Marielle é do povo e pelo povo o Corinthians é feito

Um texto de repúdio ao dia em que o Corinthians negou sua própria história

O Contra-Ataque
O Contra-Ataque
8 min readAug 2, 2019

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No dia 27 de julho, sábado, o Departamento Cultural do Corinthians realizou um evento com a equipe de basquete masculina no Memorial do clube, onde foi exposta a camisa com o escrito “Quem matou Marielle?”que Gustavinho — capitão do time — usou ao levantar o troféu da Liga Ouro em 2018.

Próximo da marca de 100 dias do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, o camisa 10 do basquete alvinegro estampava em sua camisa a pergunta que hoje se presume respondida mas que nos instiga outra: “Quem mandou matar Marielle?” e tantas mais…

Pouco mais de um ano após do episódio com Gustavinho, que ocorreu dia 22 de junho de 2018, ali estava a camisa mais uma vez aos olhos da Fiel torcida, exposta no Parque São Jorge, lugar de conquistas e símbolos da história do clube do bom retiro.

Gostaríamos que esta atitude, endossada e celebrada por muitas alas da torcida alvinegra, tivesse frutos e realmente espelhasse um comportamento humano e coerente da diretoria do Sport Club Corinthians Paulista, mas o entusiasmo logo virou indignação.

Na terça-feira (30), a camisa foi retirada — e substituída por uma foto — em decorrência de uma carta enviada ao Presidente do Conselho de Orientação (CORI), Roberson Medeiro solicitando a remoção.

Quem assinou o documento foi a chapa 11, denominada “Fiéis Escudeiros” (sic), da qual o presidente do conselho faz parte e que conta com 25 membros (leia a relação destes no final do texto).

A carta.

Há uma porção de elementos nesta carta que apontam contradições e falácias dos “Fiéis Escudeiros” e do “grande número de conselheiros” que eles propõem representar.

Partindo do pedido de “exclusão de quaisquer alusões de cunho político, religioso ou de outra natureza não relacionada às conquistas ou sua história no âmbito esportivo dentro do memorial”.

O desconhecimento da história e da importância desta conquista para o basquete do clube é sintoma de uma ignorância enorme. É uma modalidade na qual o Corinthians foi bicampeão sul-americano, tetra brasileiro e, com um elenco que era a base da seleção, heptacampeão paulista entre 1964 e 1970.

Foram grandes nomes no time como Rosa Branca, Ubiratan, Amaury, Edvar e Wlamir Marques. Este último foi eternizado no clube através do Ginásio Poliesportivo que leva seu nome.

Estas histórias valem textos a parte, então seguimos.

Depois de 22 anos sem ter uma equipe de basquete, o Corinthians é campeão da Liga Ouro, garantindo vaga na NBB em seu primeiro ano de reexistência.

Talvez os signatários não acreditem que a camisa do capitão que voltou a erguer um troféu na modalidade depois de duas décadas representa uma conquista histórica do clube no âmbito esportivo e da modalidade no Parque São Jorge.

Estão equivocados. A hipocrisia (e sarcasmo) do grupo é ainda maior que sua ignorância.

“Objetivamos um clube livre de amarras políticas, que nada o agregam, e pelo maior valor democrático que ele representa sendo o time do povo independente de raça, religião ou preferência política”.

E encerram com: “Para nós, as dependências do clube devem refletir um estado laico e sem nenhum tipo de conotação política”

Começando pelo final.

Se eles conhecem o Parque São Jorge, localizado no bairro do Tatuapé, rua São Jorge, nº 777, onde fica a sede social — também conhecido como clube — do Corinthians, deveriam saber que está longe de ser um espaço laico.

Além de levar o nome do santo guerreiro, conta também com uma capela em sua homenagem (fazem até batismos por lá).

Os integrantes da chapa 11, conselheiros e diretores tampouco se preocuparam em emitir qualquer comunicado de repúdio a participação do Senador Major Olímpio durante a celebração do tricampeonato paulista este ano no gramado da Arena Corinthians.

Nem um pio quando o atual presidente apareceu vestindo um agasalho do Corinthians. Talvez porque possuam “conotação política” similar.

Valor democrático do time do povo.

O “maior valor democrático” que o Corinthians representa não são os grupos interessados no capital social, cultural e financeiro que infestam os corredores do prédio administrativo, mas sim a expressão popular, de seus funcionários, sócios, torcedores, atletas e de todos aqueles que se vivem e sentem Corinthians.

Marielle Franco não era corinthiana. Era flamenguista roxa e morreu no dia em que seu time venceu o Emelec fora de casa, de virada por 2 a 1, pela Libertadores. Sua figura virou bandeira nas arquibancadas rubro-negras e por todo o Brasil.

Por quê? Porque Marielle Franco era e segue sendo uma representação real do povo.

Foto: Reprodução/Twitter @flamengodagente

Longe dessas mentiras contadas pelos pseudo-senhores feudais que impregnam as instituições do Estado e do mercado, a ex-vereadora, mulher, lésbica, negra e favelada, representava e segue representando a luta pela verdade e por uma democracia de fato representativa.

Estudou e trabalhou para melhorar a segurança pública no Rio de Janeiro — uma das cidades que mais sofre com a presença de milícias e traficantes no mundo — e pagou o injusto preço.

Lutou pela democracia, essa mesma expressada da carta, mas com uma aplicação no mundo real.

Essa bandeira democrática é uma constante nos embates políticos. Mas são ilusórias e falaciosas as concepções que segmentos conservadores divulgam e repetem em seus argumentos para defender suas condutas autoritárias.

