoas não consigam ou prefiram nem tentar jogar, já que há tantas dificuldades para se chegar nele. Geralmente a gente fala de jogos antigos no passado, como se eles deixassem de existir depois de um tempo. “Sonic 2 era muito bom”, “Pokémon Stadium era muito divertido”. Acaba sendo só a forma que a gente olha as coisas mesmo. Eles não eram, eles são. A maioria deles ainda está aí para poderem ser jogados — e espero que sempre estejam. No caso do PaRappa não dá pra dizer bem isso. Ele realmente foi afetado de uma maneira ruim pelo tempo e pela tecnologia. Por isso fiquei tão feliz de ver PaRappa The Rapper no PlayStation 4. Não é uma “nova chance” para o jogo, mas uma nova vida para ele. Não é dizer “ele voltou” para um remaster de um jogo que só está sendo atualizado visualmente, mas ainda é perfeitamente jogável no original. PaRappa voltou porque, em um certo ponto, ele realmente foi. Ver ele no PS4 é ver um videogame se tornando acessível de novo e sendo capaz de ser jogado por mais e mais pessoas. Mais oportunidades de surgirem experiências como a que tive no dezembro de 10 anos atrás.

Já falei como é fácil ver o carinho que as quatro pessoas pessoas que criaram esse jogo têm por ele: Masaya dirigindo e fazendo as músicas, Rodney com a direção de arte e animações, Gabin Ito com a escrita e os cenários, mas eu queria falar um pouco do Ryu Watabe, que escreveu as letras do jogo e fez a voz do Chop Chop Master Onion. Ele quem colocou no jogo o “I gotta believe” que o PaRappa fala antes das fases. É que quando ele estudou nos Estados Unidos, o time de futebol americano da escola dele tinha “you gotta believe” como lema. Uma vez ele contou numa entrevista que isso é muito importante para ele, porque quando eles subiram de divisão tiveram que enfrentar times mais fortes e mais preparados e nos momentos mais complicados das partidas eles gritavam uns para os outros esse lema para não deixar ninguém querer desistir ou desanimar. Por isso esse também ia ser o nome do primeiro álbum dele, mas no fim decidiu dar isso ao PaRappa. O Ryu disse que os japoneses normalmente são muito negativos e pessimistas e que talvez precisassem de um pouco dessa positividade. Esse tipo de coisa que eu quis dizer quando falei que essas pessoas se apaixonaram pelo o que estavam criando. Watabe queria que esse lema, que é tão importante para ele, se tornasse importante para quem estivesse jogando também. Outra coisa a se notar é que PaRappa não fala essa frase antes de todas as músicas. Antes da fase do banheiro e antes do show final isso não acontece. Talvez porque não fizesse sentido ele dizer que precisa acreditar em si enquanto estava apertado pra ir ao banheiro. Pode ser também justamente porque acreditar em si mesmo não é para ser uma resposta para tudo, mas sim o começo do caminho para que você possa achar suas próprias respostas depois. Provavelmente não foi por isso — vamos fingir nesse texto que foi.

PaRappa The Rapper: The Hip Hop Hero é sobre nós, mas não do jeito que Guitar Hero pode ser sobre nós. Ele não é feito para agradar o ego e o cérebro pela habilidade de apertar botões, ele é feito para alcançar quem somos mesmo quando não estamos apertando botões. Fico feliz de olhar para as coisas que o Masaya cria mesmo que não façam muito sucesso ou que eu não goste de alguns jogos. Me faz pensar em como precisamos de mais pessoas preocupadas em nos fazer sentir alguma coisa e menos pessoas preocupadas em nos dizer como devemos nos sentir. Tenho certeza que a maior causa desse problema é ter menos gente que o necessário que ama ICO e Out of This World hoje em dia. PaRappa The Rapper só podia ter nascido no PlayStation, com qualidade de áudio de CD e com limitação de CD. Ele é uma manifestação daquelas quatro pessoas juntas naquele exato momento. Se um dia eles se reunirem de novo e sair PaRappa The Rapper 3, ele não vai ser e nem precisa ser como o primeiro — não tem como existir outro PaRappa igual aquele de 96. O que precisa existir são jogos como PaRappa, esses nunca podem deixar de existir.

A verdade aqui é que as coisas nunca são um fim em si mesmas, por mais que a gente às vezes possa achar que sim. Tudo está sempre reverberando e se impactando, até o que só existe para ser autossuficiente. PaRappa The Rapper é um exemplo de pureza e honestidade criativa, e ele sair para o PlayStation 4 em 2017 me faz ter esperanças de que impacte mais gente. Que tudo que ele representa e carrega consigo possa afetar quem jogar e que isso os ajude a se moldarem e a crescerem como pessoas. Muito provavelmente ele não vai ensinar valores a ninguém, mas com certeza vai ecoar em quem já tem esses valores dentro de si. Talvez justamente por ele significar tanto que é tão especial ele voltar. É um jogo surpreendente, humilde e generoso e fico feliz por mais pessoas poderem jogá-lo agora. Realmente acredito que ele possa ser tão importante hoje em dia como foi em 96 e principalmente em 2006.

Feliz Natal, PaRappa.

-Fellipe Mendes

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