Série Pacífico | A Terceira Revolução Chinesa

Sobre o panorama político-econômico atual da China

Luisa Curcio
O Veterano
7 min readAug 5, 2020

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Cidadãos andam sob banner de “Sonho Chinês”, em Pequim. Disponível em CNN.

Antes de falar da China atual, é preciso voltar alguns anos no tempo. Da mesma forma como estudamos o passado para compreender o presente nas disciplinas de História, é preciso retornar, em especial, a dois importantes momentos da trajetória chinesa para entender o governo de Xi Jinping, atual líder da República Popular da China. O termo “Terceira Revolução”, que dá nome ao texto, foi usado por Elizabeth Economy em “A Terceira Revolução: Xi Jinping e o novo Estado Chinês” (em tradução livre) para se referir ao objetivo de Xi em alcançar o Sonho Chinês através do rejuvenescimento da nação. Nesse sentido, precisamos revisitar as outras personalidades responsáveis pelas duas primeiras revoluções, bem como o impacto dessas na República Chinesa; são elas — as personalidades — Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping.

A Primeira Revolução

Em 1958, a China lançou seu primeiro programa de crescimento econômico sob o governo de Mao Tsé-tung, o primeiro Presidente da República Popular da China (RPC). Foi Mao, em 1º de Outubro de 1949, quem proclamou a RPC e, portanto, a vitória da Revolução Chinesa sobre os nacionalistas, dando início ao governo do Partido Comunista da China (PCC) no país. Durante seu mandato, Mao foi responsável pela implementação de dois colossais projetos aos quais dedicaremos atenção: o Grande Salto Adiante (ou para Frente) e a Revolução Cultural — sendo o primeiro o plano de desenvolvimento mencionado anteriormente.

O Grande Salto Adiante tinha como objetivo uma reforma agrária capaz de aumentar a produtividade das terras de tal forma que fosse possível o financiamento do processo de industrialização do país através da renda proveniente das zonas agrícolas. Contudo, o plano foi um fracasso. Na etapa de coletivização dos campos, na qual os camponeses eram obrigados a abandonar suas terras para integrar grandes comunas agrícolas, o uso da força por parte do Estado chinês era brutal. Com o tempo, a fome tomou esses grupos e, como consequência, cerca de 30 milhões de pessoas morreram; todavia, esses números não foram confirmados por conta da falta de documentos [1].

Em “A Grande Fome de Mao”, Franz Dikötter escreve: “Muito rapidamente o paraíso utópico provou ser um enorme quartel militar. A coerção e a violência eram as únicas formas de garantir que as pessoas executassem as tarefas que lhes eram ordenadas pelos membros locais do Partido.” Em 1959, a colheita de grãos, por exemplo, foi pior que a de 1958; contudo, com medo de sofrerem retaliações por conta da baixa na produtividade, os funcionários muitas vezes informavam que as metas de colheita teriam sido atingidas — situação que se repetiu ao longo dos anos e agravou a escassez de alimentos no país [2]. O Grande Salto durou até 1962, assim como a fome.

A Grande Revolução Cultural Proletária da China foi iniciada em maio de 1966 e persistiu até a morte de Mao, em 1976. Durante esse período, houve um movimento de intensa propaganda política em favor do culto ao líder, e repreensão a qualquer tipo de conteúdo (música, livros, filmes…) que tivesse origem ocidental, bem como de qualquer oposição ao regime político do então líder. Nesse sentido, houve perseguição a intelectuais por grupos autodenominados “Guardas Vermelhos do líder Mao”, compostos por estudantes incitados pelo próprio Mao a se rebelarem contra professores e mesmo oficiais partidários, neutralizando qualquer deslealdade em relação ao Maoísmo (TREVISAN, 2009).

Em seu objetivo de consolidar-se como grande líder chinês, podemos dizer que Mao obteve sucesso em sua Revolução Cultural. Isto é, até os dias atuais, sua figura é venerada através de posters, canções, estátuas espalhadas por toda a China e até mesmo nas notas de dinheiro do país. Por outro lado, os anos de revolução foram de intensa instabilidade política e econômica.

Após a morte de Mao, em setembro de 1976, seu sucessor Hua Guofeng decretou a prisão do grupo radical comandante da ofensiva à tradição nos anos de revolução (chamado de “Gangue dos Quatro”) que, então, foi responsabilizado pela perseguição e falsa incriminação de mais de 700.000 pessoas no período de dez anos. Em junho de 1981, o PCC concluiu que a Revolução Cultural foi um “grave erro” e que Mao, em especial ao final de sua vida, teria cometido “excessos esquerdistas”.

Notas de dinheiro chinesas com a figura de Mao Tsé-tung estampada. Disponível em Unsplash.

A Segunda Revolução

“Não importa se o gato é branco ou preto, contanto que ele pegue o rato”. Esta frase proferida por Deng Xiaoping representa sua vontade de substituir o uso da ideologia então vigente pelo pragmatismo no governo da China. Em 1978, as propostas de Hua de defesa à ideologia de seu antecessor e ao modelo econômico planificado, que provaram seu insucesso no governo anterior, não agradaram aos líderes do PCC. Nesse contexto, é Deng Xiaoping quem surge como novo líder da China após a III Plenária do XI Comitê Central do Partido Comunista, ao propor medidas remotamente liberais para a economia do país, com algum grau de abertura aos mercados internacionais. À partir daí, Deng introduz a economia de mercado na China — modelo econômico chamado de socialismo com características chinesas— que dá ao país seu histórico recente de sucesso econômico e modernização, tirando-o da danação causada pelos programas de Mao.

