Série FGVs | A questão da diversidade na FGV

Um arco-íris de poucas cores?

Kaio Torres Dias
O Veterano
5 min readMay 26, 2021

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Imagem original no Portal FGV

Em um país tão diverso e desigual quanto o Brasil, a pauta da inclusão social nunca está longe do debate público, com uma presença particularmente forte na área da educação. Segundo o IBGE, em 2018, 36,1% das pessoas brancas entre 18 e 24 anos cursavam o ensino superior, enquanto apenas 18,3% das negras e pardas o faziam. Além disso, para o mesmo ano e nível de ensino, verificou-se que, na rede privada, pretos e pardos constituíam apenas 46,6% dos alunos — apesar de formarem mais de 56% da população brasileira. Essas estatísticas mostram como a etnia ainda é um fator fortemente correlacionado à escolaridade nos dias atuais, além de levantarem uma importante questão: Quão diversa é a FGV?

Composição étnica dos corpos discentes da FGV Rio e da FGV SP

Os gráficos acima respondem concisamente à pergunta. Somente 10% do corpo discente da FGV São Paulo e 16% do da FGV Rio se declara negro ou pardo, o que atesta a falta de diversidade étnica de ambas as instituições mesmo dentro do meio majoritariamente branco das faculdades particulares. As explicações para tais números (e para a diferença entre eles) são muitas, mas a ampla maioria passa por um ponto central: a notável desigualdade socioeconômica existente entre os grupos étnicos no Brasil.

Existem três vezes mais negros e pardos no décimo mais pobre da população brasileira do que no décimo mais rico, e essa diferença representa a principal causa da baixa presença dessas etnias na FGV. Em primeiro lugar, a pobreza prejudica o acesso à educação de forma geral por muitas vias: jovens pobres não costumam ter acesso à rede privada nos ensinos fundamental e médio, tampouco a cursos extracurriculares (como pré-vestibulares e de idiomas), e frequentemente precisam interromper sua educação de maneira precoce para contribuir com a renda familiar. Em segundo, ela consiste em uma barreira específica para instituições com mensalidades elevadas, como a FGV. Desse modo, a baixa representatividade das etnias negra e parda na instituição é um reflexo da pequena participação destas nas camadas mais favorecidas da sociedade — relação essa que é reforçada pelo gráfico abaixo, que mostra que apenas cerca de um quinto dos alunos da FGV Rio vem de famílias com renda mensal inferior a R$3.000.

Distribuição dos alunos da FGV Rio por renda familiar

Esse aspecto da sociedade brasileira também pode ser apontado como responsável para a presença de negros e pardos na FGV Rio — ainda que baixa — ser 1,6 vezes a da sua contraparte paulista. Isso se deve à diferença entre as quantidades de bolsas distribuídas em cada unidade, com a instituição carioca ficando à frente nesse quesito devido, principalmente, ao projeto CDMC (Centro para o Desenvolvimento da Matemática e Ciências), que fornece bolsas e auxílio financeiro a alunos de colégios públicos medalhistas em olimpíadas escolares. De fato, cerca de um terço dos estudantes pretos e pardos da graduação da FGV Rio fazem parte do projeto, e menos de um quinto dos alunos pertencentes a essas etnias estuda sem bolsa. Tais valores mostram a importância de programas assim para o aumento da inclusão e da diversidade dentro da FGV e das faculdades particulares como um todo.

Quase dois terços dos alunos da FGV Rio possuem alguma bolsa de estudos

Outra pauta importante a ser abordada é a questão da diversidade sexual dentro da FGV. Diferente do que ocorre com os negros e pardos, os LGBT+ estão presentes em ambas as instituições em proporção superior à vista na sociedade brasileira (da qual estima-se que eles componham 10%), constituindo cerca de um quarto do corpo discente tanto na FGV SP quanto na FGV Rio. Desse modo, fica claro que não existe o mesmo problema de inclusão para essas minorias no âmbito da entrada nas instituições em questão. No entanto, isso não significa que a vida acadêmica do aluno LGBT+ seja isenta de desafios, apenas que estes sejam de natureza distinta — se relacionando à inclusão na sala de aula, por exemplo.

Distribuição dos alunos da FGV por orientação sexual

No caso, o maior obstáculo a ser superado é o sentimento de deslocamento dentro da realidade da FGV. Essa sensação, compartilhada por muitos estudantes tanto de minorias étnicas quanto LGBT+, consiste na dificuldade de se sentir acolhido em um ambiente majoritariamente branco, heterossexual, cisgênero e de classe alta. As diferenças notáveis entre as experiências e visões de mundos dos membros dessas minorias e as de muitos de seus colegas, por vezes, prejudicam a experiência universitária, tornando-a mais estressante e solitária do que deveria ser. Tal cenário se mostra prejudicial não apenas ao bem-estar psicológico dos alunos, mas também aos seus desempenhos acadêmicos — um efeito particularmente preocupante pelo fato de essas minorias, com frequência, dependerem de boas notas para manter suas bolsas de estudo.

Nesse sentido, fazem-se necessários projetos que visem a acolher a parte do corpo discente pertencente a essas melhorias; projetos que sejam capazes de fazê-las se sentirem parte da FGV. Até hoje, iniciativas desse gênero têm partido, majoritariamente, dos próprios alunos de minorias, por meio de entidades como o Coletivo Existo! (para os LGBT+) e o Coletivo Ovelha Negra (para pardos e pretos). Tais grupos servem para reunir membros dessas minorias de forma que possam formar amizades com pessoas semelhantes dentro da faculdade, proporcionando assim uma maior sensação de pertencimento à instituição.

Portanto, a principal conclusão que podemos obter ao analisar a pauta da diversidade na FGV é a de que ainda há um amplo espaço para avanços, tanto no que se refere a trazer minorias para as faculdades quanto a criar um ambiente receptivo para elas dentro destas. Tais objetivos são importantes para que as instituições sejam capazes de contribuir para a criação de uma sociedade menos desigual, na qual sexualidade e etnia não sejam fatores relevantes para o sucesso e a qualidade de vida das pessoas. Nesse sentido, a missão da FGV com relação à diversidade consiste na adição de cores a um arco-íris que, até hoje, tem se mostrado excessivamente branco.

Os gráficos e as estatísticas do corpo discente da FGV apresentados neste texto foram baseados nos resultados do PIBIC “Modelo de previsão da influência das desigualdades socioeconômicas no desempenho acadêmico” de Nícola Victor Augusto Batista de Gouveia Fini, que contou com uma amostra de 271 alunos na FGV Rio. Desta forma, podem haver divergências entre os valores apresentados e a realidade, o que mostra a importância de a própria FGV realizar um censo com todos os estudantes para que se compreenda melhor a verdadeira dimensão da questão da diversidade na instituição.

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