Estátua de Pe. Cícero em Juazeiro do Norte — CE

O Milagre de Juazeiro

Uma hóstia vertida em sangue e símbolos de poder

4 min readDec 23, 2016

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Era o finalzinho de 2015, estava deitado no sofá decidido a finalizar o último livro do ano. Era como fechar um ciclo, não deixar pendências para o ano seguinte.

É claro que nada disso é real, são só mudanças de calendário, mas por mais que tentemos ser racionais, a virada de ano é um simbolo e o simbolismo tem muita importância para nós.

O livro também falava de um símbolo. A biografia do Padre Cícero, o Padim Ciço que volta e meia ouvimos como interjeição na boca de um nordestino.

O tempo passa e perdemos as origens, ouvimos tantas vezes essa expressão que ela se torna comum. É como se fosse só mais um santo. Nos parece um pedido de ajuda automático e estéril ,como alguém dizendo “Graças a Deus” mesmo sendo ateu. Não damos bola para a força. Não sacamos a origem.

Então parando um minuto para pensar é fácil perceber que, para um nome se tornar quase uma prece, o dono desse nome não pode ter tido pouco significado.

E Padre Cícero tinha.

O livro é a excelente biografia de Lira Neto , Padre Cícero — Poder, Guerra e Fé no Sertão, a inspiração original para essa Visual Novel. Um trabalho de pesquisa magnífico e escrita primorosa que contou com cartas que Pe. Cícero trocava com a Igreja.

Existem muitos episódios na vida de Pe. Cícero que merecem atenção, como sua visita a Roma ou seu arranjo com Lampião para combater a Coluna Prestes, mas como estamos no terreno do simbolismo vou passar rapidamente por um episódio em especial.

O Milagre de Juazeiro

Certa ocasião, a beata Maria de Araújo, uma das beatas que viviam com Pe. Cícero ao receber a comunhão ficou assombrada, pois a hóstia tinha se tornado sangue. O sangue de cristo. O milagre na pequena cidade de Juazeiro, praticamente uma vila, causou furor e peregrinação entre a população, que possuía um cristianismo considerado “primitivo” pela igreja. Pois misturava as lições dos padres com o misticismo local. O milagre se repetia e se repetia, e chamou a atenção de jornalistas e, claro, da própria igreja.

O Bispo D. Joaquim José Vieira não gostou das novidades, era uma época em que a Igreja tinha como intuito reforçar seus dogmas e “padronizar” suas crenças nos vários lugares do mundo em que ela estava presente. O milagre de Juazeiro, um fim de mundo, um lugar esquecido por Deus, ia contra essa orientação, de modo que o Bispo pediu esclarecimentos para Pe. Cícero.

O padre habilmente enrolou o bispo, dizendo que aceitava suas orientações porém continuamente incentivando as peregrinações e o culto a beata. D. Joaquim encaminhou uma primeira comissão para investigar o caso. Após experiencias(!!), o milagre foi atestado como verdadeiro. Porém, uma nova comissão foi criada, que invalidou o resultado anterior e constatou o milagre como falso. Pe Cicero iria enfrentar uma excomunhão por isso, e os padres da região foram proibidos de incentivar o culto.

A mentalidade européia determinava. Jesus não faria milagres nos cafundós do Brasil (inclusive isso é frase que está no livro)

Essas semanas saiu notícia que o sangue de São Januário, guardado por centenas de anos, não se liquefez na data esperada. Qual a diferença entre o sangue de São Januário e o sangue de Jesus vertido pela beata?

Só a localização geográfica e o centro de poder.

Crescenzio Sepe, arcebispo de Nápoles, mostra a ampola com o que seria o sangue de são Januário em 2012

Verdadeiros ou não esses milagres eram símbolos. Obras mistícas ou truques terrenos, o poder que eles trazem são reais. Poder sobre as pessoas através da fé. Poder de se tornar um líder de multidões. Como Pe. Cícero, como o bispo D. Joaquim, como os coronéis e os cangaceiros.

Abraços,

Felipe J.S. Antunes

O Cangaceiro é um projeto de Visual Novel baseado no sertão nordestino de 1932. Saiba mais sobre o projeto clicando aqui!

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Quando escrever um livro, me chamarei escritor. Enquanto isso, vou tentando