18 dos 20 maiores times do Brasil se posicionaram pela causa LGBT. Por que isso é histórico?

Há 4 anos, nenhum deles fazia qualquer menção ao tema. A ‘chave’ virou e os clubes perceberam o óbvio: não podem falar apenas para torcedores heterossexuais. Só Ceará e Athletico permanecem calados.

João Abel
O Contra-Ataque
7 min readJun 29, 2020

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Você talvez não soubesse ou descobriu nos últimos anos que, em 28 de junho, é celebrado o Dia do Orgulho LGBTQIA+. Neste ano, segundo levantamento d’O Contra-Ataque, 17 dos 20 clubes de maiores torcidas** do Brasil decidiram fazer publicações com menção à data. Todos também se posicionaram no último 17 de maio, Dia Internacional de Luta Contra a LGBTfobia. Um 18º time, o Vitória, fez publicação no dia 17/5, mas ignorou o 28/6. Apenas Ceará e Athletico Paranaense*** continuam em silêncio sobre o assunto.

Se retrocedermos dois anos, em 2018, apenas Internacional, Bahia, Vasco, Flamengo e Grêmio haviam exposto algum tipo de posicionamento em relação à causa LGBT. E se voltarmos mais dois anos, em 2016, a pauta sequer existia. O gráfico abaixo escancara como a adesão ao discurso aumentou:

NOTA IMPORTANTE (1): Este levantamento foi feito com base em uma busca avançada na plataforma Tweetdeck. Refere-se, portanto, apenas às publicações feitas no Twitter. Também limitei a pesquisa a 20 clubes. Os critérios foram: 1. maiores torcidas**, segundo um cruzamento de dados entre pesquisas recentes da Pluri Consultoria e do Datafolha; e 2. mais presença nas redes sociais. Também optei por ter sempre dois ou mais clubes de um mesmo Estado na pesquisa(Ceará e Fortaleza, Bahia e Vitória, Athletico e Coritiba, etc) para efeito de comparação regional. Alguns outros clubes tradicionais que se manifestaram no Dia do Orgulho foram: Portuguesa, Paraná, Náutico, América Mineiro, Paysandu e Remo. Caso tenha encontrado alguma inconsistência, escreva nos comentários.

NOTA IMPORTANTE (2): Uma primeira versão deste gráfico foi publicado sem considerar post feito pelo Flamengo em 28 de junho de 2017. Após alerta feito pelo seguidor Ricardo Taves, a correção foi feita à 1h13 de 30/6/2020.

Ok, talvez você se pergunte: “Mas o que um post no Twitter significa? Há alguma relevância nisso?”. A resposta é sim e não. SIM se pensarmos que os clubes, finalmente, perceberam que sua comunicação deixou escanteado por muito tempo um público imenso, os LGBTs, e que, agora, eles precisam correr atrás do prejuízo, bancando o posicionamento diante de torcedores mais conservadores. E NÃO se olharmos para o objetivo final ainda distante de ser alcançado: a real inclusão desse público no contexto geral do futebol brasileiro.

A despeito de ser um esporte marcado pelo padrão heteronormativo, o futebol não está alheio a um contexto claro de alinhamento das marcas ao movimento LGBT e suas derivações. Você pode já ter ouvido falar em pink money, termo cunhado para descrever o poder de compra da comunidade LGBT. Este texto do Pink Ads explica bem o conceito.

Em resumo, mais marcas estão dispostas a estender a mão (e a caixa registradora) a lésbicas, gays, bis, transexuais. Em algumas gerações (oremos), ser LGBTfóbico vai ser algo tão fora do padrão e das leis vigentes que aqueles que não se posicionarem AGORA vão ter perdido o bonde da história. Money talks. E os clubes, ainda que comandados por homens cis brancos heterossexuais com um pensamento do século passado, tem mostrado mais preocupação com posicionamento de mercado. São ‘marcas’ que carregam milhões de fãs. Nações, como muitos deles gostam de dizer.

Viu campanhas como as da Ambev ou Burger King pingando nas redes sociais por aí?

Vou usar um exemplo pessoal: apesar de ser fã de futebol, não faço o tipo ‘colecionador fanático’ de camisas. Tenho alguns uniformes do meu time, outros de clubes estrangeiros… e, no ano passado, decidi comprar uma camisa do Bahia. Só algum tempo depois eu comecei a refletir sobre o porquê de ter comprado, mesmo sem ter qualquer tipo de laço com o time tricolor. Foram os recentes posicionamentos do clube que fizeram nascer em mim uma aproximação com o time. O Contra-Ataque já fez um brilhante podcast que explica por que o Bahia se tornou vanguarda no primeiro escalão do futebol brasileiro:

Só mais um exemplo: o Coritiba lançou na semana passada, em sua conta no Instagram, o sorteio de um jantar oferecido a um casal de torcedores no gramado do Estádio Couto Pereira. Até aí nada demais, se a campanha não fosse exclusivamente voltada a casais LGBTs.

São poucos os clubes que, como o ‘Coxa’, promovem ações além de posts nas redes sociais. Por isso, é importante destacar esse tipo de posicionamento que sai do papel. Não à toa Bahia e Inter foram clubes que largaram na frente naquele gráfico que você viu no início deste texto.

