Talvez Não Tenha Tanto Medo Assim, de Trovão.

Ruan Henrick
O Ouvido Entre As Paredes do Quarto
9 min readJun 22, 2020

Olá, se você chegou aqui de propósito, bem vinda/o ao nosso bloguinho! :)

Se foi sem querer, esse é o nosso bloguinho e você é bem vinda/o!

Na postagem de hoje, farei uma análise do novo álbum do artista VinditLightning Telegrams”. Álbum que foi lançado nessa Sexta Feira, dia 19 de Junho de 2020 em boa parte das plataformas de streaming. Vale lembrar que, para melhor entendimento da análise e da obra, eu sinceramente recomendo que leia a entrevista que fizemos com o artista, que foi postada no dia do lançamento do álbum. Você pode ir direto pra entrevista clicando Aqui!

O que? O título? Ah, é óbvio que é uma referência. Quem me conhece sabe do que se trata, quem não me conhece também, mas talvez saiba um pouco menos. Claro, que também não é apenas uma referência flutuante que está por estar. Espero que entenda o que quero dizer ao fim da análise.

Por fim, espero que você que está lendo isso agora tenha uma boa leitura, mas principalmente uma boa viagem. :)

Sobre mim e a Arte.

Lightning Telegrams foi pra mim uma experiência única. Não só pela obra em si, mas também pela oportunidade que me deu. Receber acesso antecipado a um álbum em nome do coletivo? Nunca na minha vida imaginei que passaria por algo assim. Isso só reafirma a importância que esse coletivo tem, não só pra mim, mas também pra todos que fazem parte dele. Sou muito grato por essa oportunidade, por essas pessoas estarem a minha volta. Esses artistas me inspiram cada dia mais.

Até ouvir o álbum, uma das únicas artistas que me fazia ainda ter um certo contato com algo parecido com Rock, que eu abandonei por quase completo de uns tempos pra cá, era Ana Frango Elétrico. Agora, Lightning Telegrams, apesar de não ser algo “Rock-Rock”, me fez lembrar desse tempo em que eu ouvia Rock. Essa parte, fase da minha vida em que eu ficava bobo de feliz com alguns riffs distorcidos e uns caras cabeludos gritando no microfone. Apesar de não ter muito a ver com isso de forma literal, é realmente reconfortante saber que essa antiga parte de mim pode se ressignificar e se tornar parte dessa coisa nova e tão vasta que, por não ter outro termo, chamarei de “indie nacional atual”.

Por ser um artista brasileiro que canta em inglês, isso também mexeu bastante com outro lado pessoal meu, mais pro lado de compositor. Eu já tentei cantar inglês e isso porque eu tinha medo de me entenderem, tinha medo de descobrirem o que há em mim e começarem a me diminuir ou me julgar por conta disso. Produzi algumas composições em inglês, mas nunca cheguei a gravar alguma. No fim, ainda desisti de cantar em inglês por causa de uma gravação onde Renato Russo meio que “fala mal” de quem canta em inglês. Hoje vejo mais claramente do que nunca que ele estava errado. O material que Vindit faz, é genuinamente brasileiro, é inovador, inédito. É algo que se ouve em qualquer canto do mundo e mesmo com a letra em inglês, dá pra notar em dois ou três plays que é algo brasileiro. E isso é algo… incrível.

O País Reverbera.

Atemporal, atual. Acho que… atualmente, esse são os termos que tenho pra descrever o álbum em sua totalidade. Por que atualmente? Porque eu sinceramente estou inseguro sobre o futuro, um efeito de toda essa bagunça que há no mundo atualmente. Porém, acho ainda assim extremamente acurado chamar o álbum de atemporal e principalmente atual. O álbum foi escrito metade antes e a outra metade após o início da quarentena. Isso se torna muito nítido quando se ouve prestando atenção nas letras.

Um exemplo extremamente nítido é a faixa Take Me Out. Antes de entrevistar o artista, imaginei que fosse algo tipo um sentimento que acredito que todos os jovens compartilham que é o de vazar pra longe de sua cidade natal e começar sua vida adulta em uma cidade maior (ou menor) e completar seus estudos. Querer escapar de uma rotina já conhecida pra uma completamente nova e desafiadora. Mas não, a música é sobre a quarentena, sobre estar preso dentro de casa, cara a cara com seu próprio ser e suas imperfeições. Um pedido urgente, de alguém que quer desaparecer do que chamamos de mundo atual (quem não quer?). “Eu morreria em seus braços, não quero estar mais em casa… Vamos explorar o desconhecido, podemos roubar o sol? (Eu quero que você me tire daqui)”.

Mas o que mais me chamou a atenção no contexto de ser algo “atual”, são as críticas ao estado social que está o nosso país no momento atual. Dentro do álbum nós encontramos músicas cheias de críticas sociais incríveis, muito bem construídas. Elas começam na segunda faixa: Young Brazilian. Apesar de ser por parte inspirado no padastro do Vindit, eu sinto que existem milhares de Young Brazilians pelo Brasil. Eu acredito que essa faixa seja principalmente uma crítica ao fato de que, nos últimos anos, o Brazil tem consumido boa parte do Brasil. “Ele beberia gasolina se pudesse, dirigindo seu caminho até Hollywood… Ele suportaria um país tão livre?”. Eu acho sensacional a rima que existe dentro desses versos (rimas em inglês!), que soam de forma maravilhosa foneticamente falando, e ainda carregam um peso absurdo na mensagem. É incrível ouvir a voz do artista dançar entre as frases da composição. Também desconstrói um pouco o sonho que tem crescido tanto ultimamente na classe média alta de que “os EUA são um país livre e perfeito para se viver”, a música diz o que boa parte das pessoas que não sonham com isso já sabe: “Os EUA são um país consumista e muito racista. Todos que ‘não fazem a economia funcionar’ não são bem vindos”. Se quiser viajar um pouco, acho que cê pode até considerar esse povo que sai no meio da pandemia pra passar vergonha em amarelo com camisa da seleção na rua como Young (nesse caso, old) Brazilians.

