Contos

De Volta às Práticas Espirituais

Conversa Sob a Fogueira e as Manifestações do Trabalho Interno

Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro
6 min readApr 20, 2020

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*(O conto a seguir foi baseado em experiências reais)

- Haux, Haux, Haux!

- Haux, Haux, Haux!

E com essas palavras - de origem indígena e utilizada em rituais antigos - encerrava-se mais uma prática espiritual noturna. Cada um dos irmãos e irmãs, que até então estavam deitados ou sentados em seus colchonetes extendidos no piso do Instituto, agora encontravam-se todos de pé, interagindo e conversando a respeito da prática.

Localizado a algumas dezenas de quilômetros da cidade, lá na Chácara (Instituto) é possível respirar ar fresco graças à mescla de fazenda e mata. Até mesmo os líquens das árvores que lá habitam possuem uma coloração rosada, indicando a pureza daquele ar.

Fotografia: Brett-Jordan

A estrutura principal do Instituto é toda feita de madeira — com suas bases de madeira maciça — e com acrílicos nas laterais do teto, que permitem a entrada de raios de sol pela manhã até o final da tarde. Há muitos enfeites e imagens espirituais espalhados pelo teto e pelas paredes, como filtros de sonhos, imagens de animais de poder, mestres espirituais etc.

Fotografia: Rodion Kutsaev

Tudo foi construído visando a sustentabilidade: a água é obtida de um poço artesiano e captação de água de chuva; no telhado há placas de captação de energia solar; da gordura animal faz-se sabão; entre outras práticas.

Eram 22h00 e não demorou para alguém abrir a porta traseira do Instituto, onde havia um pequeno trajeto de terra - rodeado por grandes árvores e a natureza exuberante do terreno - que levava às fogueiras ali próximas, acesas por outros irmãos e irmãs (que não haviam realizado a prática naquela noite).

Era início de outono e as noites começavam a ficar mais frias, principalmente em meio àquela natureza.

Eu estava bem agasalhado, com meias de lã, conjunto moletom, um poncho bem grande e uma toca de pêlo de Lhama que meu amigo-irmão peruano Hermano havia me dado de presente quando retornara de Cuzco, sua cidade natal.

Meu Deus, que vento frio, Hermano!

Hermano e eu havíamos realizados a prática naquela noite e agora caminhávamos até as fogueiras, apreciando aquele vento frio, porém agradável, e sentindo a grande energia daquela lua cheia, que parecia encarar tudo abaixo dela, de maneira serena a atenciosa.

Fotografia: Wil Stewart

Lá o céu é tão limpo de poluição luminosa que é possível avistar inúmeras constelações estelares, manchas cósmicas e estrelas cadentes. Eventualmente escutávamos barulhos e cantos vindo da floresta por conta do vento e dos animais que nela habitam. Outras vezes jurávamos ter visto algo diferente no céu ou movendo-se em meio à escuridão…

Vai saber… eu acredito em extraterrestres, você não?… Nem a pau entro ali!… Hahah vai você primeiro!… Mano, falei pra você trazer luvas!… Sim, vamos pitar o seu tabaco!… Beleza, comemos alguma coisa antes de dormir… Chegamos!

Passado o leve declive daquele caminho de terra, finalmente havíamos chego às fogueiras, localizadas num terreno relativamente plano. A primeira delas era bem grande, com um raio de aproximadamente seis grandes passos até seu centro e com troncos de árvores ao redor, improvisados como bancos.

Fotografia: Where is Pykh

Haviam outras duas menores: uma delas diagonalmente à esquerda da primeira fogueira, com pessoas tocando tambores, violão, dançando e cantando músicas das antigas religiões; e a outra, localizada diagonalmente à direita da primeira, mais ao fundo, com pessoas dormindo dentro de sacos térmicos, bem agasalhadas e confortáveis.

Sentamos em volta da maior. Haviam 11 pessoas ao seu redor, contando conosco. Algumas conversavam baixinho entre elas, pitando tabaco - muito sagrado e respeitado pelos xamanistas devido ao seu poder de cura - em seus cachimbos; outras apenas contemplavam e aqueciam-se perante aquela bela chama, com ou sem cachimbos.

Começamos a pitar o tabaco que Hermano havia preparado na semana anterior e, compartilhando do mesmo cachimbo, - que fora entalhado artesanalmente por um outro irmão nosso do Instituto - começamos a conversar.

- Hermano, já estava com saudades de nossas conversas sob a fogueira.

- Si, eu também Irmão… La experiência en el barco, en mar, foi bom?

- Muito boa, era isso que eu estava pedindo ao Universo. Só não sabia que viria desta maneira: trabalhando por quatro meses em alto- mar…

- Nunca sabemos como ven, no?

- Pois é… Até hoje me supreendo com isso. É o trabalho interno agindo…

- Se confiamos y sabemos o que queremos, las cosas simplesmente acontecem…

(Naquele momento lembrara do livro que lera há um ano, “A Lei da Atração”, que falava justamente disso: de sabermos o que queremos para poder atrai-las.)

-Curioso: li um livro, há um ano, tratando deste assunto:

Para descobrirmos o que queremos, basta utilizarmos daquilo que não queremos e nos perguntarmos “Então o que eu realmente quero? E… pronto!

- Eliminar as dúvidas é a raíz no é mesmo, Irmão?

-Sim…

Fotografia: Joshua Newton

(Os estalos na madeira em chamas e o canto dos grilos ajudavam a criar o ambiente propício para aqueles tipos de conversas: agregadoras e reflexivas)

- E você… o que conta?

- Seguindo o trabalho interno: observando-me e buscando eliminar os “defeitos psicológicos”… muitos “Eus”…

- É uma jornada. Talvez levemos uma vida inteira…

-Si, verdad…

-E é isso que queremos, não?

-Si, si!

Era quase meia-noite quando nos levantamos para comer algo e - apesar da boa conversa - naquele momento só pensava em meu saco de dormir, situado em frente à outra fogueira, há alguns metros de onde estávamos.

Passado uns minutos após deitar-me e apreciar o belo céu noturno (como descrito anteriormente), viro-me repentinamente em direção à escuridão das árvores e percebo dois grandes olhos amarelos foscos, fitando-me.

(Meu Deus! Que susto!)

Fotografia: James Lee

Percebi que era uma linda e enorme coruja marrom. Ficamos nos encarando por um longo segundo e, assim que ela silenciosamente abriu seu bico e direcionou seu pescoço à mim, - como num gesto de pergunta - foi embora.

(É o trabalho interno novamente se manifestando…)

Fotografia: Aron Visuals

E foi assim que, após quatro meses fora, retornava às atividades espirituais: com a sabedoria lançando-me uma pergunta, em plena lua cheia.

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Abraços de Falcão,
Pablo Gauna

Escritor do blog O Chamado do Guerreiro.
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Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

“We are a circle within a circle, without a beginning and without an end”