A Introdução

Felipe J.S. Ant
O Cangaceiro, uma visual novel
3 min readDec 9, 2016

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Ou, como conheci personagens em um Uber no Ipiranga.

Devagar e sempre, é como tenho definido o andamento da Visual Novel. Fiz a primeira versão da parte que irá introduzir os personagens ao leitor.
Introduções são bem difíceis de se fazer naturalmente, mas quando se encaixam são coisas maravilhosas. Somos introduzidos a novos personagens todos os dias em nossa vida. Amigos de amigos, colegas de escritório ou o mendigo que vem pedir cigarro e engata uma conversa. Ouvimos a fala, preenchemos lacunas e fazemos nosso julgamento (é impossível escapar disso). Sim, eu sei que você faz isso, não minta pra mim. Recentemente, estava retornando da inauguração de um restaurante de um amigo muito querido lá no Ipiranga, um bairro bem tradicional de São Paulo. Peguei um Uber e quando o motorista viu o destino Guarulhos que lhe aguardava ficou surpreso. E esse foi o estopim para um início de conversa

- Longe hein? Você trabalha aqui?
- Não, vim para uma inauguração de um restaurante de um amigo.
- Restaurante, é? Quem é o dono? Eu morei aqui minha vida toda. Conheço todo mundo. Eu fui artista plástico sabe? …

E assim fomos o caminho todo, ele me resumiu muitos anos da sua vida em trinta minutos de viagem.

-…. eu sou viúvo, perdi minha esposa recentemente, foi câncer. Mas a gente já não morava mais junto. Ela me largou. Eu não a culpo, ela disse que não me amava mais e , o que eu podia fazer? Deixei ela livre. Mas dei uma pirada.

Tem quem chame isso de Freetalker (em tradução literal, um falador livre) , o tipo de pessoa que sem solicitação despeja sobre você toda uma história. Tem quem não goste. Eu confesso que gosto bastante deles.

- …eu tava com depressão e nem sabia, eu nem sabia o que era depressão. Vou te falar que é uma coisa pesada. Na separação eu fiquei com uma casa grande, mas sozinho, muito sozinho. Aí eu bebia. Eu tive problemas com bebida, mas parei …”

Esses são os ganchos que nos fisgam. Em minha cabeça eu juntava as peças. Ele me introduzia uma história ao qual o final já estava revelado, ele dirigindo um Uber, a esposa falecida. Ele me falou de outros relacionamentos dele, nesse período de pirada. Contou como a família de sua ex esposa e o atual marido dela (mais um personagem) tinham se voltado contra ele em uma situação que ele jurava inocência.

…eu fazia umas pinturas em tampas de garrafa e vendia na República. E quando eu tô criando, eu coloco um som alto, fone de ouvido e me isolo. Mas naquele dia eu vacilei e deixei a porta trancada. Minha esposa não tinha chave. Ficou na porta batendo. A família dela falou que eu tinha expulso ela de casa. Perguntaram se eu voltei a beber. Foi uma merda…

Eu ouvia a história do ponto de vista dele e tentava desvendar o que os outros personagens estavam pensando. Você já leu histórias assim? Aquelas onde do ponto de vista do narrador tudo está normal, mas a narrativa deixa escapar pistas que indicam que existe muito mais por trás das cenas. Chegamos ao ponto final, me despedi e agradeci o papo. Provavelmente nunca mais o veja, mas ficou em mim que se meus personagens forem 50% ricos como a vida desse cara…minha história será muito boa.

Abraços!

Felipe J.S. Antunes

O Cangaceiro é um projeto de Visual Novel baseado no sertão nordestino de 1932. Saiba mais sobre o projeto clicando aqui!

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Felipe J.S. Ant
O Cangaceiro, uma visual novel

Quando escrever um livro, me chamarei escritor. Enquanto isso, vou tentando