Outra crítica social, essa mais sobre as redes sociais, é a faixa que vem logo após a Young Brazilian, a terceira faixa chamada Algorithm Man. É uma crítica ao Mark Zuckenberg, mas não apenas ou especificamente a ele. Existe um esquema, pra quem não sabe, que é compartilhado por quase todas as redes sociais (mas principalmente pelo Google e suas redes), onde eles coletam informações (além das que você fornece) para “melhorar” seus anúncios. Com as informações que eles coletam (ex.: Fulano gosta muito da cultura inglesa), eles te fornecem anúncios que coincidam com as mesmas (logo, o facebook mostrará anúncios de cursos online de inglês para fulano). Mas também não se limita a isso, apesar d’eu acreditar que esse é o ponto principal. A forma de conseguir dinheiro na internet, pelo menos a partir dessas redes, é majoritariamente a partir desse esquema que é regido por algorítimos. Essa é a crítica, é sobre a perseguição da indústria dentro do espaço pessoal que deveria ser o seu perfil. É sobre estar preso a um termo de condições enorme, qual você nunca vai ler, mas mesmo assim vai concordar. É sobre tentar sair dessa realidade “cibernética” e tentar, de alguma forma, voltar ao mundo “real”. Porém, onde a internet não está nos dias atuais? Onde é que fica o mundo real?

Só pra finalizar esse pedaço das críticas sociais, vamos falar sobre a faixa Worms. Eu acho que, em questão não só sonora, mas também na questão de continuidade dos temas do álbum, essa faixa é perfeita pro desfecho de Lightning Telegrams. A faixa entrelaça todas as críticas sociais anteriores e ainda apresenta novas críticas com assuntos que, por motivos políticos, estão presentes nos nossos dias. Nessa faixa, a crítica é direcionada principalmente a desinformação e a ignorância, que infelizmente tem dominado nosso país nos últimos anos. Uma faixa que fala da Venezuela, passeia pelas falas repulsivas de um certo energúmeno com poder político e ainda diz sobre a presença da ignorante crença sobre a terra plana. Por fim, a faixa conclui que tanto faz esperar pelo fim do mundo ou não, porque ele já é aqui, já é o agora. Só depende da gente de parar de resistir e permitir que seja. Tanto faz morrer e se tornar mais um número, tanto faz, o mundo já está acabando diante de nossos olhos, e a única coisa que nos mantém vivos são as coisas pelas quais lutamos.

Um Legado.

Um álbum com a essência de 2020 da perspectiva de um jovem artista independente que produz todo o seu material de dentro de seu próprio quarto, usando as ferramentas que estão a sua disposição. Um desabafo dançante sobre tudo o que tá rolando desde a segunda década do século XXI. Mas além de toda essa dimensão que a arte toma, em relação a sociedade e a esse momento histórico que vivemos agora, a obra não deixa de ser um enorme legado do artista. Isso é algo que eu pelo menos, sempre me esqueço. A arte viaja por todos os cantos e por todos os ouvintes, mas nunca perde sua origem, aquelas horas de trabalho se expressando sempre existirão seja dentro ou fora da obra final, e nada nunca vai mudar isso. O álbum tem corpo jovem, cabeça estressada adulta e anda sob cacos de vidro com uma estética sorridente. Quem sabe, o sangue faça parte da graça dele.

Absolutamente, todas as rimas do álbum são simplesmente geniais, dá prazer em ouvir o artista dançar com sua voz entre os versos. É um poço de extrema criatividade, desde a sonoridade, da estética, das letras, enfim, de tudo. A capa do álbum é um retrato perfeito a respeito do que a obra é: faixas craqueladas, jovens, rosa, mas principalmente humanas. Humanas no sentido de que o álbum entende o que há no nosso país e no mundo no momento atual, e sem inocentar ninguém, pede por paz. Paz para poder sermos quem realmente somos, apesar de todas as premissas que adotamos sem querer com o nosso evoluir como seres. Paz para que ninguém tenha que sobreviver a nada, pra que todos possam viver, de forma plena e livre. O álbum é libertador, ele clama por liberdade. E ele quer ser livre de tudo o que já existe e viver no mundo em que se é digno viver e morrer. Lightning Telegrams é um protesto dançante e extremamente vivo, inspirado em um poema que abrange toda a existência e depois se torna parte da des-existência, um descanso. E por fim, é isso que o álbum é, a resistência de sua existência, com um enorme desejo por um descanso digno.

O álbum não tem medo de trovões, não tem medo de fazer barulho, ele é o barulho, e todos vão ouvir. São literais telegramas atemporais que soam tão alto quanto um trovão. As mensagens que ele passa são eficientes visões de seu tempo, eles marcam a vida do artista, talvez um dia marque uma era. E é disso que Lightning Telegrams é feito: de barulho, de superação do medo para nunca mais se calar. Pra que algum dia, possam olhar pra trás e ainda conseguir ouvir esse grito de socorro, esse grito de resistência, esse grito por justiça. Para que nunca mais tenhamos que gritar pelas mesmas coisas novamente.

Essa foi a minha análise sobre Lightning Telegrams, o novo álbum do artista Vindit. O que achou? Gostou do álbum tanto quanto eu?

Obrigado por ler! Espero que você tenha gostado! :)

Não se esqueça de ouvir o novo álbum do Vindit e visitar suas outras redes!

Lightning Telegrams

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-Ar,Tristo

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