Compra de votos e eleição fajuta.

Antes das eleições de 2018, os autores da carta não pareciam estar muito preocupados com o valor democrático ao clube.

Em dezembro de 2017, o então secretário-geral do clube, Antônio Jorge Rachid Júnior enviou mensagem aos seus “amigos, fiéis escudeiros”, informado-os que o então candidato da chapa “Pró-Corinthians”, Paulo Garcia, estava regularizando sócios inadimplentes em troca de votos.

Claro, só aqueles que não votassem em “inimigos”.

Os áudios vazaram, foram publicados, a comissão eleitoral do Corinthians solicitou a impugnação da candidatura de Garcia e uma investigação do Comitê de Ética em cima de Rachid mas, como é praxe, não houve qualquer medida corretiva.

Rachid ainda é conselheiro vitalício do clube.

Em agosto de 2018, quatro meses depois do resultado das eleições, o Ministério Público de São Paulo confirmou a total falta de credibilidade do pleito que terminou com a vitória de Andrés Sanchez.

Com uma torcida de mais de 30 milhões de pessoas, foram 3.642 votos contabilizados (0,012% em relação aos 30 milhões) contra 3.617 na lista de presença — fato que foi usado para multar a empresa responsável pelos trâmites eleitorais, Telemeeting, em R$ 5,7 mil.

Não foi comprovada a relação de nenhum candidato ao ato criminal.

“Não temos, nos autos, nenhuma prova de que algum candidato participou disso. O que temos é que essa eleição é inexistente. Seria como fazer um exame e, ao invés de um médico usar uma tomografia, ele tirar uma foto sua. A eleição foi uma brincadeira de má-fé com o associado. Não teve seriedade”, disse o promotor do MP-SP, Paulo Castilho.

Quando se tratava de disputar poder e influência, os valores democráticos ficaram na gaveta dos “Fiéis Escudeiros”, assim como fica na imensa maioria dos diretores e conselheiros do clube, que ainda atuam em lógicas coronelistas com conchavos e esquemas.

Vivo por ti Corinthians.

Em sua página do Facebook, os “Fiéis Escudeiros” dizem ser “um grupo independente, acima de tudo defensores e escudeiros do Corinthians, que não precisam e não vivem do clube, mas o tem como uma paixão e querem se dedicar ao seu desenvolvimento, utilizando o conhecimento adquirido em diferentes áreas de competências”.

Pois bem meus chapas, chapa 11 não é Corinthians, não vive Corinthians e claramente não conhecem um dos principais cantos da Fiel torcida. Defendem apenas seus próprios interesses e a paixão que existe é por dinheiro e poder.

São oportunistas.

Desconhecem o solo em que pisam e as raízes das árvores das quais colhem frutos. Corinthians não precisa de “Fiéis Escudeiros”, quem nos protege é São Jorge Guerreiro e os milhões de maloqueiros e maloqueiras pelo mundo.

Criado em 1910, por operários e imigrantes, o Corinthians surgiu em uma época onde apenas os ricos jogavam futebol. A intenção dos fundadores era popularizar o futebol.

Em seu primeiro dia como primeiro presidente do Corinthians, Miguel Battaglia declarou: “O Corinthians é o time do povo e é o povo que vai fazer este time”.

Na década de 80, no processo de redemocratização do país após duas décadas de ditadura militar — e do próprio clube, que saía das assombrosas gestões do empresário espanhol Vicente Matheus — o time formado por Sócrates, Casagrande, Wladimir e companhia misturou política com futebol com a [famosa] Democracia Corinthiana.

Nos últimos anos, o Sport Club Corinthians Paulista vendeu milhares de camisetas em homenagem a este período.

Falta a diretoria alvinegra entender que política se mistura com futebol sim e democracia não é só slogan para vender camisa.

Não é de se espantar que a censura corinthiana venha na mesma semana em que o presidente do Brasil negou um assassinato documentado cometido pelo Estado durante a ditadura militar. Vivemos tempos muito perigosos em que negar o passado criminoso e passar pano para a barbárie virou corriqueiro. Não vamos aceitar.

O Contra-Ataque repudia e lamenta a censura corinthiana.

Hoje, 1º de agosto, 505 longos dias sem sabermos quem mandou matar Marielle e Anderson.

Chamado para vigília

Na sexta-feira, 2 de agosto, setores da torcida corinthiana que são contrárias a remoção da camisa do Memorial e que avaliam neste ato da atual diretoria uma decisão arbitrária irão se reunir no Memorial do Parque São Jorge a partir das 19h10.

Nação corinthiana, compareça!

Pra ficar de olho: quem integra a Chapa 11:

Foto: Reprodução/Facebook “Chapa 11 — Fiéis Escudeiros”

Alfredo de Oliveira Filho
André Gustavo Jorge Rachid
Angelo Maria Camara de Sá Jr.
Antonio Pauçlo de Souza
Cleber Metta
Denis Nieto Piovezan
Dilma Costa Rozante
Domenico Carnevale
Douglas Fernando Gomes
Edimilson Parra Navarro
Eudes Pascoal Trimbole
Flavio Martins Capitão
Hélio Castanheira Junior
João Roberto de Souza
José Eduardo Miguel Matheus
José Luiz Pereira Bouços
Joseph Mouaoud
Marcelo Acursi
Marcos Costa Linguitte
Mario Julio de Carvalho
Pedro Luis Soares
Renato Rocha Viana
Roberson de Medeiros
Ronie Neto Piovesan
Wilson Missao Yoshimoto

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