O Bahia tem hoje um núcleo específico de ações afirmativas e lançou uma coleção de camisas intitulada ‘Clube do Povo’, com referências à luta de mulheres, LGBTs e negros. Inspirado nos baianos, o Internacional também criou, em 2019, uma diretoria de inclusão social, comandada por uma mulher, Najla Diniz.

Apesar de não ter entrado no escopo do levantamento, não posso deixar de citar o Náutico. O clube do Recife lançou um botão em seu aplicativo oficial para que torcedores denunciem casos de homofobia, além de racismo e violência doméstica.

Enquanto fazia este levantamento, questionei um amigo atleticano: ‘Por que os clubes de Minas demoraram tanto para se posicionar?’. A resposta que recebi foi curiosa: ‘Acho que tem/tinha a ver com um medo de uma reação adversa da torcida. Meio que nenhum dos dois (Atlético Mineiro e Cruzeiro) têm/tinha vontade de ser o primeiro, entende?’. O que me leva a um outro ponto que pode explicar o aumento exponencial de clubes que se posicionam em datas alusivas ao movimento LGBT: a rivalidade. Se o rival toma um ‘primeiro passo’, larga na dianteira. Você viu no gráfico que Inter e Grêmio começaram mais cedo que os demais (lá em 2017) e não deixaram a causa cair no esquecimento desde então.

Curiosamente, Atlético e Cruzeiro tiveram posicionamentos bem assertivos nas publicações que fizeram no Dia Do Orgulho este ano. O time alvinegro publicou um vídeo pesado em que expõe comentários homofóbicos de torcedores atleticanos e destaca: UM LGBT É MORTO OU SE SUICIDA NO BRASIL A CADA 26 HORAS VÍTIMA DE LGBTFOBIA. Os celestes mudaram as cores de sua foto de perfil, estampando os tons do arco-íris. Veja todas as publicações feitas no 28 de junho ao final deste texto.

Comparação com outros países

Para traçar um paralelo, decidi observar a adesão de grandes clubes estrangeiros à data, já que o Dia do Orgulho é uma celebração (e um dia de luta) internacional. Para delimitar a análise, foquei a pesquisa: 1. nos 24 clubes da primeira divisão argentina (por ser um país próximo, latino-americano e com presença marcante do futebol) e 2. nos 32 clubes da atual edição da Liga dos Campeões da Europa. Os resultados:

Na Argentina, 21 dos 24 clubes se posicionaram: Boca Juniors, River Plate, Vélez, Racing, Argentinos Juniors, Lanús, San Lorenzo, Rosario Central, Newell’s Old Boys, Arsenal, Talleres, Estudiantes, Independiente, Atlético Tucumán, Unión, Banfield, Gimnasia, Patronato, Huracán, Colón e Godoy Cruz. Os únicos que se calaram: Defensa y Justicia, Central Cordoba e Aldosivi.

Posts de Rosario, Newell’s, Lanús, Racing, River e Boca. Ao fazer o levantamento, descobri que o Rosario, inclusive, tem uma Secretaria de Gênero, com subcomissões de mulheres e de diversidade.

Na Europa, um cenário bem diferente. Só um dos 32 clubes analisados fez menção à data: o Valencia, da Espanha.

O Tottenham, um dia antes, no sábado (27/6), também publicou uma nota em seu site sobre torcedores que tiveram de comemorar a Parada LGBT de Londres dentro de casa, por conta da pandemia de covid-19.

Os outros 30 clubes, de diferentes países europeus, deixaram a data passar em branco: Paris SG, Real Madrid, Brugge, Galatasaray, Bayern, Olympiacos, Estrela Vermelha, Manchester City, Atalanta, Shakhtar, Dinamo Zagreb, Juventus, Bayer Leverkusen, Lokomotiv, Liverpool, Napoli, Salzburg, Genk, Barcelona, Borussia Dortmund, Internazionale, Slavia Praga, Lyon, Leipzig, Benfica, Zenit, Chelsea, Ajax e Lille.

Mesmo uma busca pelo termo ‘LGBT’ associado aos principais clubes europeus resulta em poucas menções. Isso nos leva à hipótese, já levantada neste texto, de que o movimento dos times de futebol no Brasil (e aparentemente também na Argentina) é uma espécie de ‘onda’. Onda esta alimentada por um reposicionamento de marca e pela rivalidade inerente ao esporte, já que existe uma pressão quando o clube arquirrival se posiciona diante de determinados temas e ganha, em retorno, uma repercussão positiva.

O grande desafio é levar esta onda do Twitter para as ações sociais dos clubes e federações. São pequenos passos no início de uma longa caminhada.

Veja os 17 posts feitos pelos clubes brasileiros neste 28 de junho de 2020:

***ATUALIZAÇÃO (ÀS 22H16 DE 29/6): Após a publicação, o torcedor do Athletico Paranaense Willian Hack alertou via Twitter, corretamente, que a arena do clube, em 2019, se iluminou com as cores do movimento LGBT. No entanto, o próprio Willian admite que foi um caso isolado de posicionamento da equipe curitibana.

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João Abel
O Contra-Ataque

jornalista, autor de ‘BICHA! homofobia estrutural no futebol’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’