Mas, afinal… bruxaria é uma religião?

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
3 min readApr 3, 2022

Esse é um debate bastante em alta nos meios neopagão, wiccanos e ocultistas. A Wicca briga há bastante tempo para ser reconhecida pelo governo e por outras instituições como uma religião. Mas sempre tem uma polêmica de que bruxaria é uma prática de magia, ou um conceito abstrato… por isso, trazemos alguns elementos que vão ajudar a pensar um pouco sobre essa questão.

A bruxaria NÃO É uma religião

Historicamente, a gente não pode dizer que existiu uma Religião da Bruxaria.

A grande divulgadora da bruxaria como religião foi a egiptóloga e antropóloga Margaret Murray, que em 1922 publicou o livro O Culto das Bruxas na Europa Ocidental. A ideia principal era de que a bruxaria teria sobrevivido, desde a pré-história, como um culto a uma divindade de fertilidade, que durante a Idade Média foi associada ao demônio.

Antes dela, folcloristas e etnólogos já tinham levantado essa mesma bola, em um esforço de preservar tradições, culturas e outros elementos que, na interpretação deles, formavam a identidade dos povos europeus.

Mas nenhum estudo da História ou da Antropologia a partir dos anos 1960 confirma essa hipótese. Pelo contrário: não há evidências que ajudem a manter essa ideia de pé. Apesar de existirem diversas linhas diferentes de análise dos documentos envolvendo bruxas (processos de Inquisição, folhetos, vestígios arqueológicos etc), não há nada que mostre uma religião organizada.

O que chega mais próximo da hipótese de Murray é a interpretação de que aquilo que foi classificado como bruxaria entre a Idade Média e a Era Moderna eram sobrevivências dispersas de cultos pré-cristãos.

Deus de Chifres do Witchcraft Museum

A bruxaria É SIM uma religião

A partir da visão desses etnológos do século XIX e, principalmente, das obras de Margaret Murray, nasce uma nova forma de entender a bruxaria. Na virada do século XIX para o XX surgem movimentos de ressurgimento, reconstrucionistas ou inspirados nas religiões pré-cristãs da Europa, sendo a mais famosa a Wicca.

Dentro dessa perspectiva nova e que nasce no século XX, bruxaria pode ser considerada uma religião. Mas ela não é a continuação de religiosidades da pré-História, como alguns defendem. Ela é uma interpretação bastante moderna, uma releitura de crenças europeias antigas dentro de um contexto contemporâneo (e, no caso da Wicca, com mais influência de ocultistas e da mentalidade do século XIX do que da Antiguidade).

Mas e nos outros lugares?

Apesar dos autores europeus classificarem vários ofícios mágicos e religiosos pelo mundo como bruxaria, às vezes é complicado usar esse termo fora da Europa. Apesar de muitos povos nativos da África e da América acreditarem em atos mágicos, espíritos e deuses, suas crenças e o que foi feito com elas é bastante diferente do desenvolvimento da bruxaria na Europa. Então, é preciso ter um certo cuidado.

Referências:

- A parte 2: Bruxaria Moderna, do livro História da Bruxaria, de Jeffrey Russel e Brooks Alexander.

- A dissertação de mestrado do historiador Janluis Duarte, Os bruxos do século XX : neopaganismo e invenção de tradições na Inglaterra do pós-guerra. É de 2008 e foi feito na Universidade de Brasília.

- Vale ler a introdução que eu fiz sobre as principais pesquisas sobre a bruxaria histórica. Está no Medium do Voo da Bruxa.

- Imagem do Witchcraft Museum, fundado por Gerald Gardner.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre em História pela @puc_sp