Futebol, filosofia e perseguição: a história do único jogador brasileiro anistiado

Conheça o passado do atacante Fernando Antunes Coimbra, professor de filosofia que foi torturado pelos militares durante a ditadura

Raphael Dafferner
O Contra-Ataque
4 min readApr 6, 2021

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Por Raphael Dafferner

Nando Coimbra (destacado no círculo vermelho) no time do Ceará de 1968

Na quarta-feira passada, dia 31 de março, o golpe de 1964 completou 57 anos. Data esta que marcou o início de um dos períodos mais violentos da história do Brasil: a Ditadura Militar. Entretanto, alguns brasileiros, inclusive o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, veem essa época com saudosismo.

Como repudiamos esse olhar acrítico sobre um regime tão autoritário como esse, O Contra-Ataque conta a história do centroavante Fernando Antunes Coimbra, o Nando, perseguido e torturado pelos militares durante o governo Médici e um dos irmãos do ídolo do Flamengo, Zico.

A história de Nando e a ditadura:

No período do regime militar, o futebol teve um papel importante na oposição. Sócrates, Casagrande e Wladimir, lideraram a conhecida Democracia Corintiana nos anos 80. Reinaldo, ídolo do Atlético Mineiro, comemorava seus gols erguendo o punho como forma de protesto contra a ditadura.

A história de Nando, porém, é bem diferente. Com formação nas categorias de base do Fluminense, estudou filosofia na Faculdade Nacional de Filosofia. Em 1963, ainda no governo Jango, Nando começou a lecionar no Plano Nacional de Alfabetização (PNA), criado pelo educador Paulo Freire.

Após o golpe de 64, no entanto, o governo começou a perseguição aos estudantes, extinguiu o PNA e Nando entrou nos radares dos militares.

“Meu crime foi ser professor”, afirmou em uma entrevista a UOL, em 2019.

Como jogador, profissionalizou-se pelo Santos, do Espírito Santo, passou pelo América e Madureira, ambos do Rio de Janeiro, e foi ídolo no Ceará. Em 1969, transferiu-se para o Belenense, em Portugal, onde foi interrogado pelos policiais portugueses. Com medo da ditadura de Salazar, ele voltou ao Brasil.

Na Cidade Maravilhosa, entretanto, sua vida não melhorou. Um ano após sua tentativa de emplacar no Velho Continente, foi preso pelo DOPS e levado ao DOI-CODI, junto com seus primos. Lá foi torturado e interrogado pelos militares, que achavam que o craque fazia parte de algum grupo revolucionário. Depois de quatro dias, ele e seus primos foram soltos, com exceção de Cecília, membro do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

“Passei pelo menos 48 horas com a cara na parede e as mãos na cabeça. Quando o braço descia de cansaço os soldados vinham com a baioneta e nos cutucavam, para erguermos o braço de novo”, declarou à Revista Libero, em 2017.

E os boicotes do exército não pararam por aí.

Ainda em 1970, seu outro irmão, Edu, foi cortado da Copa do México — usada como propaganda política pelo regime, como mostrou nosso querido Lucas Martins Alves de Oliveira no texto “1970, o ano em que a ditadura dominou o futebol”— na qual o Brasil se consagrou tricampeão.

Edu havia sido artilheiro do campeonato brasileiro — nomeado de Torneio Roberto Gomes Pedrosa na época — naquele ano, enquanto jogava pelo América do Rio. Esses fatos dão a entender que a decisão de não levá-lo para a Copa não foi meramente técnica.

Dois anos depois, em 72, o Zico também foi cortado da seleção que iria para as Olimpíadas de Munique, mesmo estando em ótima fase.

Como sintetizou Nando a UOL:

“O Edu não foi convocado e deixou de ser campeão do mundo porque os milicos cortaram ele só por ser meu irmão. O Zico era principal jogador da seleção olímpica e foi cortado porque eu tinha sido preso”.

Mesmo depois de toda a perseguição, Nando tentou voltar a jogar futebol, pelo Gil Vicente, de Portugal. A volta aos gramados foi difícil, com muitas lesões, o que fez com que ele largasse de vez o futebol.

Foi, acima de tudo, uma tentativa de não prejudicar a carreira de seus dois irmãos.

Recentemente, em 2010, Nando foi considerado perseguido político pela ditadura militar. Sendo assim, tornou-se o primeiro jogador da história do futebol brasileiro anistiado.

Nando Coimbra (na direita) no Cinefoot, em 2018 (Foto: Bia Palumbo/Torcedores.com)

Em 2018, no ano da eleição, Nando ainda se manifestou contra Bolsonaro — que não só vê a ditadura com bons olhos, como já homenageou um torturador — durante o evento Cinefoot (festival dedicado a filmes sobre futebol). Na ocasião, enquanto discursava sobre o período do regime militar, o ex-jogador afirmou:

“Por isso [perseguição política que sofreu] que eu sou a favor sempre do ‘Ele Não’”.

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