Moreno e Durvinha ( Foto: Leonardo Lara)

Herói ou Vilão

Como o cangaço desmoraliza as simplificações do bom x mal

Felipe J.S. Ant
O Cangaceiro, uma visual novel
4 min readOct 26, 2016

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Creio que cometi um erro no ultimo artigo dessa publicação e quero repará-lo. Nele, eu mencionei as etapas que pretendia cumprir para escrever a visual novel O Cangaceiro, mencionei estrutura e escrita do texto, busca de imagens e da música que foi o foco principal do texto. Porém, injustamente (ou ingenuamente) esqueci de incluir uma etapa anterior e crucial: A pesquisa.

Meu desejo é que o O Cangaceiro seja o mais fiel possível ao tempo e local em que sua história se passa, para que além do entretenimento, seja também uma forma de mostrar para o leitor/jogador fatos históricos e a cultura do sertão nordestino do inicio do século passado.

Entendo se você achar que isso parece chato. Falar de história e cultura remete aqueles programas de baixo orçamento de TVs estatais, porém a verdade é que temos exatamente o oposto do marasmo na história brasileira. Fenômeno o cangaço , personagens e narrativas como a de Lampião e Padre Cícero são absurdamente maravilhosas, ao mesmo tempo que são praticamente desconhecidas da maioria dos brasileiros. Muito desse desconhecimento se dá pela forma como essas histórias são contadas. Pergunte a qualquer amante de Mangás e Animes quantas lendas japonesas ele conhece e provavelmente você confirmará essa premissa.

E como dediquei essas ultimas semanas para pesquisa, tem uma história em especial que quero compartilhar

Ladrão ou Cidadão

Jovina e José Antonio , um casal de idosos vivendo uma vida comum. Não falavam do passado, evitavam perguntas sobre família, até o dia em que, por perguntas insistentes de uma das filhas, o casal revelou ser Durvinha e Moreno, membros do bando de Lampião, foragidos a mais de 60 anos. Esse é o mote do documentário Os ÚIltimos Cangaceiros (2011) de Wolney Oliveira, que se baseou no livro Moreno e Durvinha, sangue, amor e fuga no cangaço, de autoria de João de Sousa Lima.

O documentário é primoroso em contar a história do casal, de sua busca pelos parentes e até de um filho deixado para trás na fuga. Vou linkar o video no final da postagem e recomendo muito que você o assista depois, e fique tranquilo que os detalhes que vou citar abaixo não estragarão sua experiencia com o documentário. Farei um recorte bem pequeno que chamou minha atenção.

Se você procurar por Lampião, a frase que mais vai encontrar em sites, blogs e livros é “Herói ou Bandido”. Essa é a dúvida que surge ao tentar enquadrar o cangaço em caixinhas de “bem” ou “mal”. A indefinição também transparece nas caixas de comentários de redes sociais, onde se alternam os vivas à cultura nacional e a resistência do homem pobre com a condenação por crimes brutais e a associação direta ao crime.

“Eu já tinha matado um em Cajazeiro do Olho do Peixe, fez dois, depois matei outro, fez três, depois outro, teve um tiroteio matei duas policia, e foi rendendo, foi rendendo, até que, para minha recordação, eu ainda matei vinte um”

Essa é a fala de Moreno, para a imprensa local, pouco antes do filme cortar para a cena em que ele é recebido pelo prefeito e secretário da cultura da sua cidade natal, Brejo Santo. Em outro momento, ao contar que era jovem e que iria para Juazeiro e ser policial, foi preso pela policia da cidade, que lhe bateu até que ele confessasse um roubo de um carneiro. A cada pancada os policiais gritavam — Você é ladrão! — e ele respondia: — Eu sou um cidadão.

Você é ladrão! — Eu sou um cidadão!

E após surra de “adormecer o couro”, ele decidiu que, em suas palavras: “agora era viver ou morrer, eu vou é procurar Lampião e vou virar cangaceiro”. E virou.

A esposa de Moreno é Durvinha , filha de fazendeiros locais, escolheu acompanhar um dos cangaceiro, muito bonito segundo ela. Existem referências que contam que as mulheres eram valorizadas no cangaço. A fama de Maria Bonita não é a toa. Existia um protagonismo feminino que se destacava.

Porém, novamente, entramos na área cinza, da mesma maneira que Durvinha e muitas outras escolheram seus destinos, outras foram capturadas. Algumas foram bem tratadas, outras sofreram a violência e agressões. O cangaço foi o nosso faroeste, muito mais na linha de Os Imperdoáveis do que nas fitas heróicas de Jonh Wayne.

Ficção ou Realidade

São histórias do século passado. As lições que deveríamos ter apreendido. As etapas que deveríamos ter superado. Chega a ser estranho pensar que, apesar de todos esses fatos mostrarem que a vida não se molda em preto e branco, nós continuemos a insistir em classificar pessoas e acontecimentos dessa forma maniqueísta. Reproduzimos na realidade as certezas que só temos na ficção, onde nós como privilegiados expectadores temos o domínio de todos os fatos ocorridos e da psicologia dos personagens.

E essa é a impressão que O Cangaceiro tem que deixar em seus leitores/jogadores. Não quero que você fique tranquilo, nem que se sinta confortável em qualquer decisão. Não existem heróis nesse mundo, e tampouco existem puros vilões. Decisões cinzas são difíceis porque sempre implicam em perda ou talvez uma injustiça. Se você se sentir assim ao jogar, sentirei-me recompensado!

Obrigado a você que chegou até aqui. Se ficou curioso com o projeto e quer acompanhar o desenrolar dessa escrita, peço que inscreva seu e-mail clicando aqui. Ao confirmar sua inscrição te enviarei como agradecimento o primeiro texto desse livro jogo. Recebi ótimas respostas sobre o último post e ficarei muito feliz em receber suas dúvidas, criticas ou elogios. E se você ja for inscrito, mais uma vez, meu muito obrigado!

Fiquem abaixo com o documentário completo Os Últimos Cangaceiros. Que ele seja tão bom para vocês quanto foi para mim.

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Felipe J.S. Ant
O Cangaceiro, uma visual novel

Quando escrever um livro, me chamarei escritor. Enquanto isso, vou tentando