Os Sete de Chicago.

A visão cativante e verborrágica de Aaron Sorkin sobre um dos maiores julgamentos da história norteamerica.

Marcel Silva Gervásio
The Halo
5 min readApr 6, 2021

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Vivemos num mundo despolitizado onde as pessoas insistem que deve existir a separação entre arte e política. Apesar disso, o filme escolhido de hoje mantém o teor político trazido por Judas e o Messias negro e se debruça sobre um dos maiores julgamentos da história americana dando novas camadas para os acontecimentos no fim dos anos 60.

A história se baseia no caso de oito homens que foram acusados de conspiração pelo Estado após as manifestações de agosto de 1968 durante a Convenção Nacional Democrata, em protesto pela Guerra do Vietnã. O conflito entre civis e a polícia durou cinco dias, deixando vários feridos. O filme passa durante o julgamento dos réus e busca levantar uma série de questões sobre o sistema judiciário americano.

Os Sete de Chicago, filme escrito e dirigido por Aaron Sorkin tem ainda na concepção do projeto uma jornada conturbada, passando por desafios durante a greve dos roteiristas em 2008 chegando a passar pela mão de vários diretores, entre eles Spielberg. Porém, no fim de 2018 Sorkin assumiu também a direção, o filme chegou aos streamings no dia 20 de outubro e recebeu seis indicações ao Oscar.

Mesmo figurando algumas listas de fim de ano, eu demorei para me interessar pela produção. O gênero de filmes jurídicos não é um dos meus favoritos e as críticas positivas da época não foram suficientes para criar o ânimo que uma indicação ao Oscar consegue gerar.

E eu até fico feliz por ter demorado tanto a assistir esse filme porque assisti-lo após Judas e o Messias negro me ajudou a basear minha opinião na forma como o diretor trabalha com os fatos e o roteiro.

Estando por trás dos roteiros de A rede Social e Steve Jobs, Aaron Sorkin é um roteirista respeitado em Hollywood que carrega em seus textos diálogos fortes e verborrágicos e agora tenta trilhar uma carreira também como diretor estreando o seu segundo filme. Ainda que Os Sete de Chicago tenha um roteiro quase impecável, sua direção carece de dinamismo e inventividade.

O filme começa num acelerado me capturando logo nos primeiros momentos do filme. Confesso que mesmo com a forma que ele apresenta os personagens demorei um para me familiarizar com seus nomes, talvez por conta da forma caótica que eles entram em tela.

Como eu evitei ao máximo ver trailers ou ler sobre, acabei achando que o filme teria esse ritmo, mas ele logo é quebrado e o diretor conduz uma trama bem menos caótica.

Apesar de trazer as cenas dos confrontos durante o filme, acabei sentindo falta de emoção nelas ou até mesmo de uma direção um pouco mais ousada, Sorkin joga no seguro, não vai além do básico na direção o que deixa algumas cenas genéricas e frias.

O roteiro até consegue segurar bem essa deficiência do diretor me prendendo na história mais pela tensão na corte e os diálogos entre os personagens. E quando a direção se dedica a trazer mais emoção a tela, fora alguns momentos genuinamente bons e pontuais, o filme exagera e beira ao cafona.

Sorkin acerta ao escolher não mostrar a morte de Fred Hampton na tela, criando uma poderosa mensagem de como a sociedade americana finge não ver ou até mesmo não se importa com a violência contra pessoas negras. Comparando com a cinebiografia do presidente dos Panteras Negras, nesse filme é possível ir além e enxergar os dois pesos e duas medidas usadas pelo Estado norte-americano contra aqueles que eles enxergam como inimigos, ainda que fossem inocentes, Os Sete de Chicago foram apenas processados, enquanto Fred foi perseguido e morto.

No entanto, o filme erra ao construir flashbacks sem muita emoção. Por exemplo, durante o conflito que deriva a cena do restaurante, Sorkin perde a oportunidade de criar uma cena poderosa demonstrando a violência policial contra aquelas pessoas, mas prefere manter a emoção no monólogo do personagem vivido por Eddie Redmayne e entrega uma cena mais morna, sem a emoção prometida.

E isso se repete durante vários momentos, onde a dramatização dos acontecimentos traria muito mais tensão para tela, mas o diretor acaba priorizando os diálogos, mantendo a emoção no relato dos personagens e não nas cenas. Ou até mesmo errando muito no tom, como na cena onde dispensam uma jurada. A forma como a cena acontece, de um jeito muito dramático, com uma trilha quase fúnebre sem motivo nenhum me fez pensar que uma grande tragédia tinha acontecido, o que não se mostrou como real logo em seguida.

De um lado isso torna a direção sem muita atratividade, por outro, dá aos atores muita potência. Yahya Abdul-Mateen II captura toda atenção ao interpretar Bobby Seale no tribunal, uma das cenas mais fortes do filme é quando o personagem que tem por diversas vezes seus direitos civis negados pelo juiz acaba se revoltando e xingando a autoridade que ordena que os meirinhos o contenham, ele é arrastado da sala e volta amordaçado e algemado.

Além de uma cena forte por si só, Yahya Abdul-Mateen II consegue expressar toda sua revolta somente com um olhar se mostrando um excelente ator. Porém, mesmo sendo um personagem que só de abrir a boca captava não só atenção dentro de cena, mas também fora da tela, Bobby Seale simplesmente desaparece no meio do filme.

Ainda que tenha ficado que o personagem havia sido absolvido, senti falta de um desfecho mais robusto para ele. O mesmo acontece com John Froines e Lee Weiner, que o filme sinaliza ainda no começo que estavam ali apenas para serem absolvidos primeiro, mas isso nem acontece em tela, num momento eles estão lá e na elipse seguinte eles desaparecem.

Bons atores não é o que falta em Os Sete de Chicago. Sacha Baron Cohen me surpreendeu nesse filme. Mantendo a sua veia cômica que eu conheci em filmes como borat e o ditador, o ator teve espaço para mostrar novas camadas na sua atuação se tornando um possível oponente a Daniel Kaluuya na corrida pela estatueta de melhor ator coadjuvante (sempre bom lembrar que esse é o segundo filme que assisti da lista, minha opinião pode mudar, mas acho difícil o Daniel é um reizinho).

Um destaque especial para rápida participação de Michael Keaton que protagoniza um dos melhores momentos do filme atuando como ex-procurador geral dos Estados Unidos ao depor a favor dos acusados, essa cena é catártica. Eddie Redmayne não me convence muito, mas não chega a me incomodar.

A cena final onde o personagem de Joseph Gordon-Levitt se levanta enquanto Tom Hayden me causou uma sensação um pouco mista, sendo dos momentos em que eu acho que Sorkin tenta gerar emoção e incendiar os sentimentos do espectador, mas que para mim foi apenas cafona.

No geral, Os Sete de Chicago é um filme cativante, chegando até ser divertido em certos momentos, recheado de atuações de encher os olhos e um roteiro impecável. Mas como diretor, Aaron precisa ir além do convencional tornando reais suas chances apenas para levar a estatueta de melhor roteiro.

Nota: 3,5/5.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).