Para a economista e professora na Universidade de Michigan, Linda Lim, as reformas de Xiaoping foram definitivas no sentido de tornar a China uma “fábrica global”. Em entrevista à revista VEJA, ela afirma que, “em apenas três décadas, ele implementou as três revoluções industriais que o Ocidente demorou 250 anos para promover. Hoje, está no topo, encabeçando o que se conhece como a quarta dessas revoluções.” Dessa forma, as medidas de Xiaoping foram responsáveis pela verdadeira mudança na paisagem chinesa que, a partir daí, viveu acelerado processo de urbanização.

Ao contrário do antigo líder Mao, conhecido por só ter quebrado seu isolamento em visita à antiga União Soviética em ocasião da comemoração do aniversário de Stalin, Deng se empenhou em sua campanha internacional com o objetivo de criar parceiros comerciais e diplomáticos ao redor do mundo. Visitou os Estados Unidos em 1979, quando o país estava sob o governo de Jimmy Carter, e fortaleceu os vínculos com a diplomacia americana — movimento iniciado ainda no governo Mao por iniciativa do presidente Richard Nixon de visitar a China, em 1972. Além disso, foi Deng quem certificou-se da devolução de Hong Kong — que já estava prevista em acordos — por parte dos ingleses em 1997 e, da mesma forma, de Macau em 1999, antes sob o domínio português. Nesse sentido, entende-se que a mudança iniciada por Xiaoping foi definitiva para a construção da China que conhecemos hoje. Isto é, desde o período em questão, o país passou a receber quantidades crescentes de investimento estrangeiro que viabilizaram sua modernização (TREVISAN, 2009).

A Terceira Revolução

Poster de Xi Jinping. Disponível em TFIPost.

O atual Presidente da China está no cargo desde março de 2013, e é o 7º líder a ocupá-lo. A Terceira Revolução, segundo Elizabeth Economy, tem como objetivo a realização do Sonho Chinês durante este governo. O sonho, por sua vez, seria realizado através de realizações como o crescimento do PIB per capita e o aumento do poderio militar do país de tal forma que fosse possível que toda a sociedade chinesa tivesse acesso a uma vida classe média, sendo este o chamado rejuvenescimento da China (LI, 2016). Dessa forma, o país supostamente mostraria ao restante do mundo a superioridade do modelo socialista e ocuparia seu posto central na economia e na política internacionais.

Apesar de ter construído diversas barreiras no sentido da entrada de ideias e capital estrangeiros para dentro da China, Xi Jinping encoraja, com frequência, que façam o movimento contrário, no sentido de saída do país. Por isso, ainda em 2013, lançou a Iniciativa do Cinturão e Rota, também conhecida como Nova Rota da Seda chinesa. Este projeto, baseado em investimentos de infraestrutura — tanto terrestre quanto marítima -, envolvendo países da Europa, Ásia, África e Oriente Médio, criaria um novo bloco comercial e internacional centrado na China [3]. Dessa forma, Xi estaria mais próximo da realização do Sonho Chinês na medida em que teria maior capacidade de expandir a influência do país pelo mundo e, ainda, projetaria seu poder — do líder — internacionalmente. (Leia mais sobre a Nova Rota da Seda n’O Veterano)

Por outro lado, esse maior grau de liberdade em relação ao exterior no governo de Xi Jinping contrasta com o aumento da censura dentro do país. Xi, a exemplo de Mao, deseja aumentar o poder do Estado e, nesse contexto, a tecnologia tem sido utilizada para maior controle e vigilância sobre a sociedade chinesa. Também, da mesma forma que o primeiro presidente, Xi investiu na campanha anticorrupção desde sua ascensão e concentrou o poder em sua figura a ponto de ser considerado o líder mais influente desde Mao. Em 2018, o congresso chinês aprovou o mandato vitalício de Xi Jinping, decisão que fortaleceu seu poder como chefe político e militar do país. Com efeito, Xi tomou posse de diversas instituições que surgiram no período de Mao e as modernizou — significando, no mundo atual, levar em conta a opinião internacional sobre a China [4]. Para isso, é preciso aumentar a influência do país no estrangeiro, mas persistir no controle do PCC em seu próprio território, para impedir que a sociedade se afaste de suas raízes comunistas — estabelecidas principalmente na Revolução Cultural.

Referências:

[1] TREVISAN, Cláudia. “Os Chineses”. 2009. São Paulo: Editora Contexto.

[2] NABUCO, Paula. “‘Sem medo dos dragões que ficaram para trás nem dos tigres à frente’: coletivização e o Grande Salto Adiante chinês”. 2015. Vitória: XI Congresso Brasileiro de História Econômica, 12º Conferência Internacional da História de Empresas.

[3] FERDINAND, Peter. “Westward ho — the China dream and ‘one belt, one road’: Chinese foreign policy under Xi Jinping”. International Affairs, 2016.

[4] BRADY, Anne-Mary. “Magic Weapons: China’s political influence activities under Xi Jinping”. Department of Political Science and International Relations University of Canterbury, New Zealand, 2017.

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Luisa Curcio
O Veterano

Estudante de economia na FGV EPGE e cofundadora do jornal estudantil da FGV Rio O Veterano.